Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ao negar, Pastore admite ser o Guedes de Moro. Já deu errado se desse certo
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Como exclamou Macunaíma: "Ai, que preguiça!"
Sergio Moro anunciou que o seu orientador espiritual na área econômica é Affonso Celso Pastore. "Algo contra o homem, Reinaldo?" Nada. Apenas contra o procedimento. Mais uma vez se vive a ilusão de que uma figura com as características de um "outsider" — e Jair Bolsonaro era isso, não?; farei breve digressão ao fim do texto — pode vir para resolver os problemas políticos do Brasil, moralizando "a cambada". Mas, como nada entende de economia, então terceiriza a área para um técnico.
Há nesse papo-furado a ilusão de que existem escolhas econômicas que são neutras, ditadas apenas pela técnica. Como se a política não pudesse ser definida como a organização das pessoas em grupos e correntes de pensamento para disputar o bolo econômico por intermédio da luta pelo poder.
Não existe política econômica "de Guedes". Como não existiria "a do Pastore". Sempre será a do governante de turno ou, no caso de um sistema parlamentarista, da coalizão que comanda o Executivo. E sempre atenderá a interesses. Oh, não! Isso não exclui que possa haver a intenção genuína de elevar o bem-estar coletivo. O nosso ministro da Economia pode ser sincero quando acredita que seu liberalismo do século passado faz bem às pessoas... Não exerço juízo moral aqui, mas de resultado: faz bem?
Pois é... Pastore foi convidado a se manifestar sobre sua relação com Moro. E saiu-se com esta:
"Eu não tenho nenhuma pretensão de ser 'Posto Ipiranga' de ninguém. O que eu tenho feito com o ministro Moro é expor minhas ideias e ouvir os contrapontos. [...] O que me anima é que ele está disposto a me ouvir. Eu vou dizer o seguinte: ele tem uma noção muito clara dos problemas econômicos e é capaz de colocar perguntas inteligentes que encaminhem a discussão para respostas que façam sentido. É uma coisa muito diferente de uma relação de economista com alguém que não entende nada e não quer entrar na discussão."
Pastore é um homem inteligente e, como se vê, vaidoso. Não é, em si, um mal, a depender da função que desempenhe. Como se diz no meu interior, é uma característica que não "orna" muito bem com a política.
Antes que eu sugira que ele leia entrevistas de Paulo Guedes concedidas em 2017 e 2018, faço considerações sobre a sua fala. Lendo o que disse, ficamos sabendo de algumas coisas:
1: uma das virtudes de Moro é ouvir Pastore;
2: sobre os problemas econômicos, o ouvinte tem "noções claras". Nota à margem: Marx criticava Lassale, um contemporâneo seu, dizendo ser este um "caos de ideias claras";
3: Moro é esforçado: faz "perguntas inteligentes" -- e, pois, conclui-se, arranca respostas idem (é óbvio)...
Como se nota, ele diz não ser o Guedes de Moro, embora as suas afirmações não deixem a menor dúvida: está talhado para ser o... Guedes de Moro. Se desse... Não creio.
Costumo dizer que respostas que se resumem a questões meramente valorativas não têm a menor importância quando seria impossível dizer o contrário. É o caso, não? Pastore não poderia afirmar que Moro é um ignorante absoluto em economia, faz indagações erradas e não presta atenção às respostas. Logo, o elogio não faz sentido. A parte relevante da sua afirmação, aí sim, é a anunciada disposição de seu aluno para a sujeição intelectual.
Sujeição que, como é evidente, deixaria de existir — se Moro se tornasse presidente — diante da primeira dificuldade incontornável no Congresso.
Observem: importa-me menos a ignorância de Moro sobre economia do que a repetição de um enredo que está dando escancaradamente errado. Também a dupla Bolsonaro-Guedes viria para resolver o problema. O atual ministro da Economia tem até mais disposição para os chutes filosóficos e sociológicos do que Pastore. Até hoje Guedes insiste num suposto casamento de "conservadores e liberais" que teria posto fim a 30 anos de triunfo das esquerdas, em seus vários tons de vermelho.
Convenham: o ministro ainda é o melhor propagandista que os esquerdistas podem ter, se é que me entendem.
Ah, eu me lembro de Guedes, então futuro ministro da Economia, a antever um governo sem acordos com o centrão, buscando apoio no Congresso na articulação com as bancadas temáticas... Vinha junto com o tal trilhão de reais em privatização... Guedes se acha um sucesso irrepetível até hoje, e confesso que tenho perdido progressivamente o interesse por ele porque faz avaliações que nem são mais deste mundo. Mas o fato é o seguinte: inexiste presidente da República que troque a sua base no Congresso pelo seu ministro da Economia. Pode até ficar com os dois. Desde que pague o preço.
Procurem as entrevistas concedidas por Guedes no fim de 2017 e início de 2018. A exemplo do que faz Pastore com Moro, elogiava a disposição do "capitão" para aprender e suas boas intenções. Até cheguei a chamá-lo de candidato a Pigmaleão de Bolsonaro: tinha a ambição de fazer uma estátua falar...
Moro já encarnava o que há de pior no direito nas democracias, especialmente quando no Judiciário ou no Ministério Público: a ideia de que se pode atropelar a formalidade legal para fazer justiça — ao menos é o que se vende aos parvos. Seria detestável ainda que não estivesse, como sempre esteve, num projeto político, que ora se escancara.
Hoje pré-candidato, seus adoradores transformaram o verdugo do estado de direito num herói perseguido por supostos defensores da corrupção. Seus fanáticos não ficam nada a dever aos do bolsonarismo em ânimo persecutório, fúria depredadora e violência retórica.
Que deserdados do bolsonarismo caiam nessa conversa, vá lá. Ver analista que tem algum compromisso com os fatos a saudar que o ex-juiz tenha um "guru econômico", bem, aí é mesmo do balacobaco!
Convenham: não é só Bolsonaro que é incapaz de aprender com a experiência. Muitos de seus críticos se mostram incapazes de aprender alguma coisa com Bolsonaro. Não porque este possa ser um bom professor. Mas porque é a expressão irretocável de um arranjo que deu errado.
DIGRESSÃO AO FIM DO TEXTO
Prometi no primeiro parágrafo e cumpro. Embora Bolsonaro fosse deputado havia 28 anos e tivesse três filhos políticos, era visto como um outsider, sim. E de duas maneiras principais:
a: não tinha vínculos com as elites políticas do país. Não tinha mesmo. Tomo a palavra "elite" na sua acepção positiva. Moro também não tem;
b: o agora presidente era considerado um idiota disfuncional por parte considerável dos militares que abraçaram a sua candidatura e por setores da elite. Também Moro, embora tido como mais preparado (contesto a avaliação...), é visto como um bobalhão que poderia ser controlado até por Álvaro Dias.
Ora... Deem superpoderes a um cretino e inicie a contagem regressiva para que ele se declare um Schopenhauer ou revele a intenção de ser o emir de Roraima.