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Reinaldo Azevedo

Em SP, simula-se Frente de Esquerda. Mais: cidade vive o velho e bom normal

Guilherme Boulos, o maior vitorioso individual do pleito de 2020, e Bruno Covas travam em São Paulo uma disputa que repete o velho, e bom, normal - Márcio Alves/Agência O Globo; Divulgação/Prefeitura de São Paulo
Guilherme Boulos, o maior vitorioso individual do pleito de 2020, e Bruno Covas travam em São Paulo uma disputa que repete o velho, e bom, normal Imagem: Márcio Alves/Agência O Globo; Divulgação/Prefeitura de São Paulo

Colunista do UOL

29/11/2020 09h09

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Se o Rio vive uma simulação de uma Frente Ampla, que junta contra Marcelo Crivella e Jair Bolsonaro eleitores e/ou partidos, com graus distintos de engajamento, que vão do PSOL ao DEM — e há até legendas à direita do Democratas recomendando voto em Paes —, São Paulo faz um outro ensaio.

Na cidade, a extrema-direita bolsonarista saiu ainda mais humilhada das urnas. Bolsonaro deu em Celso Russomanno (Republicanos), que costuma perder o fôlego logo no primeiro terço da travessia, um abraço de afogado. E vimos o que vimos. Na maior cidade do país, a direita e a centro-direita, com o apoio de algumas legendas um pouco mais à esquerda, MAS NÃO DE ESQUERDA, conseguiram colocar o seu candidato no segundo turno. Bruno Covas (PSDB) disputa a etapa final com Guilherme Boulos, do PSOL.

E aqui está a grande novidade desse pleito de 2020. Boulos é o maior vitorioso individual dessa saga eleitoral, ganhe ou perca a disputa. Já ganhou. Segundo as pesquisas, a vantagem do tucano é razoável, mas a prudência recomenda que não se anteveja a vitória certa.

De toda sorte, o líder de um movimento popular passou a ser uma referência nacional das esquerdas. E não está atrelado ao PT, por mais que a direita insista em fazer do PSOL uma espécie de costela do petismo. Sim, um derivou do outro, assim como os tucanos saíram do ventre do MDB. Mas não são a mesma coisa — e eu diria até: para o bem e para o mal. É para o bem porque o PSOL não tem de ser haver com a burocracia de um partido grande e com o peso de uma herança recente que foi depredada pelo lavajatismo e por erros da própria legenda. É para o mal porque o discurso acentuadamente de esquerda tende, em princípio, a afastar eleitores mais conservadores. Sem uma fatia do conservadorismo, fica difícil vencer uma eleição.

De todo modo, Boulos fez uma campanha que conseguiu, vamos dizer, aplainar os relevos mais incômodos da legenda e da sua própria figura de militante de uma causa — um prefeito administra a cidade de todos —; renovou a linguagem da postulação de esquerda; atraiu parcela considerável dos jovens para a ideia de mudança e o fez sem demonizar a política.

O PT, se tiver disposição, tem uma lição a tirar da disputa de São Paulo: a causa da igualdade e da justiça social persiste, mas não se pode ambicionar o seu monopólio, especialmente quando o petismo está ainda muito marcado pela voragem lavajatista.

Ainda que não seja um petista a enfrentar o tucano no segundo turno, há algo do "velho normal" no enfrentamento na cidade. O abismo de extrema-direita em que o país caiu em 2018 não é um perigo que ronda a capital neste ano. Haverá o enfrentamento entre a esquerda/centro-direita e a direita democráticas. E isso, convenham, é bastante tradicional, não? Diria mais: saudavelmente tradicional.

Os adversários de Boulos são aqueles que deveriam ter estado juntos em 2018, com uma candidatura única contra Bolsonaro no terreno da não-esquerda, e o candidato do PSOL operou o prodígio de ser o nome que conseguiu congregar Lula, Ciro Gomes e Marina Silva. É claro que não se deve tomar esse arranjo municipal como antecipação da disputa presidencial, mas, igualmente, ele não pode ser ignorado.

O PDT de Ciro Gomes, que declara uma problemática neutralidade no Rio (nem mesmo o voto contra Crivella se ouviu com clareza), precisa pensar seus acertos e erros se quer mais do que simplesmente ajustar contas com o PT. E o PT, por óbvio, tem de voltar à prancheta para saber se um eventual candidato seu, caso estivesse no segundo turno em São Paulo, seria tão competitivo como Boulos — e olhem que, contra este, pesa ainda, em certos setores, a pecha de "radical". Ou por outra: ser um protagonista real em 2022 supõe necessariamente ser o titular da candidatura de esquerda e centro-esquerda?

Foi preciso, em suma, que um nome contestasse o statu quo das legendas ditas "progressistas" para que os líderes, então, se unissem na defesa de um nome. Não foi o que se viu, como é evidente, em 2018. E o desempenho de Boulos, ganhe ou perca, reitero, não antecipa um acordo. Mas uma coisa é certa: ele mostra que isso é possível.