Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Renan não foi indiciado. Chega de inquérito sem fim! E boa tese de Maiurino
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Minhas caras, meus caros, uma informação errada circula à larga desde sexta-feira. O delegado da Polícia Federal Vinícius Venturini teria indiciado Renan Calheiros (MDB-AL) depois da conclusão de inquérito que se arrasta desde 2017 — relativo a suposto crime ocorrido em 2012 — sobre transferência de recursos que a Odebrecht teria feito para o senador, que é hoje relator da CPI da Covid. Todos enxergaram, e eu também, uma retaliação da PF contra Renan. Tudo indica que não. E por dois motivos — um deles passa pelo STF. Vamos ver.
Primeira questão relevante: Renan não foi indiciado pela PF porque não pode ser. Jurisprudência do Supremo é clara a respeito. Parlamentares não podem ser indiciados pela Polícia Federal. Sim, na conclusão do seu relatório, Venturini recorre a uma redação ambígua. Escreve lá, depois de evocar artigos da Lei 12.830 e do Regimento Interno do tribunal: "O Delegado de Polícia Federal subscritor (...) entende pela existência de elementos concretos e relevantes de autoria e materialidade dos crimes investigados no presente inquérito, motivo pelo qual entende pelo indiciamento de..." E seguem o nome de Renan e mais quatro pessoas.
Entenda-se, então, o "entende" do delegado. Ele quis dizer que é favorável, que defende, que acha o correto. "Defender", nesse caso, corresponde, claramente, a ser favorável à decisão, não a tomá-la. Até porque ele não pode.
"Ah, Reinaldo, mas a lei que ele evoca lembra o poder do delegado para indiciar..." É verdade. Poderia fazê-lo nos outros quatro casos. Mas não o fez, na verdade, em nenhum. O indiciamento supõe uma formalização: o registro do nome da pessoa na FAC (Folha de Antecedentes Criminais). E isso não aconteceu. O nome de Renan, nesse caso, não foi parar lá. E, que eu saiba, nem os dos outros quatro indivíduos. Portanto, Venturini "defendeu" o indiciamento, mas não indiciou.
ACABAR COM A FARRA
E Edson Fachin com isso? No dia 9 de junho, o delegado Venturini recebeu um ofício do ministro, relator do caso no Supremo, determinado a conclusão do inquérito. Vejam a imagem que abre esse texto. O delegado, portanto, cumpriu uma ordem.
Aproveito o ensejo para lembrar aqui que é preciso pôr um fim à farra dos inquéritos que não terminam nunca. Notem: são abertos por 90 dias. Depois se pedem mais 90. E mais 90. E outro 90. E eis aí uma investigação envolvendo o senador que já está no seu quinto ano. E sobre algo que teria acontecido em 2012. Isso lhes parece aceitável?
Mas a disfunção não está só aí. É preciso pôr um ponto final a outro absurdo: a relação direta entre policiais federais e ministros do Supremo. Vejam o caso em questão: foi Fachin quem oficiou diretamente o delegado Venturini, que passa o relatório a ele. Não faz sentido.
Ora, no Ministério Público não é assim. Por que há de ser na Polícia? Nas questões que dizem respeito a pessoas com foro no Supremo, por exemplo, quem oficia junto ao tribunal é a PGR, não é o procurador de primeira instância. Em documento enviado ao STF, Paulo Maiurino, delegado-geral da PF, defendeu modelo parecido para a instituição que comanda.
Tomou porrada de todo lado, mas está certo. Em documento enviado ao Supremo, ele disse ser a medida necessária para a "melhor supervisão das investigações", de modo a evitar "o ajuizamento de medidas" que refletem "tão-somente o posicionamento individual de autoridades policiais", mas que estão "em dissonância com a posição institucional da PF".
O disciplinamento necessário foi visto como uma tentativa de centralizar as ações dos delegados, tirando-lhe a autonomia. É uma falsa questão.
Delegados não pode ter investigados de estimação.
CONCLUO
1: Renan não foi indiciado -- e, que eu sabia, nem os demais alvos do inquérito:
2: o delegado concluiu a peça por ordem de Fachin;
3: não é mais aceitável ter inquéritos que se arrastam sem prazo;
4: não faz sentido cada delegado federal do país despachar diretamente com um ministro do Supremo em caso de autoridades com foro;
5: autonomia não pode ser uma algaravia de critérios, estimulando a indisciplina e o solipsismo investigativo.