CRIVELLA E VERDADES INCONVENIENTES 2: Preventiva, domiciliar e açodamento
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A defesa de Marcelo Crivella recorreu ao STJ contra a prisão preventiva. O ministro Humberto Martins, presidente do tribunal, no exercício do plantão judicial, converteu a decisão em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira e restrição de contato com investigados. Considerou as acusações graves, mas não viu motivos para que não fosse substituída por cautelares diversas da prisão. Então vamos ver.
As acusações que pesam contra o prefeito são pesadas.
Afirma o Ministério Público do Estado:
"O vértice da organização criminosa é ocupado por Marcelo Crivella, que, na qualidade de Prefeito do Rio de Janeiro, concentra em suas mãos as atribuições legais indispensáveis para a consecução do plano criminoso, meticulosamente elaborado pela organização criminosa. Em outras palavras, seu status funcional de alcaide lhe confere, e a mais ninguém, a capacidade de executar e determinar a execução dos atos de ofício necessários à materialização das escusas negociatas".
O objetivo do grupo, diz o MP é
"Aliciar empresários para participação nos mais variados esquemas de corrupção, sempre com olhos voltados para a arrecadação de vantagens indevidas mediante promessas de contrapartidas".
Sendo mesmo assim, o lugar do prefeito e dos que atuaram com ele é a cadeia. Mas depois de condenado.
Na abordagem de verdades incômodas (leia mais aqui), faço, nesse caso, a pergunta que tem se tornado corriqueira no país: a prisão preventiva era necessária e atende aos requisitos previstos no Artigo 312 do Código de Processo Penal, a saber: garantia da ordem pública ou econômica, garantia da instrução criminal ou risco de não aplicação da lei penal (fuga)?
Crivella tem mais nove dias de mandato. Para sustentar o pedido de prisão antes do oferecimento da denúncia, suponho que o MP tenha recolhido já uma pletora de indícios ou provas — e contundentes o bastante para convencer a desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, que decretou as prisões e as manteve depois da audiência de custódia.
Pergunta: nos nove dias restantes, essas provas correriam algum risco? O prefeito cometeu algum outro crime que não aqueles que devem compor a denúncia, quando houver? Por determinação constitucional, o foro dos prefeitos é o Tribunal de Justiça (Artigo 29). A partir do dia 2 de janeiro, no entanto, o caso de Crivella terá de migrar a para a primeira instância, já que jurisprudência do Supremo devolve para essa esfera os processos
Lembro tese definida pelo tribunal no julgamento da Ação Penal 937:
"(I) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e
(II) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo."
O caso de Crivella, que nem denúncia tem, está muito longe da fase das alegações finais. Parece-me que a prisão preventiva, nessas circunstâncias, atende mais a um certo clamor do que a rigor da Justiça. Convém lembrar sempre que os motivos de uma preventiva não devem se confundir com os motivos de uma condenação.
Crivella, como exponho nestes dois artigos, encarna tudo o que mais abomino em política. Mas me oponho ao pega-pra-capar judicial que ele e seus aliados apoiaram um dia. Que seja vítima daquilo que seus próprios partidários incentivaram não muda a natureza das coisas.
A prisão se dá durante o recesso judicial, que começou no dia 20 — e o presidente do TJ responde pelo tribunal, a menos que Rosa Helena tenha comunicado que continuaria a despachar, o que é permitido. De toda sorte, junto com a prisão, veio o afastamento do mandato — ainda que uma coisa pareça implicar a outra, são distintas.
Parece-me que só um colegiado do TJ poderia tomar essa medida, ainda que o mandato de Crivella esteja na reta final. O país não pode correr o risco de banalizar o afastamento de pessoas eleitas de seus respectivos cargos por meio de decisões monocráticas, mormente quando tomadas em situações excepcionais.
Martins amansou a decisão da desembargadora, mas não a contestou. Esse mesmo tribunal viu um de seus ministros afastar monocraticamente um governador de Estado.
Pode até haver aqui em mim um quê de implacabilidade, que se regozijaria com a ida de Crivella para Bangu 8, o que não aconteceu ainda. Um gosto pessoal não se confunde com a questão institucional. Hoje é Chico. Amanhã é Francisco.
Ser Crivella o político odioso que é não pode abrir as porteiras para uma decisão arbitrária. Ou melhor: essas porteiras, em muitos outros casos, estão abertas faz tempo. A prisão de um político cuja trajetória repudio não me leva a um juízo oportunista a respeito. Mesmo contra oportunistas.