Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Procuradora Thaméa, ex-chefona da Lava Jato, vira colunista do bolsonarismo
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Demorou até que alguns inocentes da imprensa percebessem a óbvia vinculação política, espiritual e moral — uma moral, sem dúvida, muito particular — entre a Lava Jato e o bolsonarismo. As coisas, no entanto, já estão bem mais claras. Lembram-se de Thaméa Danelon, procuradora da República em São Paulo? Ela já foi coordenadora da Lava Jato no Estado e é amiga pessoal de Deltan Dallagnol.
Pois bem, o site Terça Livre, do notório Allan dos Santos — investigado tanto no inquérito dos atos antidemocráticos como no das fake news contra o Supremo — informou no Twitter a sua grande aquisição: justamente Thaméa! Ela é a mais nova colunista da "Revista Terça Livre".
A última obra-prima do bolsonarista Allan dos Santos foi disseminar a falsa suspeita de que o mal-estar sofrido no domingo pelo jogador Christian Eriksen, da Seleção da Dinamarca, estaria relacionado à vacina da Pfizer. Thaméa já concedeu entrevista aos valentes afirmando a suposta ilegalidade do inquérito sobre as fake news, por exemplo, que investiga justamente o seu novo chefe.
No dia 16 de setembro de 2019, publiquei neste blog uma reportagem em parceria com Leandro Demori, do Intercept, em que Thaméa é flagrada a articular com um advogado o impeachment de um ministro do Supremo. Augusto Aras estava, então, prestes a nomeá-la coordenadora da Lava Jato em São Paulo. Transcrevo trecho.
Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a Procuradoria Geral da República, manifestou a intenção de nomear a procuradora Thaméa Danelon, do MPF em São Paulo, para chefiar o grupo da força-tarefa que atua na Procuradoria Geral da República. Mais do que uma aliada de Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, ela é uma espécie de sua serviçal. Pior: quando atua por conta própria, dispõe-se a praticar irregularidades com o desassombro do seu amigo mais famoso. Se Aras escolher Thaméa, estará indicando uma candidata certa a ter seus atos censurados pelo Conselho Nacional do Ministério Público se um pingo de vergonha na cara restar à maioria de seus 14 membros.
No dia 3 de maio de 2017, num chat privado no Telegram com Dallagnol, Thaméa passa uma informação que diz bastante sobre o caráter dos envolvidos (leia no pé do texto a íntegra da conversa). Ela procura o amigão e informa: "O Professor Carvalhosa [Modesto Carvalhosa, advogado] vai arguir o impeachment de Gilmar. Ele pediu para eu minutar para ele". E acrescenta três daqueles emoticons inspirados no quadro "O Grito", de Munch, que costumam ser empregados quando o emissor da mensagem chama a atenção para algo absurdo, aberrante, escandaloso mesmo.
Vale dizer: a própria procuradora achava estupefaciente que um advogado experimentado tivesse de recorrer a uma procuradora para redigir uma petição de impeachment. Quem sabe houvesse até um tanto de autocrítica por ela própria estar metida nesse tipo de conversa. Afinal, procurador da República está cometendo um ato ilícito quando passa, na prática e por baixo dos panos, a atuar a serviço de um advogado -- e não um advogado qualquer, como se verá mais adiante.
Como coordenador da força-tarefa, Dallagnol tem uma função institucional a mais. Alguém que estivesse com meridianos da ética, do bom senso e da velha vergonha na cara no lugar, convenham, passaria um pito na sua colega de São Paulo. Não o buliçoso chefão da operação em Curitiba e no Brasil. Chamando a amiga pelo apelido na turma, ele responde: "Sensacional Tamis!".
(...)
PARCERIA COM O FBI
Os diálogos revelados pela Vaza Jato evidenciaram também a parceria ilegal entre a Lava Jato e o FBI. Thaméa, a nova colunista do Terça Livre, está na parada, conforme revelou reportagem da Agência Pública e do Intercept.
A associação espúria tem uma personagem saliente: Leslie Rodrigues Backschies, que já esteve muitas vezes no país e fala português.
Reproduzo trecho da reportagem Pública/Intercept:
Em outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA, segundo revelaram Agência Pública e The Intercept Brasil. A proximidade com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie foi um dos agentes do FBI que posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do seu chefe, Deltan Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.
Em um chat com Deltan em 18 de maio de 2016 constante do arquivo entregue ao site The Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, brincou antes de uma viagem para os EUA: "Vou tentar tirar uma foto c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas", brinca ela. "Os agentes do FBI já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok? Eles não deixaram", explica Thaméa (...)
Observem como o FBI estava na jogada praticamente desde o começo. Em outubro de 2015, a operação tinha pouco mais de um ano. Segue mais um trecho da reportagem:
Thaméa diz que na foto todos são agentes, com exceção de uma tradutora brasileira. Mostrando familiaridade com a agente americana, Deltan Dallagnol se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. "Legal a foto! A Leslie está em todas rs".
MAS ISSO PODE?
Procuradores, a exemplo de juízes, podem exercer o magistério e escrever artigos na imprensa. Todos sabem que "Terça Livre" é um veículo de propaganda destinado a fazer a guerra cultural do bolsonarismo. Faz militância política aberta. E lá está uma procuradora da República como colunista.
Matéria para o Conselho Nacional do Ministério Público.
QUEM ESTÁ SURPRESO?
O anúncio pode ser despudorado, mas não surpreendente. Afinal, o chefão da coisa toda, Sergio Moro, foi ser ministro de Bolsonaro. Deu errado e caiu em desgraça. Mas a base continuou fiel ao "Mito", não é mesmo?
Todas as vezes em que apontei a óbvia vinculação entre Lava Jato e bolsonarismo, vinham as contestações. Inúteis, claro!
Em agosto de 2019, no programa GloboNews Painel, em que debateu com o advogado Walfrido Warde, Carlos Fernando, hoje ex-procurador e então o nª 2 da operação em Curitiba, confessou:
"Infelizmente, no Brasil, nós vivemos um maniqueísmo, né? Então nós chegamos... Inclusive, no sistema de dois turnos, faz com que as coisas aconteçam dessa forma. É evidente que, dentro da Lava Jato, dentro desses órgãos públicos, de centenas de pessoas, existem lava-jatistas que são a favor do Bolsonaro. Muito difícil seria ser a favor de um candidato que vinha de um partido que tinha o objetivo claro de destruir a Lava Jato. Seria muito difícil acreditar que... Então nós vivemos este dilema: entre a cruz e a caldeirinha; entre o diabo e o coisa ruim, como diria o velho Brizola. Nós precisamos parar com isso. Nós realmente temos que ter opções. Infelizmente, um lado escolheu o outro. E, naturalmente, na Lava Jato, muitos entenderam que o mal menor era Bolsonaro. Eu creio que essa era uma decisão até óbvia, pelas circunstâncias que Fernando Haddad representava justamente tudo aquilo que nós estávamos tentando evitar, que era o fim da operação. Agora, infelizmente, o Bolsonaro está conseguindo fazer".
Na origem moral da montanha dos 500 mil mortos, como se vê, está a Lava Jato. E não era uma adesão circunstancial.
Thaméa está no lugar certo. Espero que seja a antessala de uma candidatura à Câmara. Assim, ela deixa o MPF, que não parece ser o seu lugar. Segundo o meu gosto, nem a Câmara é. Mas isso é com o eleitor.
Abaixo, a confissão de Carlos Fernando: