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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A derrota de Bolsonaro em 2022 é certa? Não, mas sua situação é bem difícil

Protesto contra Bolsonaro reúne milhares no Rio: reeleição do atual mandatário, hoje, parece difícil. Mas eleição ainda está longe - Bruna Prado/AP
Protesto contra Bolsonaro reúne milhares no Rio: reeleição do atual mandatário, hoje, parece difícil. Mas eleição ainda está longe Imagem: Bruna Prado/AP

Colunista do UOL

30/05/2021 08h07

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Até agora, os índices de popularidade de Jair Bolsonaro só têm piorado. As manifestações deste sábado, mesmo com o antibolsonarismo dividido sobre o acerto de promover protestos de rua em tempos de pandemia, evidenciam que existe uma grande demanda reprimida para expressar a repulsa ao atual estado de coisas. Mais: pesquisas eleitorais mostram que, se a eleição fosse hoje, o atual presidente seria derrotado pelo ex-presidente Lula.

Isso significa que as favas já estão contadas? Basta manter a mobilização, virtual e real, e Bolsonaro deixa a cadeira? As coisas não são assim tão simples.

Ninguém sabe, claro!, o que vem por aí, especialmente no que respeita à pandemia. Se as coisas continuarem, nessa área, apenas ruins como estão — isto é, sem uma piora drástica —, a economia pode crescer até 5% nas projeções mais otimistas. Depois do tombo, é pouco para causar uma mudança sensível na vida dos mais pobres, mas, para empregar a expressão do colunista Vinícius Torres Freire, da Folha, já "despiora".

Paulo Guedes, em entrevista à Folha, anunciou que pretende passar algumas estatais nos cobres e distribuir os benefícios entre os pobres. Não está claro, como sempre, como poderia fazê-lo. Para começo de conversa, não pode vender ativos e fazer caixa. Ele sabe disso. Mas, lá a seu modo, demonstra a disposição para mágicas orçamentárias.

Existe ainda o "Orçamento do B". Não me refiro àquele paralelo, das emendas secretas, que serve para comprar apoios, mas àquele dito de guerra, onde estão os desembolsos para enfrentar a pandemia. O governo pretende trabalhar só com o "Orçamento do A" ou conservará o do B? Nesse caso, mantidos os gastos e corrigido o Orçamento pela inflação, que disparou neste ano, vai contar com uma sobra considerável para, por exemplo, ampliar e corrigir os valores do Bolsa Família.

Isso mexe com os humores do eleitorado? Pesquisas de opinião ao longo de 2020 já demonstraram que sim. É bem verdade que a melhora na avaliação do governo, que se deu de meados para o fim do ano passado, não contava com a montanha formidável de mortos de agora. Ademais, Bolsonaro estava mais manso, sem fazer pregação golpista, porque Fabrício Queiroz estava preso, e ele temia ainda pelo destino de Flávio, o filhote senador. Agora, destrambelhou de novo. Neste sábado do protesto, publicou nas suas redes sociais uma camiseta em que voltou a se dizer "imorrível, imbrochável e incomível".

Dizer o quê? "Imorrível" ninguém é. "Imbrochável" é declaração que requereria comprovação, que jamais teremos — além de não querermos. Quanto a ser "incomível", a afirmação só faria sentido em face de alguém que quisesse comê-lo. Quem senão os vermes? Mas voltemos.

Popularidade não depende apenas das condições econômicas. Em 2013, quando "o que era doce" de Dilma se acabou, a renda dos brasileiros estava num topo histórico, e o desemprego, baixo. A coisa estava prestes a degringolar. Mas a ruindade não havia ainda chegado ao povo. E, no entanto, aconteceu o que aconteceu. Pré-pandemia, diga-se, previa-se que a renda só voltara ao patamar daquele 2013 no ano de 2024. Agora não se sabe.

Há a previsão de crescimento, mas a inflação de alimentos tende a atormentar os pobres por um bom tempo num país com a renda ainda comprimida. Guedes promete algumas mágicas, com o seu programa de primeiro emprego — que usaria recursos de estatais (?) —, numa fórmula que pagaria R$ 600 ao iniciante no mercado de trabalho, divididos entre empresa e governo.

Talvez haja ainda algo inexplicado aí. Governo que já deu R$ 600 a informais e invisíveis durante a pandemia será bem-sucedido pagando menos da metade do que ganham motoqueiros que entregam comida? É sempre um perigo deixar para Guedes a tarefa de agradar aos pobres. Na cabeça dele, como se sabe, o ideal seria reduzir o tamanho do SUS e entregar um voucher para o desdentado ir ao Einstein...

No meio do caminho, há uma crise hídrica grave, de desdobramentos ainda incertos.

Os que foram às ruas neste sábado não levaram uma pauta alternativa de governo. Nem era o lugar, convenham. A oposição tem de ficar de olho nas mágicas que o governo pretende fazer para tentar recuperar parte considerável do apoio que perdeu entre os mais pobres. Se não acontecer, será muito difícil Bolsonaro emplacar o segundo mandato.

A "despiora" da economia, por si, parece insuficiente. Vamos ver o malabarismo — e é certo que haverá — para tentar simular alguma preocupação com os pobres, essa gente que morre "sem sentir", como diz o pensador que habita o Planalto.