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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Cadeia a depredadores de pontos de ônibus ou de instituições! A pena varia

Uma, digamos, leitura de Bolsonaro na manifestação em São Paulo do dia 3 de julho. À altura de sua obra - Bruno Santos/Folhapress
Uma, digamos, leitura de Bolsonaro na manifestação em São Paulo do dia 3 de julho. À altura de sua obra Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Colunista do UOL

05/07/2021 08h02

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O presidente Jair Bolsonaro nunca teve compromisso com os fatos, com a democracia ou com a temperança. Não iria entrar nessa onda depois de velho. Ao contrário, o tempo lhe acentua os vícios. Tanto pior quando se constata que vive cercado de gente ainda mais perturbada.

Acuado pelas denúncias, pela Justiça e pelas ruas, a sua saída é radicalizar o discurso. Postagens feitas em seu perfil no Twitter neste domingo dão conta da delinquência política a que pode chegar a 15 meses da eleição. Isso dá uma medida do que vem pela frente caso consiga se manter no poder. O impeachment não é fácil. Mas também não é impossível.

O presidente resolveu seguir as pegadas do derrotado Donald Trump, que associou a onda de protestos desencadeada com a morte de George Floyd a terrorismo doméstico e, claro, aos democratas, anunciando o Apocalipse caso os adversários vencessem a eleição. O objetivo óbvio era mobilizar os seus radicais e assustar a população.

Neste sábado, houve protestos em todas as capitais do país e em várias outras cidades. Em São Paulo, houve dois episódios isolados de violência. Uns gatos pingados do PCO, uma nanolegenda de extrema esquerda que só existe em razão do fundo partidário, agrediu militantes tucanos, que carregavam a bandeira do partido no protesto.

A iniciativa estúpida foi logo repudiada por outros manifestantes que estavam à volta. O PCO é uma seita que, entre outras delicadezas, se alinha com o bolsonarismo na defesa do armamento da população. Deve achar que podem servir como instrumento para a revolução. Imaginem vocês: os valentes não conseguem eleger um vereador, mas sonham com a luta armada e têm a ousadia de dizer quem pode e quem não pode sair à rua.

Como costuma acontecer, os idiotas convictos servem sempre à causa do inimigo. Não tardou para que setores reacionários, inclusive na imprensa, tomassem o episódio como exemplo da intolerância das esquerdas com os que pensam de modo diferente. Reitere-se: muitos milhares saíram às ruas país afora. Bastou que meia-dúzia de delinquentes fantasiados de militantes fizessem porcaria para que se tomasse o evento como evidência de que o bolsonarismo não está sozinho na truculência. Insista-se: o PCO nunca elegeu um vereador. Bolsonaro tem pelo menos um quarto dos votos no primeiro turno em simulações eleitorais. Isso dá conta do tamanho de uns e de outros e do risco que podem, respectivamente, representar.

DEPREDAÇÃO
Ainda em São Paulo, um grupo de uns 10 vândalos depredou pontos de ônibus, quando a manifestação já havia acabado, e tentou pôr fogo numa agência bancária. Foram reprimidos pela Polícia. Houve um pequeno confronto. E, que se saiba, ninguém foi preso. Nesse caso, deixou claro: é preciso prender para que os delinquentes respondam por seus atos.

Bolsonaro -- ou quem quer que faça isto por ele -- não hesitou: foi ao Twitter na tarde deste domingo e postou imagens da depredação e do confronto com o seguinte texto:
Nenhum genocídio será apontado. Nenhuma escalada autoritária ou "ato antidemocrático" será citado. Nenhuma ameaça à democracia será alertada. Nenhuma busca e apreensão será feita. Nenhum sigilo será quebrado. Lembrem-se: nunca foi por saúde ou democracia, sempre foi pelo poder! Aos 36 segundos um policial militar é atingido quase mortalmente por uma pedra. Esse tipo de gente quer voltar ao Poder por um sistema eleitoral não auditável, ou seja, na fraude. - Para a grande mídia, tudo normal.

Genocídio? Alguns estúpidos praticando vandalismo? Têm de ser presos. É, em si, um ato democrático? A resposta é "não". Mas, que se saiba, não contam com o apoio de parlamentares ou do presidente da República. Também não consta que a máquina do Estado financie sua delinquência. Ademais, cumpre indagar: a quem interessa esse tipo de violência? Como perguntariam os latinos: "cui prodest"? A quem aproveita? Os tuítes de Bolsonaro respondem. Os vagabundos que praticaram depredações estavam, na prática, colaborando com o discurso do presidente. E, por óbvio, diga-se o mesmo sobre os "militantes" do PCO. Votos, eles não têm. Mas sabem como conquistá-los para Bolsonaro.

DEPREDADORES DIFERENTES
Não! Aqueles arruaceiros não querem chegar ao poder nem chegarão, pouco importa quem vença no campo da oposição a Bolsonaro. Aliás, é preciso que o país mude de rumo para expulsar bandidos que passaram a aparelhar o Estado brasileiro.

O vandalismo com as vacinas, por exemplo, já fez mais de 520 mil mortos. Tudo indica que a compra regular de imunizantes foi retardada porque ladrões estavam negociando até com quem não tinha nada a vender de olho em eventuais propinas bilionárias.

Bolsonaro está vendo lhe escapar das mãos a chance de jogar o país num impasse caso venha a perder a eleição do ano que vem. A tendência, hoje, é que a estúpida PEC do voto impresso seja rejeitada. Como se nota, ele usa até a ação destrambelhada de uns poucos arruaceiros para insistir na tese da fraude eleitoral. A propósito: houvesse o complô que ele anuncia, nem protestos seriam necessários, não é mesmo? Bastaria correr para o abraço.

Todos os veículos de comunicação noticiaram os dois pequenos tumultos havidos. E deram a ambos — exceção feita a quem sente a necessidade de piscar para o bolsonarismo para provar a sua isenção (evidenciando, assim, ou a sua covardia ou a sua análise interessada) — a devida dimensão: atos não mais do que marginais.

A propósito: a polícia precisa prender os vândalos. É sua tarefa garantir a integridade das pessoas, do patrimônio público e, em casos assim, também do privado. Que use a força necessária para isso. E só a necessária. De acordo com a lei.

Mas, é claro!, não me furtarei de lembrar a Bolsonaro que ele e seus fanáticos são depredadores muito mais perigosos porque atacam as instituições. Lugar de quem quebra ponto de ônibus ou tenta botar fogo em banco é a cadeia. E de quem ameaça com golpe de Estado também. Com a diferença de que, nesse caso, a pena tem de ser bem mais longa. E é, conforme prevê a lei.