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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro humilha outra vez o Exército. E aí, comandante? Vai ser o quê?

Em primeiro plano, o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Exército impõe a ordem entre os seus ou incentiva a bagunça? - Reprodução/Exército
Em primeiro plano, o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Exército impõe a ordem entre os seus ou incentiva a bagunça? Imagem: Reprodução/Exército

Colunista do UOL

24/05/2021 22h48

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Os militares estão vendo o preço a pagar por tanta proximidade com o governo Bolsonaro: a desmoralização. Sim, o Exército decidiu abrir um procedimento interno para investigar a conduta do general Eduardo Pazuello, que participou de um ato político no domingo, ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Ato político e, cumpre acrescentar, de caráter golpista: bolsonaristas que compareceram à manifestação pediam abertamente intervenção militar, e o próprio presidente chegou a dizer:

"Nosso Exército são vocês. Mais importantes do que os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo".

O procedimento está aberto, mas Bolsonaro obrigou o Exército a engolir sapo e a suspender uma nota a respeito, conforme havia prometido. A mesma proibição foi imposta ao ministro da Defesa, Braga Netto, que certamente não teve dificuldade nenhuma de cumpri-la. Afinal, no sábado que antecedeu a manifestação do Rio, ele próprio compareceu a outro ato golpista, este em Brasília. Mas, vá lá, ao menos é da reserva. Cumpre que se faça, no entanto, uma ressalva importante.

Os Incisos XVIII e XIX do Artigo 28 do Estatuto dos Militares dispõe o seguinte mesmo para aqueles que estão na reserva:
XVIII - abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas:
a) em atividades político-partidárias;

d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e

e) no exercício de cargo ou função de natureza civil, mesmo que seja da Administração Pública; e

XIX - zelar pelo bom nome das Forças Armadas e de cada um de seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética militar.

Quando um general, especialmente no Ministério da Defesa, participa de um ato que faz apologia do golpe, está respeitando o Estatuto dos Militares?

A resposta, obviamente, é não.

GANHOS E DESASTRE
É claro que os militares da reserva que ocupam cargos públicos obtêm ganhos pessoais -- a começar do desrespeito ao teto salarial, não é mesmo? Também os da ativa foram beneficiados, dada a forma como se encaminhou a reforma previdenciária. Mantiveram privilégios e, mostram as contas públicas, os gastos com pessoal tiveram aumento significativo.

Então se pode dizer, sim, que as Forças Armadas, como instituições de Estado, podem não ter sido particularmente beneficiadas — os governos petistas foram os mais generosos no investimento em Defesa —, mas os militares, no que diz respeito aos ganhos pessoais, foram preservados numa fase de cortes severos de gastos com funcionalismo.

Isso tudo poderia ter sido obtido sem a participação nefasta na política, que envolve, em princípio, militares da reserva. Ocorre que essa distinção, que existe, não é assim tão severa. O próprio Braga Netto foi, por um tempo, general da ativa e chefe da Casa Civil. O mesmo aconteceu com Luiz Eduardo Ramos, que o substituiu na pasta, oriundo da Secretaria de Governo: ficou ali por um tempo na condição de soldado mesmo.

É importante lembrar que a vitória do candidato do centrão na disputa pela Câmara estava no bico da pena de Ramos. Ele foi figura central no que tem sido chamado de "orçamento secreto". Isso honra a história das Forças Armadas?

"Ah, mas todos acabaram na reserva, Reinaldo..."

É verdade. Mas a ninguém foi dada a licença de ignorar o que vai nos Incisos XVIII e XIX do Artigo 28 do Estatuto. Para uma categoria que diz ter a honra como um dos principais valores, o retrato não é nada bonito.

E AÍ PIOROU
E aí aconteceu o grande desastre: a ida de um general da ativa para o Ministério da Saúde, onde ficou por 10 meses. As evidências de malfeitos, entre omissões e ações desastradas, são escabrosas, o que se traduz nos números: ao assumir a pasta, havia pouco mais de 15 mil mortos por Covid-19 no país. Quando saiu, eram mais de 298 mil. Entre uma ponta e outra de sua atuação, contam-se:
- protocolo para uso da cloroquina;
- ações para compra e produção da droga;
- negligência na negociação para compra de vacinas;
- inexistência de uma campanha nacional de esclarecimento -- o que não há até agora;
- criação de um aplicativo picareta para detecção da doença;
- inexistência de testagem em massa;
- desperdício e inutilização dos poucos testes que chegaram ao país.

E isso tudo, vamos convir, Pazuello fez como general da ativa, sem que o Alto Comando lhe impusesse a passagem para a reserva, o que poderia ter feito.

Sim, os militares olharam para o seu próprio interesse quando se grudaram ao governo Bolsonaro. Mas havia também a ilusão de que oficiais graduados, ainda que na reserva, conseguiriam conter o capitão indisciplinado, punido quando estava na ativa. Chegou a delirar com atos terroristas contra seus próprios pares de farda. Foi definido pelo ex-presidente Ernesto Geisel como "um mau militar".

Não conseguiram. Em vez disso, Bolsonaro fez gato e sapato dos generais de que não gostou — já demitiu nove, alguns com tentativa de desonra. Usa dos fardados para intimidar adversários políticos, o que se vê na constância com que ameaça com um golpe de Estado. Tudo para tentar justificar seu governo desgovernado.

QUE SEJA UMA ADVERTÊNCIA SEVERA
O que Bolsonaro fez no domingo, levando Pazuello ao palanque, e o que se deu nesta segunda, com a proibição da nota, evidencia a que buraco um capitão destrambelhado pode conduzir as Forças Armadas. Os militares não confiaram nos seus bons quadros, não é mesmo? O superior de Bolsonaro, quando este estava no Exército, apontou seu excesso de ambição e a falta de pensamento lógico. Assim, o ambicioso ilógico arrastou e comprometeu a mais importante força armada da América Latina. Estamos diante de um vexame e de uma humilhação raramente vistas.

O injustificado antipetismo de setores consideráveis das Forças Armadas — já que não lhes faltaram recursos nos governos petistas — tem de responder: em algum momento, Lula ou Dilma submeteu os militares a tamanho constrangimento? Que se saiba, o Exército se equipou como nunca; a Marinha conseguiu recursos para o seu projeto de propulsão nuclear; e a Aeronáutica efetivou a compra dos caças Gripen.

Ao fim da pandemia, analistas sensatos vislumbram algo entre 700 mil e perto de um milhão de mortos. É claro que a atuação de Pazuello não poderá ser esquecida. E também não se esquecerá de que era um militar da ativa.

E, como se percebe, Bolsonaro está disposto a investir em ainda mais conflito. A cada dia, nota-se um esforço novo para que os militares sejam seu instrumento de intervenção política.

O bom senso recomenda — e, na verdade, impõe — que se bata em retirada. E isso vale também para os militares da reserva.

Os benefícios dados serão mantidos, senhores — menos para os que estão com excesso de ambição, com o duplo teto. Recuperem a que haviam conseguido obter depois da redemocratização: respeitabilidade.

Ela está sendo enterrada junto com os mais de 450 mil mortos. Até agora.

E aí, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército? Vai ser o quê? Ordem e progresso ou desordem e atraso?