Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
3ª via não pode ser cria de estimação de editoriais e colunas; que vá à rua
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Houve uma presença ainda discreta, mas perceptível, de manifestantes ligados ao centro político ou mesmo à direita não bolsonarista ou desbolsonarizada nos protestos deste sábado. Ainda que eu considere remota a hipótese do impeachment, é preciso pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a tomar uma decisão.
Quando menos, é forçoso que ele pare de usar as denúncias — mais de uma centena se sintetizaram em um superpedido — como instrumentos para chantagear Bolsonaro. Sim, já pensaram neste aspecto? Lira poderia simplesmente mandar arquivar tudo, certo? Por que não o faz?
Porque ele usa a mobilização dos que, com dezenas de motivos, reivindicam o impedimento do presidente para se fortalecer no jogo do poder. Imaginem: Bolsonaro olha para ele e sabe que não pode contrariá-lo. Ou ele põe para tramitar o que já chamou de "remédio amargo".
Creio que a esmagadora maioria dos que se mobilizam sabe muito bem que as chances do impeachment são muito reduzidas. Reconhecê-lo, no entanto, não pode implicar imobilismo. Ainda que haja riscos, sim, em razão da pandemia, é possível protestar com razoável segurança usando máscara e tomando cuidados adicionais. O presidente não deixou alternativa. Até porque já deu início à campanha e hoje usa a máquina federal abertamente em favor da reeleição. Seu discurso é claramente eleitoreiro.
IR OU NÃO IR?
E, como veem, aqui introduzo o tema das eleições e retomo a questão inicial: a participação nos atos dos setores que não são de esquerda. Agora ou daqui a pouco, quando a vacinação estiver mais avançada, essas correntes de pensamento precisam ganhar visibilidade.
É claro que, hoje, a pauta antibolsonarista se mistura nas ruas, com frequência, com o apoio à candidatura de Lula. Nem faria sentido chamar atos públicos impondo censura ao debate eleitoral e ao apoio a eventuais nomes.
Se os setores que não estão alinhados à esquerda realmente descartam Bolsonaro, a ponto de pedir o seu impeachment — e entendo que isso implica a impossibilidade de declarar voto nele num eventual segundo turno sem um nome do centro/centro-direita —, é preciso que busquem visibilidade. Se ainda não têm "o" seu nome — há nomes —, como o têm as esquerdas, que levem ao menos a sua pauta.
Se chegarem à conclusão de que há incompatibilidade entre a sua pauta e os protestos com predominância da esquerda, que então organizem as próprias manifestações. Se não serão, de início ao menos, grandes atos, que se busque a forma de se fazer presente ao debate. O que não pode é a tese da candidatura de centro ter mais visibilidade na imprensa do que nas ruas — as reais ou as virtuais.
Não existe ainda "o" nome da terceira via. Tudo o mais constante, é pouco provável que se chegue a um só — o que tornaria tudo mais difícil, é evidente. Desconheço analista que não anteveja Lula no segundo turno em razão de um conjunto de fatores que posso elencar numa outra hora. O candidato da chamada terceira via, se houver um só, terá de conquistar os indiferentes aos nomes ora consolidados e, adicionalmente, de atrair simpatizantes não militantes do bolsonarismo.
Exceção feita a um episódio em São Paulo, em que delinquentes disfarçados de militantes políticos hostilizaram um grupo de tucanos — e, por sua vez, foram vaiados pela massa em razão da truculência —, os, digamos, "neomanifestantes" nessas jornadas puderam se expressar sem contratempos.
À diferença do que faz Bolsonaro — que, ademais, se movimenta com o apoio da máquina pública —, entendo que candidatos e pré-candidatos à Presidência devem mesmo se manter distantes das manifestações. Que as pessoas e os movimentos tenham candidatos e indiquem os nomes de sua predileção, muito bem. É do jogo. Mas sem palanque. Por ora, trata-se, reitero, de deixar marcado o caráter de "frente ampla" dos protestos. Quando chegar o momento, que se façam os atos propriamente político-eleitorais.
Se o centro e a centro-direita querem ter um nome viável, não podem alimentar o receio de que, ao participar de manifestações como a deste sábado, estariam alimentando a candidatura de Lula. Até porque, convenham, ela não depende dessas manifestações.
É preciso deixar claro aos brasileiros que o repúdio ao que Bolsonaro representa não mobiliza apenas as pessoas e os movimentos de esquerda. E como é que se deixa isso claro? Pedindo perdão pelo raciocínio tautológico, mas necessário aqui, respondo: DEIXANDO ISSO CLARO!
ENCERRO
É claro que há nomes de políticos com uma boa folha de serviços prestados ao país e que postulam o lugar da terceira via: João Doria, Eduardo Leite, Tasso Jereissati, Ciro Gomes, Mandetta... Dadas as suas respectivas trajetórias, não são abstrações.
Mas se trata de ocupar um lugar na disputa. E aí só a biografia e os feitos raros e notáveis — como é o caso da Coronavac em São Paulo — não bastam. É preciso entender também o sentido e o peso da história.
A tal terceira via não é nem Bolsonaro nem Lula, claro!, por definição. Mas que fique claro: o "não ser Lula" é discurso eleitoral. Ir à rua agora corresponde a não ser Bolsonaro. É um discurso civilizacional.