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Reinaldo Azevedo

A simulação de um racha à esquerda; PSB-Recife lembra campanha de Crivella

Maríia Arraes e João Campos: a disputa não racha apenas a família, mas também terreno à esquerda. Campanha do PSB lembra linguagem de Crivella, no Rio - Sergio o Bernardo/Acervo JC/Imagem; Divulgação/Assembleia Legislativa de Pernambuco
Maríia Arraes e João Campos: a disputa não racha apenas a família, mas também terreno à esquerda. Campanha do PSB lembra linguagem de Crivella, no Rio Imagem: Sergio o Bernardo/Acervo JC/Imagem; Divulgação/Assembleia Legislativa de Pernambuco

Colunista do UOL

29/11/2020 09h09

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O PSB é um partido do chamado terreno da centro-esquerda. Ou era. Vamos ver que legenda sai das urnas. Não é segredo para ninguém que o centro de gravidade do partido é Pernambuco. Eduardo Campos lhe deu dimensão nacional. E um segundo polo, distinto, mas não hostil àquele, chegou a existir em São Paulo com Márcio França, vice de Alckmin, depois governador e adversário de João Doria no segundo turno em 2018, quando se plasmou uma sólida hostilidade.

França não chegou à etapa final na disputa deste ano pela Prefeitura de São Paulo. Para atingir Doria, andou flertando com as bases bolsonaristas, ele próprio admitindo em campanha que se comentava isso por aí. Naufragou na sua pretensão e declarou neutralidade na disputa na maior capital brasileira. França — que nunca foi de esquerda, convenha-se — não apoia Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo. E está politicamente impedido de pedir votos para Bruno Covas (PSDB), candidato, afinal, de Doria. Também a legenda preferiu a neutralidade. O declínio é evidente no Estado.

Mas é em Recife que as credenciais centro-esquerdistas do partido estão se esfarelando com uma fúria que não deixa de ser surpreendente. Ali, dois primos em segundo grau — Marília Arraes (PT), neta de Miguel Arraes; e João Campos (PSB), bisneto, filho de Eduardo Campos — travam a mais renhida batalha deste 2020. E só perde em baixaria para a disputa no Rio, com a diferença de que Eduardo Paes tem evitado o lamaçal. Na capital de Pernambuco, ninguém disputa o troféu "fair play". A pancadaria come solta de ambos os lados, com acusações pesadas.

Tanto pior quando as pesquisas apontam que Marília e João chegam empatados ao dia da eleição. Ela obteve vantagem considerável nas primeiras pesquisas, mas uma gravação em que o deputado Túlio Gadelha (PDT-PE), que a apoia, sugere que ela lhe teria recomendado fazer caixa de campanha usando parte do salário dos funcionários de gabinete mexeu com os números. Gadelha aponta manipulação. Os adversários do PSB, por seu turno, acusam Prefeitura e governo do Estado, que estão com o partido, de fraude na área da Saúde — entre outras.

Não vou entrar nas minudências acusatórias. Esse post trata de outro assunto. A coligação de Campos é grande: PDT (tem a vice da chapa), PCdoB, MDB, PSD, Rede, PV, PROS, Avante, Republicanos, PP e Solidariedade. Há aí esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita e até extrema-direita. Realidades locais nem sempre espelham o ideário do partido. O PT fez uma coligação com o PSOL.

Reitero que não vou entrar nas minudências dos ataques. É claro que o PSB está por trás da divulgação da tal gravação. O que está lá não é bonito se verdadeiro. Tampouco o troço no ventilador contribui para embelezar o jogo. Igualmente não honra uma disputa civilizada a musiquinha divulgada por apoiadores de Marília em que o candidato do PSB é chamado de "João, o Mijão". Tudo feio. Tudo ruim.

Mas, como diria o poeta, "est modus in rebus": há uma medida nas coisas. Panfletos apócrifos, recolhidos pela Justiça Eleitoral, mas já amplamente divulgados, associam Marília à perseguição aos cristãos, o que é falso. A campanha liderança pelo PSB passou a demonizar o petismo de modo a deixar corados de inveja os bolsonaristas — diga-se o mesmo, a propósito, sobre a demonização religiosa. Aliados de longa data no Estado e na cidade resolveram partir para o vale-tudo.

Ainda que o bolsonarismo tenha quebrado a cara na eleição — e Jair Bolsonaro será humilhado também no segundo turno —, esquerda e centro-esquerda perderam votos em 2020 quando se compara com 2016. O PSB está entre os que mais sofreram prejuízo no primeiro turno: seus votos minguaram de 8.336.371 há quatro anos para 5.238.499 desta feita. Suas 407 Prefeituras caíram para 250.

Não foi a única legenda a enfrentar revés, claro! Faço esse destaque para evidenciar que também o partido não vive o melhor dos mundos. O ponto aqui é outro: notem que, em São Paulo, o PSB "francista" não quis saber de integrar uma frente de esquerda e centro-esquerda em favor de Guilherme Boulos. Em Recife, a campanha mergulhou num discurso reacionário que em nada se distingue do que faz Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio.

A pergunta: depois dessa jornada, o PSB ainda pode ser chamado de partido de "centro-esquerda", ainda que João Campos tivesse razão nas críticas políticas que faz à prima? A questão aqui é saber quais armas são convocadas para a batalha.

A menos que muito arranjo se faça até 2022, fica difícil imaginar que PSB e PT possam estar juntos. Em princípio, poderia ser uma boa notícia para Ciro Gomes — o PDT tem a vice na chapa de João Campos. A questão é saber se os "botões quentes" de opinião que estão sendo acionados pelo candidato na disputa pela Prefeitura buscam o voto da esquerda. A resposta, obviamente, é "não".

A linguagem e o mercado de ideias a que apela são, inequivocamente, de extrema direita. Se São Paulo evidencia que a esquerda e a centro-esquerda ainda têm o que dizer aos eleitores, goste-se ou não da mensagem, o que se passa em Recife aponta as dificuldades para que as legendas caminhem juntas. O PSB de Pernambuco entrou na disputa como uma legenda de centro-esquerda e encerra a campanha com os cacoetes e ataques típicos da extrema-direita, ainda que todos por ali possam estar certos sobre as coisas horríveis que dizem sobre o outro lado.