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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Trabalho de Mendonça - o da nota filoterrorista - não vale um pequi cozido

Um dos outdoors que motivaram a investigação vergonhosa e seu criador. O ministro Mendonça, o autoritário servil (à esq.), e o Supremo sob ataque - Reprodução/Divulgação/AGU; Reprodução
Um dos outdoors que motivaram a investigação vergonhosa e seu criador. O ministro Mendonça, o autoritário servil (à esq.), e o Supremo sob ataque Imagem: Reprodução/Divulgação/AGU; Reprodução

18/03/2021 04h40

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O despudor do ministro André Mendonça, da Justiça, tinha apenas um concorrente à altura na Esplanada dos Ministérios: o do agora ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. E olhem que a competição segue acirrada. Numa plêiade de varões de Plutarco em que brilham Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, é preciso ser muito ruim para conseguir um papel de destaque.

O doutor se comporta como um bedel de consciências a serviço do chefe. E espera, como paga, uma vaga no Supremo. É forte concorrente. Afinal, é terrivelmente evangélico — um quesito que pode definir a escolha, segundo afirmou certa feita o próprio presidente — e serve aos desígnios do chefe sem sentir nenhuma vergonha, não importa quão abjetos sejam os instrumentos a que recorre para intimidar críticos e opositores do governo.

Mendonça pediu que a PF abrisse de ofício um inquérito — competência funcional, para tanto, ele tem — para investigar dois outdoors expostos em Palmas, capital do Tocantins, em agosto do ano passado.

Lembro rapidamente: um deles traz a figura de Jair Bolsonaro com um pequi no lugar no nariz e a inscrição: "Cabra à toa, não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment já". E o outro: "Aí meeente! Vaza Bolsonaro, o Tocantins quer paz". Um produtor rural chamado Celso Montoja já havia levado o caso à PF, pedindo que se abrisse uma investigação com base na Lei de Segurança Nacional, o que é uma bobagem. A polícia, com correção, não viu agressão à Lei 7.170. Informou ao Ministério Púbico e pediu o arquivamento do caso. E é aí que entra Mendonça.

O ministro passou a seguinte determinação ao diretor-geral a Polícia Federal:
"Requisito ao diretor-geral da Polícia Federal que adote as providências para a abertura de inquérito policial com vistas à imediata apuração de crime contra a honra do presidente da República, com base no parágrafo único do art. 145 do Código Penal, sem prejuízo de outros eventualmente caracterizados".

E, assim, Tiago Costa Rodrigues, que é sociólogo, professor e dirigente do PC do B do Estado, passou à condição de investigado, em companhia de Roberval Ferreira de Jesus, dono da empresa contratada para fazer os outdoors.

SUJEIÇÃO ABJETA
É um despropósito. Bolsonaro deve ser o presidente mais boca-suja da história da República. Aquela reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, que veio à luz com tarja preta, indica quão pudoroso é o este chefe de Estado que diz que vai comprar vacina na casa da mãe dos seus críticos; que grita um "acabou, porra!" para o Supremo; que, em suas lives, dispara delicadezas como "puta que o pariu" e "não fode!"

Talvez isso tudo soe aos ouvidos de Mendonça como, deixem-me ver, "poesia em estilo viril". E que se note: não haveria ofensa nenhuma à honra do presidente nos outdoors ainda que ele se comportasse como um monge. O objetivo, ao processar jornalistas e cidadãos comuns, é um só: a intimidação.

Com um pouco mais de pudor, Mendonça se lembraria que, embora exerça cargo de confiança, ocupa uma função no Estado brasileiro. Não pode se comportar como se fosse um cão de guarda do presidente.

NOTA FILOTERRORISTA
Quando se exigiu dele que saísse em defesa da democracia, passou a mão na cabeça de baderneiros e flertou abertamente com aqueles que atacaram o prédio do Supremo, no qual ele pretende estar um dia, com fogos de artifício, simulando um bombardeio da corte suprema do país.

A agressão aconteceu num sábado à noite, a 13 de junho de 2020. No dia seguinte, o doutor emitiu a seguinte nota pusilânime, covarde e filoterrorista:

Brasília, 14/06/2020
Em tempos tão difíceis, é essencial voltarmos aos princípios:
1º. A democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo. Por isso, todas as instituições devem respeitá-lo. Devemos respeitar a vontade das urnas e o voto popular. Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.
2º. A democracia pressupõe o respeito às suas instituições democráticas. Qualquer ação relacionada à Presidência da República, ao Congresso Nacional, ao STF ou qualquer instituição de Estado deve pautar-se por esse respeito.
3º. Portanto, todos devemos fazer uma autocrítica. Não há espaço para vaidades. O momento é de união. O Brasil e seu povo devem estar em 1º lugar"
.

Como se percebe, ele não condenou a ação dos celerados e ainda convidou os atacados a fazer uma autocrítica. Em vez de dizer que, na democracia, a Constituição expressa a soberania do povo, preferiu a sugestão, que resta evidente, de que a agressão traduzia, afinal, parte dessa vontade.

É este senhor que acha muito grave que se diga que Bolsonaro é "um cabra à toa, que não vale um pequi roído".

HABEAS CORPUS
Mendonça também é o cara que entrou com habeas corpus em favor de Abraham Weintraub, que havia defendido a prisão de todos os "vagabundos do Supremo", naquele que talvez seja o mais ridículo de todos os seus atos ridículos.

Vai ver estranha no caso dos outdoors o vocabulário cheio de pudor. Está acostumado a servir a quem vocifera "Puta que o pariu! Não fode, porra!"

Em Dois Córregos, quando a gente acha que alguém faz um trabalho porco, que não vale nada, que não está à altura da necessidade, a gente diz: "Não vale uma cebola cozida".

O trabalho de Mendonça não vale um pequi cozido. E roído.