Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Cai comandante da PM de PE. Quem deu a ordem para os bandidos de farda?
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Algo de surrealista e preocupante está em curso no governo de Pernambuco. E, desta feita, não é um boi voador, que metafísico não era. Afinal de contas, de quem partiu, no sábado, a ordem para que um destacamento da tropa de choque avançasse, como criminosos fardados, contra manifestantes pacíficos, disparando tiros com balas de borracha e bombas de efeito moral?
Até agora, não se sabe. Paulo Câmara (PSB), o governador, não diz. Antônio Pádua, o secretário da Defesa Social (que nome politicamente correto para tanta truculência, não é mesmo!?), não diz. Pedro Eurico, o secretário da Justiça, também não diz. E os três repetem em coro que a ordem não partiu do governo.
Câmara anunciou nesta terça que o coronel Vanildo Maranhão deixou o comando da PM. Foi substituído por José Roberto Santana, que era diretor de Planejamento Operacional da corporação. Cinco oficiais já tinham sido afastados logo depois do ataque. Dois outros foram alvos da mesma medida ontem. Mas os respectivos nomes não foram divulgados.
Por que Maranhão — que, oficialmente ao menos, deixa o cargo a pedido — está saindo? Tentou obstar a investigação? É ele próprio o responsável? Que diabos se passa na PM de Pernambuco?
Pádua, da Defesa Social (!), esteve na Assembleia e se reuniu com a Comissão de Direitos Humanos. Não! Os deputados não ficaram sabendo o nome do responsável pelo ataque criminoso.
O governador emitiu uma nota em que trata da troca do comando. Escreveu:
"Quero registrar meu agradecimento ao coronel Vanildo pelos anos de dedicação ao Pacto pela Vida e ao nosso governo e conto com o trabalho do coronel Roberto [José Roberto Santana] para que tenhamos sempre uma polícia dura contra o crime, mas que seja guardiã dos direitos humanos e da cidadania. Não uma polícia que atire no rosto das pessoas ou que impeça alguém ferido de ser socorrido, mas uma polícia que represente os anseios de uma sociedade pacífica, plural e democrática. Esses princípios são inegociáveis e deles jamais vamos abrir mão!".
Gostei da nota. É isso! Nada de polícia "que atire no rosto das pessoas".
Mas de quem partiu a ordem?
Pedro Eurico, o secretário da Justiça, afirmou que "não existe uma polícia paralela em Pernambuco". Não existindo, então é possível dizer: "A ordem partiu de fulano".
Notem: isso não requer investigação. Se a ordem foi dada, alguém deu. Se não foi, então há fardados nas ruas se comportando como milicianos e obedecendo a um comando que não é o oficial. Um vídeo mostra policiais atirando a esmo contra um prédio.
Não havendo uma Polícia paralela, deve-se entender ser essa a polícia oficial?
Uma coisa é certa: se o governo de Pernambuco não punir exemplarmente os responsáveis, cenas de estupidez e brutalidade vão se repetir.
OLHO RETIRADO
Daniel Campelo, de 51 anos, atingido por uma bala de borracha, teve o olho esquerdo removido. Jonas Correia de França, de 29 anos, ainda vai fazer cirurgia no olho direito. Teve danos permanentes. Não se sabe ainda a extensão. Ele afirma:
"Só Deus sabe o que eu passei e estou passando. Hoje eu acordei muito triste, angustiado, porque sou um jovem novo, com saúde, independente, gosto de trabalhar. Sou muito de família, penso muito nos meus filhos, e o que vai ser de mim agora? Dos meus filhos e da minha esposa, que precisam de mim? Não sei nem o que falar, é só o desespero mesmo, de um pai que corre atrás do sustento da família. Já chorei muito".
Mais um pouco de Jonas:
"Lateja muito e está muito inchado. É como se a dor fosse para o cérebro. Dói muito, muito mesmo. Eu estava voltando do trabalho, liguei para minha esposa para dizer que ia demorar, por causa do protesto. Eu cheguei a falar com os policiais, falei que sou pai de família, cristão, e que não estava no protesto. Tinha até um saco de carne moída na minha bicicleta. Quando olhei para frente, um policial saiu de trás do outro e atirou".
Ainda Jonas:
"Eu quero que eles percam a farda porque policial é para proteger cidadão, não para espancar."
Os dois trabalhadores feridos nem estavam no protesto. Ainda que estivessem, "policial é para proteger o cidadão, não para espancar".
Acontece que, no sábado passado, havia bandidos armados nas ruas de Recife.
E vestiam farda.
Quem deu a ordem, governador?
Responda. Pelos olhos de Daniel e Jonas.
Para que amanhã não furem os olhos do João, do José, da Maria...