Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Governismo cria histórias da carochinha e fake news para minimizar protesto
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Bolsonaristas estão num esforço danado para tentar subestimar a importância dos atos de protesto havidos no sábado. As milícias digitais a serviço do presidente se ocupam, claro!, de produzir fake news. Dizem, por exemplo, que as fotos retratando a Paulista completamente lotada são de 2016, de um ato contra o impeachment. Produziram montagens tentando tornar verossímil a mentira. Numa delas, esqueceram de apagar um cartaz que associa Bolsonaro à cloroquina. Cloroquina em 2016?
Intramuros, a avaliação, obviamente, é outra. Governo e até mesmo os organizadores foram surpreendidos pelo número de manifestantes. Até porque nem houve tempo suficiente para uma ampla divulgação.
Não! Não creio que manifestações de protesto nestes tempos sejam prudentes. O vírus não tem ideologia nem noção de certo e errado. Reitero, no entanto, que tentar decretar um empate moral, como vejo na pena de alguns que julgam estar sendo apenas isentos, é, por si, uma imoralidade. Há uma diferença gigantesca entre protestar com máscara e sem máscara; entre pedir mais vacinas, com uma política pública decente de enfrentamento da pandemia, e pregar golpe de estado.
Se, obviamente, as pessoas correm mais riscos do que deveriam ao se manifestar nas ruas, pouco importando o lado, cumpre destacar não ser esse o único critério a ser levado em conta. Erros e riscos também têm escala. E há, ademais, acertos na pauta dos que marcharam contra Bolsonaro. Apontem aí um só item civilizador e civilizatório das "ruas bolsonaristas". Só o que vi foi a defesa de uma (des)política de saúde homicida, a pregação do golpe de Estado e a perseguição à imprensa.
Decretar o empate, nesse caso, seria se comportar como o comentarista de futebol que transforma um três a zero num zero a zero ou num três a três para agradar a todas as torcidas. O exercício, de resto, seria malsucedido, além de burro. Porque, obviamente, a torcida sacaneada vai reagir mal. E a outra vai tomar o dito-cujo por um tolo.
As perspectivas sobre a Covid-19 não são boas. Mas há milhões de pessoas que não suportam mais a rotina de insultos à verdade, à eficiência, à ciência. Sair às ruas para protestar não é, com efeito, o mais prudente nestes tempos. Mas a muitos pode soar como a única coisa a fazer, uma vez que a máquina de produzir mentiras, desinformação e vulgaridade não cessa.
BOLSONARO LIBERADO?
Parlamentares governistas e quadros do bolsonarismo vieram a público para declarar algo mais ou menos assim: "Bem, se os opositores aglomeraram, então o presidente está liberado". Trata-se, obviamente, de uma bobagem. Em algum momento ele se sentiu minimamente tolhido?
O presidente, na prática, está nas ruas desde 2019. Já no seu primeiro ano de mandato, houve pelo menos meia-dúzia de atos golpistas contra o Congresso e contra o Supremo. E que se note: além da agressão às instituições, não se conheciam nem mesmo os motivos dos "protestos a favor".
E as ameaças foram se tornando a cada dia mais virulentas. A pandemia já estava entre nós, matando, e o presidente foi conclamar intervenção militar às portas do QG do Exército, em Brasília, no dia 19 de abril do ano passado. Só parou quando Fabrício Queiroz foi preso, e ele temeu pela sorte de Flávio, o rebento senador. Quando o amigão deixou a cadeia, e Bolsonaro viu o risco se afastar do filhote, a pregação recomeçou.
E, então, junto com o golpismo de sempre, veio o negacionismo ensandecido e criminoso. Assim, essa conversa de que, agora, Bolsonaro tem uma justificativa moral para promover aglomerações, que teria sido dada pela própria esquerda, é conversa para tontos. Ele nunca precisou disso. Estava, eis a verdade, gozando do conforto de que seus adversários, em nome de seus próprios princípios — CORRETOS, DIGA-SE —, evitavam organizar manifestações.
E o antigovernismo, ainda que bastante dividido sobre a oportunidade de ocupar as ruas em tempos de pandemia, fez o que há muito não se via: mostrou as caras. A repulsa ao governo, muito justa, acabou, para milhares de pessoas, superando o medo do vírus — medo prudente e necessário porque o risco não se limita, nesses casos, àquele que decide corrê-lo.
ELEIÇÕES
Os bolsonaristas se esforçaram, ainda, ao longo deste domingo, para associar os atos de sábado à provável candidatura de Lula à Presidência. Sabem que estão mentindo para os outros e, nem descarto, para si mesmos.
Ninguém tem razão para desconfiar de que boa parte dos que protestaram é formada por eleitores do petista. Mas a questão eleitoral não fazia parte da mobilização, Tampouco Lula deu as caras. O PT apoiou as manifestações — e nem foi por unanimidade. Entidades tradicionais da esquerda, como CUT e MST, não recomendaram a adesão.
Reduzir o repúdio ao governo à disputa eleitoral é uma forma de tentar conter os danos: "Ah, tudo é uma questão de disputa pelo poder". Não é. Mas, ainda que fosse, cabe perguntar: a maioria, hoje, quer a reeleição de Bolsonaro?