Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
O novo inquérito contra Bolsonaro e o segundo vexame da PGR em uma semana
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A ministra Rosa Weber autorizou a abertura de mais um inquérito contra Jair Bolsonaro. O objetivo da apuração é saber se o presidente cometeu crime de prevaricação depois de alertado pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) e por seu irmão, Luís Ricardo Miranda, sobre possíveis irregularidades no processo de compra da vacina Covaxin. E, mais uma vez, a Procuradoria Geral da República inova. Para pior. Deu à luz um segundo vexame em uma semana. Já explico.
Segundo o deputado afirmou à CPI, o presidente teria afirmado que iria acionar a Polícia Federal, o que comprovadamente não fez. O governo alega que a questão foi repassada ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que teria mobilizado a pasta em busca de sinais de irregularidade, nada tendo sido encontrado. Tem cheiro de desculpa de última hora. Em todo caso, a investigação poderá rastrear documentos dessa suposta sindicância interna.
É o segundo inquérito aberto contra Bolsonaro. O primeiro é de abril de 2020 e foi pedido pela própria PGR depois que Sergio Moro deixou o governo. Saiu atirando. Acusou o presidente de interferência política na PF. Nesse caso, é investigado pela possível ocorrência dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva, denunciação caluniosa e crime contra a honra. O troço está parado à espera de que o STF defina a forma para colher o depoimento do presidente: se presencial ou por escrito.
Na pauta do STF, o assunto só vai ser decidido pelo pleno em setembro. Convém antecipar, não é? Afinal, Rosa autorizou, também nesse novo inquérito, que se ouça o presidente.
DRIBLANDO O DRIBLE
É curioso o percurso de agora. Tão logo a ministra recebeu a notícia-crime encaminhada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO), remeteu-a à PGR, conforme a praxe.
Veio lá das paragens comandadas por Augusto Aras uma estranha e inédita manifestação. Em texto assinado pelo subprocurador-geral Humberto Jaques de Medeiros, pedia-se que o assunto fosse examinado só depois da conclusão da CPI. Tentou-se aplicar o que classifiquei de "drible da vaca": ao mesmo tempo em que o MPF exaltava o trabalho da CPI, cumpria a vontade do Planalto — que, obviamente, é contra a investigação. Escreveu Medeiros em sua primeira manifestação:
"O Poder Legislativo, no uso das suas competências constitucionais, desencadeou o mais potente instituto de investigação no direito brasileiro: uma comissão parlamentar de inquérito. O legislador constituinte dotou essa investigação de incontrastáveis poderes. Nas investigações ordinárias do processo penal, há atuação policial, direção do Ministério Público e necessidade de recurso ao Judiciário para as medidas mais gravosas. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, instalada no Senado Federal por meio dos requerimentos de nº 1.371 e de nº 1,372, ambos de 2021, enfeixa todas essas competências e atribuições. Em lugar da interdependência dos atores do processo penal, no inquérito parlamentar há a independência do Legislativo a impulsionar vigorosamente uma apuração."
É como se a PGR indagasse: se a CPI já está fazendo a investigação, por que abrir uma segunda? Mas não parou por aí. Como os senadores tratam, em sua notícia-crime, da eventual abertura de uma ação penal como hipótese extrema — o que, de resto, só poderia ser feito com a anuência de dois terços da Câmara —, Medeiros aproveitou para fazer uma longa catilinária sobre o "salto" que estaria sendo solicitado à PGR. E simplesmente ignorou que, num primeiro momento, tratava-se de avaliar se caberia ou não a abertura de um simples inquérito.
RESPOSTA DURA
Rosa deu uma resposta muito dura à PGR, desqualificando o que chamou de "hipótese saltitante" e lembrando, afinal, quais eram o objeto e o objetivo da notícia-crime. Destacou, de modo até um tanto desmoralizante para a PGR, que a Constituição não confere ao MPF o papel de simples espectador. Nas suas palavras:
"Com efeito, não há no texto constitucional ou na legislação de regência qualquer disposição prevendo a suspensão temporária de procedimentos investigatórios correlatos ao objeto da CPI. Portanto, a previsão de que as conclusões dos trabalhos parlamentares devam ser remetidas aos órgãos de controle não limita, em absoluto, sua atuação independente e autônoma. Outra não pode ser a interpretação dada ao artigo 58, § 3º, da CF/88 e às Leis nº 1.579/1952 e Lei nº 10.001/20001 2, sob pena, inclusive, de restringir poderes constitucionalmente atribuídos."
A ministra, então, indeferiu o pedido feito pela PGR e estabeleceu novo prazo para que se manifestasse sobre aqueles que, afinal, eram objeto e objetivo da notícia-crime. E o órgão se manifestou de novo por intermédio de Medeiros. E de modo não menos estranho.
NOVA ESTRANHEZA
Se, na primeira manifestação da PGR, deve ser dado destaque ao exotismo de se aguardar a conclusão da CPI para avaliar eventual abertura de inquérito, nesta segunda, há a concordância, sim, com a instauração da investigação, mas, de modo surpreendente, antecipa-se um juízo de valor que dá a entender que, na opinião do órgão, o presidente não cometeu crime nenhum. Escreve o subprocurador-geral:
"A despeito da dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação e da ausência de indícios que possam preencher o respectivo elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato, cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências."
Nunca vi isso, e ninguém nunca viu. O que o MPF e os ministros do STF fazem em casos assim é observar, a exemplo de Rosa, que a autorização para a investigação não antecipa um juízo de valor sobre a responsabilidade criminal do acusado.
Mas notem que a PGR antecipa, sim, um juízo, só que absolutório. Ora, se o MP constata a "ausência de indícios", então por que se manifesta favoravelmente à abertura do inquérito? Dissesse com clareza o que pensa: "Achamos que não há indício de crime e que nada deve ser investigado".
E por que a PGR opta por mais esse exotismo? Porque ficou com receio de ser, vamos dizer, "bypassada" por Rosa. Observem: se o Ministério Público Federal, titular da ação penal, se posiciona contra a abertura de um PROCESSO, não há o que o ministro do Supremo possa fazer. No caso da abertura de inquérito, o magistrado pode, sim, discordar da opinião da PGR. Vale dizer: ainda que Medeiros dissesse "não", Rosa poderia dizer "sim".
Creio que, para evitar o risco do ridículo, escolheu-se, então, o caminho vexaminoso que é solicitar a abertura de um inquérito, mas deixando claro — ao Planalto? — que avalia, antes mesmo da investigação pedida, que o presidente não cometeu crime nenhum. E isso, claro, é... ridículo!
Vamos ver o que apura a Polícia Federal. Uma coisa já podemos dar como certa: pouco importa a conclusão do inquérito, a PGR pedirá o arquivamento, não é mesmo? A investigação dura 90 dias. Em outubro, ou Augusto Aras já terá o mandato renovado ou terá sido indicado para o Supremo. Nessa hipótese, certamente não ocuparia o seu lugar alguém com orientação diversa.
O Ministério Público tem de ser independente. E isso quer dizer que não pode se comportar nem como um pelotão de fuzilamento nem como um puxadinho do Palácio do Planalto.
Já tivemos pelotão de fuzilamento. Temos o caos como herança.
Agora temos puxadinho. É o caos sob nova administração.