Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Bolsonaro vê conspiração do diesel para depô-lo. Ou: O que falta é governo
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Como o presidente Jair Bolsonaro não governa, então resta tempo, naquela sua cabeça confusa, para alimentar teorias conspiratórias. Sou tentado a achar que ele não acredita nelas e que se trata apenas de um ilude-trouxas. Mas nunca se sabe...
Vamos ver quanto tempo vai demorar para que chegue à conclusão de que Paulo Guedes lidera uma conspiração para derrubá-lo. Neste sábado, falando a seus apoiadores, saiu-se com a seguinte tese alucinada:
"Assim como diziam que queriam me derrubar na pandemia fechando tudo, agora resolveram atacar na energia. Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também".
Reparem que há um sujeito indeterminado que "queriam" derrubá-lo. Quando e onde alguém chegou a esboçar a tese de que seria preciso parar tudo para tirá-lo da Presidência? Ao contrário: o distanciamento social impede as manifestações de rua.
A julgar por sua fala, Roberto Castello Branco, demitido da presidência da Petrobras, é parte dessa conspiração. Ele lideraria, então, aqueles que "resolveram atacar na energia". É inútil indagar onde estão essas pessoas e quem são. Entende-se que aqueles que "queriam parar tudo" e esses que "atacam na energia" estariam juntos. Faz tanto sentido como a história do sujeito que teria rasgado o cartão de vacinação de sua mãe para substituir o nome "AstraZeneca" por "Coronavac"...
MENDONÇA DE BARROS
Em entrevista ao Estadão, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que já foi ministro das Comunicações e presidiu o BNDES, afirmou que o governo deveria criar um seguro para os caminhoneiros, "como o seguro para o produtor rural, que absorve os impactos climáticos". Ele lembra: "O Banco do Brasil administra isso, que é bancado com recursos fiscais."
Ou por outra: Mendonça de Barros propõe uma solução que preserve os interesses da Petrobras, mas que também atenda às reivindicações dos caminhoneiros. Ele pondera:
"O presidente Bolsonaro, pela falta de conhecimento que tem de economia, acabou entrando numa fria com essa história da Petrobrás. O preço do petróleo é um dos mais voláteis. Isso não é de agora. No Brasil, o preço tem outro componente que também é muito especulativo, o dólar."
Observem: o que diz o ex-ministro seria próprio de um governo que se ocupasse de... governar. Em vez disso? Assistimos ao imobilismo, seguido pela truculência.
Vamos lá: o diesel já subiu 27% neste ano. E a expressão "este ano" quer dizer pouco mais de um mês e meio. Os caminhoneiros já vinham pressionando, e se falava em parar. Bolsonaro se ligou umbilicalmente à categoria na greve de 2018. Na prática, ele foi o seu grande incentivador.
Então notem: a pressão estava em curso, os reajustes iam sendo feitos — na refinaria, quatro da gasolina e três do diesel só em 2021 —, e Guedes ia assistindo a tudo, impassível, com Roberto Castello Branco fazendo a gestão do caixa da empresa. Presidia a Petrobras para isso. Só que os aumentos têm consequências, inclusive políticas.
DA INAÇÃO À TRUCULÊNCIA
Tivesse alguma experiência administrativa -- e não tinha nenhuma -- e algum conhecimento de causa, Bolsonaro teria forçado antes o seu ministro da Economia a encontrar uma resposta na linha do que propõe Mendonça de Barros. Ou algum outro modelo qualquer que conseguisse conciliar os interesses da empresa com as demandas que são, vá lá, sociais, políticas e econômicas.
Nada!
Aí a Petrobras anuncia um novo aumento na refinaria — e, nos moldes dados, não demoraria para que outros viessem, já que existe a volatilidade do preço do petróleo e do câmbio —, e Bolsonaro tem o faniquito e faz a pior escolha possível: intervém na Petrobras, embora negue que o esteja fazendo. Vira uma conversa de malucos.
VALOR DA EMPRESA DESPENCA
Com o seu rompante, o "Mito" conseguiu provocar uma perda de quase R$ 60 bilhões no valor de mercado da Petrobras: R$ 28 bilhões no mercado doméstico e R$ 30 bilhões no exterior. Especialistas avaliam que o tombo deve ser da ordem de R$ 100 bilhões. E as coisas são assim por quê? Porque não há governo.
De fato, Castello Branco fazia uma gestão da Petrobras segundo as regras do jogo: há oscilação do petróleo e do câmbio, e o jeito de preservar o caixa da empresa é repassar para os preços esse custo. Ocorre, reitero, que isso traz consequências — inclusive as políticas.
A gestão da Petrobras, pensada como empresa, estava correta. O que não temos é governo. O que não há é um presidente que consiga ao menos falar coisa com coisa ao provocar o terremoto que provocou. Disse:
"A Petrobrás é uma empresa mista. Se cair ou subir as ações, o mercado decide. Eu não interferi na Petrobrás".
É conversa de doidos. É claro que é o mercado "que decide" se cai ou sobe". Mas tal decisão é tomada também com base nas estripulias do chefe do Executivo. E ele é responsável por um dos maiores tombos da Petrobras em um só dia.
Bolsonaro está convencido de que agora querem usar os combustíveis para derrubá-lo. Isso pode significar que, em vez de se ter um instrumento, então, para amortizar os efeitos da variação de preços, preservando os interesses de uma empresa de economia mista, pode vir por aí uma gestão política da Petrobras porque o homem precisa atender a seu eleitorado.
Insisto: o problema existe, sim! É provável que um outro presidente também ficasse incomodado. Se competente, procuraria resolver o problema. Bolsonaro prefere dar um tombo de R$ 100 bilhões no valor de mercado da Petrobras para combater os fantasmas que habitam a sua mente e que quereriam derrubá-lo.
É um desastre.