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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Procurador quer impedir STJ de apurar agressões à Corte. Tente uma delação!

Diogo Castos de Mattos: num ato de suprema ousadia, procurador tenta impedir STJ de apurar agressões à Corte e ainda retirar competência de Lewandowski para cuidar do caso. Sua petição ao STF é uma soma de aberrações - Reprodução/RPC
Diogo Castos de Mattos: num ato de suprema ousadia, procurador tenta impedir STJ de apurar agressões à Corte e ainda retirar competência de Lewandowski para cuidar do caso. Sua petição ao STF é uma soma de aberrações Imagem: Reprodução/RPC

Colunista do UOL

21/02/2021 22h06

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Caso se conte apenas, sem exibir a coisa, seria de não acreditar. O procurador Diogo Castor, ex-integrante da Lava Jato, ingressou com um Habeas Corpus no Supremo para trancar o inquérito aberto pelo Superior Tribunal de Justiça para apurar se integrantes da Corte foram ilegalmente investigados.

A alegação principal de Castor é a de que o foro para investigar procuradores de primeira instância são os Tribunais Regionais Federais. Já vou dizer o que isso significa.

Castor resolveu apresentar a petição à ministra Rosa Weber, o que é impróprio. Como esse pedido se relaciona ao conteúdo da Operação Spoofing, o relator é o ministro Ricardo Lewandowski, o que já está pacificado no tribunal porque a ele foi distribuído inicialmente o caso. Por engano, uma petição relacionada à operação acabou ficando com Rosa, mas ela negou provimento.

Vamos nos lembrar: há muitos indícios — revelados pelas reportagens da Vaza Jato e também por conteúdos legalmente divulgados pela Operação Spoofing — de que ministros do STJ foram investigados ao arrepio da lei, tendo os respectivos sigilos quebrados, o que só poderia acontecer com autorização do Supremo.

O caso mais evidente, porque teve desdobramentos, foi um vazamento que atingiu o ministro Marcelo Navarro, de que trato mais adiante.

O pedido de Castor, obviamente, é uma aberração.

Para começo de conversa, nem legitimidade ele tem para apresentar a petição. O STJ, de acordo com o que lhe garante o Artigo 58 do Regimento Interno, age em defesa da Corte ao determinar a investigação, uma vez que sobram indícios de que houve ações ilegais.

Quem disse, a não ser ele próprio, que Castor é um investigado? A sua petição — além da óbvia tentativa de tirar Lewandowski do caso — parte de qual premissa?

O ministro Humberto Martins determinou que se apure se a Corte foi vítima de operações ilegais, o que pode ou não chegar aos procuradores. Sim, é verdade, o que veio à luz até agora sugere que eles podem ter cometido crimes, mas não são, em princípio, os investigados.

Se e quando a apuração chegar aos ex-integrantes da Lava Jato, que, então, procurem o que consideram ser seu direito. Por enquanto, Castor comete a suprema ousadia de tentar impedir um tribunal superior de agir em defesa da própria corte.

No HC apresentado, seus advogados repetem argumentação já empregada quando um grupo de procuradores, em outra ação estupefaciente, tentou suspender o acesso da defesa de Lula ao conteúdo da Spoofing:
"O paciente, procurador da República e vítima dos crimes cometidos [...] que efetivamente teve sua conta no Telegram invadida indevidamente e criminosamente, vem sendo vítima da divulgação de supostas mensagens de modo distorcido ou fraudado (cujo conteúdo ou veracidade aliás não se pode comprovar, eis que sua integridade e autenticidade não foram comprovadas).
O paciente, também, já se manifestou diversas vezes que foi vítima de hackeamento, mas não reconhece as supostas mensagens que foram maldosamente divulgadas de modo distorcido ou editado, de modo a apresentar suposições de ilegalidades que nunca ocorreram e, por isso mesmo, jamais foram conformadas na análise das centenas de procedimentos do caso 'lava jato'
"

Que Castor procure o meio adequado para tratar desse assunto — e não há evidência nenhuma de manipulação dos diálogos. Pergunta óbvia com resposta inexistente: o que isso tem a ver com o direito e a competência de que dispõe o STJ de zelar pela integridade da corte?

No fim das contas, isso remete à velha questão sobre as provas ilícitas. Ninguém defendeu em lugar nenhum que o material revelado pela Vaza Jato ou da Operação Spoofing possa ser usado para tentar incriminar quem quer que seja. Quem defendia uso de provas ilícitas para atingir alvos era a Lava Jato, na 7ª das tais "Dez Medidas Contra a Corrupção".

Martins determinou uma investigação autônoma. Estranhos esses procuradores: defendiam uso de prova ilícita para condenar, não para absolver. Agora, alegam a ilicitude como impedimento até mesmo para a investigação autônoma, o que não existe.

SEGUNDA VEZ
Não sou partidário da tese "quem não deve não teme". Em tempos de Lava Jato, também quem não deve há de temer. Ministro Marcelo Navarro, do STJ, por exemplo, foi derrubado da relatoria do chamado "petrolão" SEM DEVER NADA. Mas impressiona, convenham, o desespero da turma.

Também sem ser parte, procuradores atuaram numa Reclamação para suspender acesso de Lula à Spoofing e para tentar tirar Lewandowski do caso. Nem oficiar ao STF podiam, que pertencem à primeira instância. Seria competência da PGR. Desta feita, Castor foi pela via do HC. Mas quem disse que ele é investigado? Pergunto: ele acha que deveria sê-lo ou que o inquérito necessariamente chegará a ele?

Ora, quando e se chegar, que recorra. Haveria o caminho do habeas corpus preventivo, né, doutor? Mas, nesse caso, seria uma confissão escancarada e também um convite para o STJ e para STF varrerem eventuais sujeiras e crimes para baixo do tapete.

O CASO NAVARRO
Convém lembrar aqui o caso do ministro Marcelo Navarro, do STJ, que era relator do petrolão no tribunal.

Foi vazado à imprensa trecho de depoimento à PGR de Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró (ex-diretor da Petrobras), que teria ouvido de Delcídio do Amaral que haveria um movimento para que Navarro concedesse habeas corpus a seu pai.

Com base apenas nisso, patrulhado pela Lava Jato e por parte considerável da imprensa, Teori Zavascki cometeu um erro histórico e autorizou abertura de inquérito contra Navarro em agosto de 2016. Ele teve de deixar a relatoria da Lava Jato, como queriam os procuradores, sendo substituído por Felix Fischer, que a força-tarefa considerava um aliado.

Nada havia contra Navarro, e os procuradores sabiam. Depois a PF atestou: nada! O próprio Rodrigo Janot pediu o arquivamento do caso, mas o ministro já havia caído.

TIRO NA CABEÇA E ALVO
No dia seguinte à condução coercitiva de Lula, Carolina Rezende, um dos braços de Janot na PGR e membro da Lava Jato, incitou seus pares no Telegram:
"Precisamos definir melhor o escopo para nós dos acordos que estão em negociação. Depois de ontem, precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1), pra nós da PGR, acho q o segundo alvo mais relevante seria o Renan"
E ainda:
"Se tentarmos atingir ministros do STF, por exemplo, eles se juntarão contra a Lava Jato, não tenho dúvidas. Tá de bom tamanho, na minha visão, atingirmos nesse momento o ministro mais novo do STJ".

O ministro mais novo do STJ era justamente Navarro. Que foi atingido.

Em outro diálogo vazado, Deltan afirma a colegas:
"A RF [Receita Federal] pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial [dos ministros do STJ], que tal?"

E depois ele informa:
"Combinamos com a Receita."

Ah, não! Castor fique tranquilo. Acho que o STJ não vai investigá-lo ou a Dallagnol. Mas tem como apurar se ministros do tribunal tiveram seu sigilo fiscal — e outros — ilegalmente quebrados. Se aconteceu, alguém quebrou. E quem quebrou cometeu um crime grave.

Ainda que o pedido de HC possa parecer uma confissão, o STJ não tem de ser fiar nisso, né? É preciso investigar.

VIRADA DE MESA
Ocorre-me aqui uma virada de mesa dos muito incomodados com o inquérito aberto pelo tribunal: sempre é tempo de buscar uma delação premiada... O que lhes parece?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL