Topo

Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Novo auxílio emergencial, o troca-troca de Guedes e ainda a grande mentira

Rodrigo Pacheco e Paulo Guedes: conversa foi amistosa, e se pode ter a impressão de que está tudo acertado. Agora só falta saber como... - Marcos Brandão/Senado Federal
Rodrigo Pacheco e Paulo Guedes: conversa foi amistosa, e se pode ter a impressão de que está tudo acertado. Agora só falta saber como... Imagem: Marcos Brandão/Senado Federal

Colunista do UOL

05/02/2021 06h36

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Rodrigo Pacheco foi nesta quinta (5) a Paulo Guedes para falar em nome do Congresso Nacional. Deixou claro que não há chance de a conversa avançar sem a extensão do auxílio emergencial. O ministro da Economia disse que tudo bem. Vê espaço para beneficiar 32 milhões de pessoas, não mais 64 milhões. Não está claro — porque, de fato, está falando de um improviso — qual seria o valor nem por quanto tempo seria pago.

Improviso? Vamos ver. No dia 7 de outubro, Guedes foi indagado a respeito. Com aquele seu estilo, digamos, napoleônico no porte e na postura, afirmou:
"Tem um plano de auxílio emergencial que vai até o fim de dezembro. Tem um estado de calamidade pública que vai até o fim de dezembro. E, no fim de dezembro, acabou tudo isso, ponto. Não tem prorrogação, hoje a informação que existe é o seguinte: não tem prorrogação. O ministro da economia está descredenciando qualquer informação a respeito de prorrogar isso ou aquilo".

Falou o grande planejador, o que tem o controle do futuro.

Sei, caras e caros: outubro do ano passado já é pretérito mais que perfeito em política. Então fiquemos com a declaração de Jair Bolsonaro, o tal que ocupa a Presidência da República. Indagado por um de seus seguidores se iria prorrogar o auxílio, respondeu também com seu estilo característico, cheio de empatia com os que sofrem:
"Não, eu não vou... Converso isso com o Paulo Guedes; contigo, não. A palavra é 'emergencial'. O que é 'emergencial'? Não é duradouro, não é vitalício, não é aposentadoria. Lamento muita gente passando necessidade, mas a nossa capacidade de endividamento tá no limite".

A Pacheco, nesta quarta, Guedes acenou com o auxílio a 32 milhões. Mas sob certas condições. E agora se vai testar o tamanho da base do governo:
"Você aperta o botão da calamidade pública e podemos atender algumas coisas, travando outras. [É importante] manter a estabilidade fiscal porque, se não, vamos prejudicar mais ainda a população com inflação voltando, juros altos, crises".

O tal "botão" da calamidade é um mecanismo que Guedes pretende acrescentar à tal PEC Emergencial — que o governo dizia que queria ver aprovada até dezembro de... 2019 (!!!) — que vai lhe permitir, na prática, furar o teto de gastos.

Mas não só. O ministro também condicionou a extensão do auxílio à aprovação das reformas e a corte de gastos. Tudo isso, disse, "se a pandemia piorar". Aí as coisas já ficaram um tanto confusas. O que é "pandemia piorar"? Nesta quinta, foram reportadas 1.232 mortes e 56.873 novas contaminações. Já é o pior, ou ainda faltam mortos e doentes?

Mais: o auxílio pode esperar pelas PECs das reformas? A tributária, por exemplo, se sair, está prevista para um prazo entre seis e oito meses. A PEC Emergencial, se bem se lembram, é aquela que estende regras de equilíbrio fiscal até a estados e municípios e que permite, se ameaçada a Regra de Ouro — que proíbe o governo de emprestar dinheiro para pagar despesas correntes (acaba desrespeitada porque o Congresso pode autorizar a transgressão) —, reduzir jornada e salário de servidores, por exemplo.

É dentro dessa PEC que Guedes quer o tal "botão calamidade" fura-teto — sim, claro!, desde que as reformas estejam em andamento...

Relembro uma vez mais a grande mentira. Rodrigo Maia (DEM-RJ), tratado como sabotador por Jair Bolsonaro, jamais criou qualquer dificuldade a essa PEC Emergencial e às outras duas: a dos Fundos (que pretende usar recursos que estão parados em fundos infraconstitucionais para abatimento da dívida pública; consta ser algo em torno de R$ 220 bilhões) e a do Pacto Federativo. Nem poderia. Elas tramitam no Senado. E o mesmo se diga daquelas da área econômica que estão na Câmara e são consideradas prioritárias pelo governo: reformas tributária e administrativa e autonomia do Banco Central.

Entre as urgências da pandemia e a desarticulação do governo, nada disso andou. Mas a incompetência e a negligência não estavam no Congresso. Estamos falando de emendas à Constituição. Precisam da aprovação de três quintos em cada Casa — 308 deputados e 49 senadores — em duas votações. Os votos que elegeram Arthur Lira (302) e Pacheco (57) não constituem a base do governo. Será preciso negociar. A euforia vai se confrontar agora com a realidade.

"Ah, Reinaldo, mas, agora, o governo federal vai lotear a administração com partidos da base aliada e vai remunerar regiamente o Centrão. Agora a coisa anda..."

Maia liderou a reforma da Previdência e conseguiu aprová-la num tempo em que Bolsonaro travava o Congresso a tapas e pontapés. O tema acabou se impondo, e a liderança do deputado garantiu o resto. Agora que o aliado Lira comanda a Câmara, será preciso falar a linguagem do Centrão.

De toda sorte, há um descompasso. Pacheco estava falando de um auxílio que tem de ser dado já. As reformas têm um outro tempo.