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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Dúvida acabou: a Globo elegeu Huck. A entrevista e os votos em 2018 e 2022

Luciano Huck durante entrevista a Pedro Bial, Ele confirmou que não tentará disputar a Presidência. Vai ocupar as tardes de domingo na Globo - Reprodução/TV Globo
Luciano Huck durante entrevista a Pedro Bial, Ele confirmou que não tentará disputar a Presidência. Vai ocupar as tardes de domingo na Globo Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

16/06/2021 05h53

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Ainda ontem escrevi aqui: "Luciano Huck resolveu ficar na Globo mesmo. Ninguém mais fala sobre esse assunto". No começo desta madrugada, numa conversa bastante amena com Pedro Bial, Huck oficializou o que já se sabia: foi eleito pela emissora para ocupar, em 2022, as tardes hoje reservadas ao "Domingão do Faustão".

Em certa medida, repete-se a novela de 2018. Registre-se de cara: parece, se entendi direito, que tem noção da gravidade da quadra que vivemos. Embora a resposta tenha sido meio atrapalhada, parece que adquiriu essa consciência. Se as palavras fazem sentido, dará um voto contra Bolsonaro desde que seu opositor no segundo turno — caso o presidente realmente chegue a essa etapa — esteja alinhado com a democracia. E se for Lula? Vamos ver. Voltarei ao ponto mais adiante.

Aquela pletora de ditos "candidatos do centro" vai, aos poucos, despovoando o lugar. João Amoêdo, do Novo, já afirmou que não vai disputar. Luiz Henrique Mandetta, se permanecer no DEM, candidato não será porque o partido está bolsonarizado até o talo. Mais do que nunca, é linha auxiliar do governo, e o ex-ministro da Saúde é um dos desafetos prediletos de Bolsonaro. Agora é oficial: Luciano está fora da corrida.

Todos sabem o que penso dessa história de apelar a um não político como resposta para impasses políticos. Em síntese, trata-se de oportunismo e hipocrisia por uma razão óbvia e elementar: é um jeito — bastante ruim — de fazer política. E deixo claro: não desconfiava da sinceridade de Luciano quando se via como uma espécie de resposta mágica para os impasses brasileiros.

Ocorre que ele tem o grau de consciência possível — é o caso de todos nós — sendo quem é, vindo de onde vem, mantendo as relações que mantém. Nota-se que confunde a vida pública com uma espécie, assim, de empreendedorismo social. Incorporou, sim, o vocabulário específico a seu discurso, até porque tem mantido conversas com muita gente que transita no universo da política, mas o seu caldeirão (inevitável!) é outro.

Essa proximidade é irresistível para ele e para os que passaram a ser seus interlocutores. É famoso, rico, bem-nascido e boa-praça. Isso não quer dizer, e ele deixou claro, que ignore as mazelas do Brasil. Destacou que já viajou para todos os cantos do país. Mas a arena pública requer mais do que esse voyeurismo social, ainda que sinceramente interessado. A maior evidência de que havia uma mistura imprópria entre a sua carreira de apresentador e a política está no fato de que o anúncio oficial de que fica na Globo foi feito numa entrevista a um programa... da Globo.

Luciano diz, sim, algumas boas coisas. Mas ele também padece do mal que vê no Brasil e nos outros: a falta de um projeto. Diz frases como "a vida não é sobre o que a gente junta, mas sobre o que a gente espalha". Ou ainda: "Temos de contribuir com a floresta, não só com a nossa árvore". Mas o fato é que estamos a menos de um ano e meio da eleição, e ele nem mesmo tinha um partido. Ok. Todos estamos dispostos a aclamá-lo como um bom rapaz e a lhe dar o selo de "pessoa socialmente preocupada". Mas, com efeito, ele não precisa da política para isso.

IRREALISMO ASSOMBROSO
Ao falar sobre a definição de nomes para a disputa de 2022, fez uma afirmação de um irrealismo assombroso. Transcrevo:
"Em meio à pandemia, do jeito que a gente está hoje; com uma narrativa negacionista potente, que nos atrapalha (...), eu realmente acho que não é hora de debater isso: de debater eleições e debater nomes. Eu acho que a gente tem de debater ideias dos problemas que a gente tem de enfrentar: de educação igualitária, de formação, de geração de oportunidades, de renda, de emprego, de uma série de coisas. Eu acho que, nesse momento, você querer dar nome aos bois, você querer fulanizar as soluções dos nossos problemas, eu acho que é jogar o debate numa vala mais rasa, pessoalmente falando."

Temos um presidente da República que não desceu do palanque — e de um palanque golpista — desde que assumiu a Presidência. Sua campanha pela reeleição já foi deflagrada. Imaginar que seus eventuais adversários evitem o debate eleitoral e se dediquem apenas a uma agenda, vamos dizer, administrativista, enquanto ele apela ao Orçamento secreto para cevar seus cabos eleitorais... Bem, é a fala de quem ainda não entendeu como funciona a política. E, nesse particular, assim é no Brasil e no mundo.

Donald Trump acusava os democratas de politizar a pandemia. O mesmo faz Bolsonaro no Brasil. Cair na armadilha de renunciar ao enfrentamento político — inclusive com a definição de nomes — para debater "soluções para o Brasil" corresponderia a assistir passivamente à reeleição. Seria um suicídio coletivo. Luciano está erradíssimo. O tal centro, se é mesmo que existe isso, deveria é já ter definido um nome.

O VOTO ANULADO EM 2018
Bial relembrou declarações dadas pelo entrevistado em 2018 sobre os então candidatos Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro. Reproduzo a pergunta:
Pedro Bial - No segundo turno de 2018, você não declarou voto. Mas você falou: "No PT, jamais votei e nunca vou votar". E, sobre Bolsonaro, você disse: "As pessoas têm chance de amadurecer. Têm uma chance de ouro de ressignificar a política no Brasil". Hoje, você reafirma essas duas posições?

Antes de transcrever a resposta, noto que estamos diante de uma única posição. E que traz uma contradição interna insuperável. A declaração sobre o petista é peremptória. A Bolsonaro, por óbvio, ele dava uma chance, não? É o que está dito. Mais: seu antipetismo era tal que ele achava que até Bolsonaro tinha a chance de amadurecer. Note-se, pois, que, na formulação acima, Haddad entrou na categoria "não pessoa". Ou também o petista mereceria uma "chance", certo? Também poderia "amadurecer".

Luciano vai negar, e, como ele mesmo diz, "o voto é secreto", mas parece evidente que votou em Bolsonaro. Hoje, segundo se entende, não repetiria a experiência. Vamos à sua resposta.

Pedro, nunca ninguém me perguntou isso diretamente. É a primeira vez que eu sou inquirido sobre esse ponto. Mas também não vou me furtar a dar a resposta porque eu acho que, hoje em dia, no Brasil, você não dar a resposta é você pactuar com o que está acontecendo. Então acho muito importante colocar aqui o que eu penso e o que eu fiz. O voto no Brasil é secreto. Mas eu vou compartilhar o que você me perguntou. Eu votei em branco na última eleição. E acho que, naquela circunstância, é o que eu deveria ter feito. E fiz com bastante tranquilidade. Os dois candidatos que se apresentavam, naquela época, eu não me sentia representado por nenhum dos dois. E achei melhor votar em branco. Foi o que eu fiz. Então não me arrependo. Votei em branco e votaria em branco de novo. Nesse momento, eu acho que a gente não está falando sobre A ou B: siclano (sic) ou beltrano. A gente está falando sobre quem defende a democracia e quem ataca a democracia. A democracia foi uma conquista. Quem defende a democracia vai estar de um lado e quem não defende a democracia estará do outro. Eu estarei sempre, em qualquer tempo, do lado da democracia".

COMENTO
A resposta é um pouco confusa, mas entendo que as declarações "Não me arrependo" e "Votei em branco e faria de novo" dizem respeito a 2018. Vale dizer: voltando no tempo, naquelas circunstâncias, faria de novo.

Na sequência, parece evidente que Luciano acha que Bolsonaro "ataca a democracia". A questão é saber se ele mantém o "jamais votarei no PT" caso o adversário seja Lula. Afinal, a seu juízo, o ex-presidente "defende a democracia" ou não?

O "votei em branco e votaria de novo", se valer para 2022, ignoraria os quase 500 mil mortos de agora e sei lá quantos até a eleição. Afinal, o ataque à democracia no Brasil não se esgota — e já seria de extrema gravidade — no permanente ataque às instituições. Um morticínio está em curso. É a maior tragédia da nossa história.

Como Luciano se mostra disposto a aprender, acho que tem de dar a si mesmo a chance de se arrepender, como fez FHC. Pergunto: hoje, em 2021, ele ainda acha que Haddad e Bolsonaro representavam um empate do ponto vista institucional e democrático?

É possível melhorar a resposta, não?