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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

"Fórmula Bozo": golpismo, calote de dívida, diesel e Bolsa Família roubado

Ilustração de Bolsonaro caracterizado como o palhaço Bozo divulgada no ano passado por Carlos e Eduardo, dois dos filhos do presidente, com ofensas aos críticos do mandatário, é claro! - Reprodução/Redes Sociais
Ilustração de Bolsonaro caracterizado como o palhaço Bozo divulgada no ano passado por Carlos e Eduardo, dois dos filhos do presidente, com ofensas aos críticos do mandatário, é claro! Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Colunista do UOL

09/08/2021 07h43

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Está prevista para hoje a ida de Jair Bolsonaro à Câmara. Levará debaixo do braço dois textos: uma Medida Provisória que extingue o Bolsa Família e cria em seu lugar o Auxílio Brasil, que é o mesmo programa, mas com mais recursos, e a PEC dos Precatórios, que é a oficialização do calote. O presidente precisa de recursos para disputar a eleição do ano que vem. Voltarei a esse ponto mais adiante. Antes, algumas considerações.

SEMPRE GOLPISTA
Enquanto Bolsonaro não for banido da vida pública, pagando o preço devido por seus ataques à democracia e ao Estado de direito e por uma penca de outros crimes -- parte deles ligada ao tratamento desastroso dispensado ao enfrentamento da pandemia --, seguirá sendo o que essencialmente é: um golpista arruaceiro.

Embora force a mão para fazer crer que o "tudo ou nada" há de se dar neste ano ou no próximo, é claro que sua luta contempla um prazo mais longo. Se não for impedido, vai disputar eleições no ano que vem. E tem de se preparar a para o confronto. E se vencer? O projeto golpista continua. Há quem ainda não tenha entendido: ele quer o fim do regime democrático. E não é preciso um golpe formal, com tanques na rua, para alcançar esse objetivo.

Não cessará, na reta rumo ao pleito, sua pregação golpista, mesmo depois de a PEC do voto impresso ser derrotada pelo plenário da Câmara. Talvez desacelere os ataques aos tribunais. Inventará outras pautas para infeccionar parte do eleitorado. Sabe, no entanto, que apenas a pregação de extrema-direita não vai torná-lo competitivo no certame do ano que vem.

Contará a seu favor, note-se, o fato de que, salvo um cataclismo sanitário provocado pela variante Delta do coronavírus ou outra que surja, o país estará mais perto da normalidade no ano que vem. Adicionalmente, a economia estará distante dos piores tempos da pandemia. Em alguma medida, não dá para antever o impacto, isso pode diminuir a rejeição ao governo. Mas ainda é pouco. O impacto da recuperação no mercado de trabalho, por exemplo, será muito reduzido, já dá para saber a esta altura. Então é preciso agir.

OS TEXTOS LEGAIS
Desde os primeiros dias de governo, Bolsonaro quer pôr fim à marca "Bolsa Família", que traz, como é evidente, o DNA petista. Ninguém ignora o impacto que o programa teve na redução dos extremos de pobreza no país. E com óbvio efeito eleitoral. Colaborou, é certo, em larga medida, para a reeleição de Lula em 2006 e para as duas vitórias de Dilma. É uma realidade presente na vida de milhões de brasileiros.

É claro que um mínimo de decência política imporia que, em havendo correções e alterações no programa, estas se dessem sem mudar o nome. Mas "decência" não é artigo caro ao presidente. Num ato de evidente politicagem, vai extinguir a marca de um seu provável adversário eleitoral e, no lugar, impor o "Auxílio Brasil". O Planalto quer elevar o valor dos benefícios — trabalhava-se com o limite de R$ 300; Bolsonaro voltou a falar em R$ 400 — e também pretende ampliar o número de beneficiários.

Neste ano, o Bolso Família corresponde a R$ 34,9 bilhões. A pretensão é elevar esse valor em R$ 25 bilhões. As famílias atendidas saltariam de 14,7 milhões para 17 milhões. Na MP que será entregue, o governo deve especificar critérios de atendimento, mas ainda sem definir valores.

Bolsonaro, está claro, vai avançar no caixa em busca de votos. Além dos R$ 25 bilhões a mais para o Bolsa Família rebatizado, quer R$ 26 bilhões para a isenção total do diesel, R$ 5 bilhões para o reajuste do funcionalismo; R$ 7,7 bilhões que sobrariam em decorrência da reforma tributária e mais R$ 3 bilhões para o vale-gás. Bem, isso tudo não cabe no Orçamento. É preciso liberar recursos de outro lugar. De onde?

CALOTE DOS PRECATÓRIOS
E aí que entra o segundo texto que deve levar à Câmara: a PEC dos Precatórios. Trata-se de dívidas da União, passivos com julgamentos que já transitariam em julgado, que têm de ser pagas. Paulo Guedes já deu a fórmula de como pretende encarar a questão: "Devo, não nego; pago quando puder".

Imaginem se isso fosse levado como divisa e norte nas relações privadas, não é? O governo vai propor uma formula de parcelamento, criando o que é, notem bem!, uma regra para o calote. O "pago quando puder" implica que algumas coisas simplesmente não serão pagas.

A conta é salgada: saltou dos R$ 55,4 bilhões neste ano para R$ 89,1 bilhões no Orçamento do ano que vem. Aí não sobraria grana para o "Bolsonaro reeleitoral", certo? Então se vai apresentar a PEC para tentar escalonar os pagamentos.

As duas propostas dependem do Congresso. A MP do novo Bolsa Família tem de ser convertida em projeto de lei, que fica sujeito a emendas. O mesmo acontece com a PEC dos precatórios. De toda sorte, o presidente já evidenciou que pretende avançar no caixa em busca de votos.

A FÓRMULA BOZO
Assim, vai se evidenciando a, vamos dizer, "Fórmula Bozo" para tentar se reeleger. Não! Ele não vai desistir da agenda golpista. Que fique claro: ainda que venha a se reeleger -- e tanto pior se isso vier acontecer --, jamais vai abandonar o discurso contra as instituições. Se vier a ser bem-sucedido no pleito do ano que vem, investirá com ainda mais força na pregação disruptiva. Essa é sua natureza. A ladainha não depende de ele estar sendo bem ou malsucedido nas suas iniciativas e pretensões. É golpista na saúde e na doença.

Continuará a acusar o sistema eleitoral de inseguro, mesmo depois de a Câmara sacramentar a morte do voto impresso. Isso mobiliza seus milicianos. Inventará outras causas infecciosas, com a sua monumental e descarada disposição para a mentira, a exemplo da farsa lançada no fim da semana passada, que atribuía ao ministro Roberto Barroso a iniciativa de baixar de 14 para 12 anos a idade para o estupro presumido. De fato, em voto vencedor, o ministro fez rigorosamente o contrário: reafirmou o conteúdo da lei.

E daí? O chefe do Executivo não tem compromisso com os fatos. Assim, é provável que insista na inexistente fraude eleitoral, ao lado de outras indignidades, mas de olho na parte mais pobre dos votantes. Somando a parcela do eleitorado hoje imantado pelas palavras de ordem da extrema direita com aquela que ele espera capturar dos estratos de menor renda, aposta que conseguirá passar para o segundo turno e vencer a disputa no ano que vem.

A PERGUNTA E A RESPOSTA
"Bem, então, caso consiga se reeleger, aí ele sossega, certo? Poria fim à aventura golpista?" Não. As coisas piorariam muito. Não haveria pela frente a reeleição. Observem que ele não está aí para assegurar o modelo de alternância do poder. Tentaria levar adiante o que considera a sua "revolução" -- e teria, é bom lembrar, duas outras indicações a fazer para o Supremo Tribunal Federal.

Enquanto Bolsonaro não for contido pelas leis democráticas que ainda temos, seguirá representando um risco para a democracia. E este será estupidamente maior se vier a se reeleger.

Qualquer escolha que contribua para tornar viável a sua postulação corresponde a uma aposta contra a democracia, a liberdade e a civilidade.

É terrivelmente simples e complicado assim.