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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

PM de Pernambuco agrediu também a democracia; cena lembra ditadura militar

Momento em que PM dá início ao ataque criminoso contra manifestantes. Em Brasília, houve quem salivasse de satisfação - Reprodução
Momento em que PM dá início ao ataque criminoso contra manifestantes. Em Brasília, houve quem salivasse de satisfação Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

31/05/2021 04h53

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As cenas do batalhão de choque da PM de Pernambuco avançando contra os manifestantes, disparando bombas de efeito moral e balas de borracha, com o tradicional grito de guerra de uma tropa que avança contra inimigos são revoltantes, asquerosas, absurdas. Pergunta: a Polícia Militar deu um golpe "de" Estado "no" estado, depôs o governador Paulo Câmara (PSB), e não ficamos sabendo?

Aquilo a que se assistiu ali foi um crime autodemonstrado. Não há uma só circunstância nem mesmo atenuante. Alguém disse: "Pau neles!", ou expressão que o valha, e os policiais atacaram de maneira vil e covarde pessoas que não estavam nem mesmo, como pode acontecer nesses casos, afrontando alguma determinação de ocasião. As imagens são bastante eloquentes: a determinação de descer o porrete se prova pela coreografia dos lados. Só um avançou, só um atacou, só um disparou para ferir e para intimidar.

O resultado da ação criminosa: Daniel Campelo, 51 anos, está cego do olho esquerdo. Jonas Correia de França, de 29 anos, está cego do olho direito. O governador mandou afastar o comandante da operação e outros policiais envolvidos na agressão com gás de pimenta à vereadora Liana Cirne (PT). Aliás, essa ação merece nova consideração. Já tratei do assunto aqui.

Também nesse caso, a agressão foi imotivada. Liana se aproximava de uma viatura para conversar com os policiais, sem qualquer postura ameaçadora. E foi atacada. Mais uma evidência de que aqueles que estavam nas ruas tinham um propósito. Quem deu as ordens?

Entrei no site da PM do estado. Não há uma miserável nota a respeito. E ainda somos apresentados ao seguinte texto, com as vírgulas (ou não) que lá estão:
"A Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) surgiu através do Decreto Imperial, datado de 11 de junho de 1825, firmado pelo Imperador D. Pedro I, que criou, na então Província de Pernambuco, um corpo de Polícia, este convindo para a tranquilidade e segurança pública da cidade do Recife. (Decreto exposto no Salão de Honra do Quartel do Comando Geral). O referido Corpo de Polícia surgiu em decorrência da Confederação do Equador, movimento republicano revolucionário ocorrido em Pernambuco em 1824, e sufocado pelo Brigadeiro Lima e Silva, que atingiu as Províncias da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, cujos revolucionários foram derrotados e vários executados, entre eles o pernambucano Frei Caneca. Esse Corpo de Polícia era composto de um efetivo inicial de 320 homens e constituído um Estado-Maior, uma Companhia de Cavalaria e duas de Infantaria."

Os que se colocam como uma espécie de herdeiros políticos de Frei Caneca saem por aí furando olhos de cidadãos pacíficos?

É preciso acompanhar de perto o desdobramento da apuração. Isso não pode terminar com a punição de algum soldado raso ou, o que é pior, com a impunidade — a menos que o governo do estado tenha mesmo perdido o controle da Polícia. E, então, será preciso perguntar quem está no comando.

Câmara determinou que a Procuradoria Geral do Estado dê início ao processo para indenizar as vítimas e que a Secretaria de Direitos Humanos acompanhe o atendimento médico a ambos. Em nota, afirmou:
"Assim como estamos acompanhando a investigação que está sendo realizada pela Corregedoria, também vamos seguir de perto a assistência às pessoas que resultaram feridas".

Sim, isso tudo está certo. Mas, como se percebe, são ações de reparação a um agravo que fere também a democracia e o Estado de Direito. É preciso saber se a PM virou palco de proselitismo político, de sorte que forças que devem servir à população resolveram administrar politicamente o monopólio do uso da força.

O que aconteceu no Recife evidencia, mais uma vez, a necessidade de o Brasil se adequar a outras democracias do mundo. É preciso pôr fim às Polícias Militares, em particular à sua subordinação, em último caso, ao Exército. A segurança pública tem de ficar a cargo de forças de segurança civis.

A Polícia de Nova York, por exemplo, deve satisfações ao prefeito da cidade e não é força auxiliar do Exército americano. A etimologia da palavra "militar" remete ao soldado que se prepara para a guerra. E nós precisamos de uma força que reprima o crime em nome da paz. Não é mera retórica.

O que motivou o ataque aos manifestantes? O desejo de reprimir o crime? Obviamente, não. Vai ver há setores dentro da PM de Pernambuco que se consideram soldados de alguma guerra — quem sabe de natureza ideológica.

Sim, é preciso pôr fim às PMs, com a conversão de seus quadros à condição de guardas civis. Isso demora muito, eu sei. Mas tem de ser feito se queremos ser uma democracia digna do nome. É tarefa de longo prazo.

Num tempo mais curto, é preciso saber de onde partiu a ordem criminosa para bater em gente pacífica.

No vídeo abaixo, o momento em que começa o ataque criminoso.