Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
PEC da 2ª instância e o dom de Moro de emburrecer o país. Como seu ex-chefe
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A volta de Sergio Moro à cena devolveu amplos setores da imprensa aos piores tempos da lavajatismo, como se a Vaza Jato, que revelou as conversas ilegais e indignas do então juiz com o coordenador da força-tarefa, nunca tivesse existido. Deltan Dallagnol, diga-se, filia-se nesta sexta ao Podemos. Também ele vai disputar eleições. Acusei, ainda em 2014, o viés político da operação. Paguei um preço altíssimo. A história não me dará razão. Já deu.
A militância em favor do pega-pra-capar judicial que essa gente encarna — e em proveito próprio, constata-se — está tão entranhada na pena de alguns que é de se indagar se percebem as aberrações que sustentam. Nesta quarta, Fábio Trad (PSD-MT), relator da PEC da segunda instância, retirou-a da pauta porque partidos substituíram membros da comissão especial favoráveis ao texto por outros contrários.
O procedimento foi chamado de "manobra" e se emprestou a ele um aspecto espúrio. Ora, isso é uma rotina no Congresso quando se quer aprovar ou rejeitar determinada matéria. Mais: atribuiu-se a decisão ao "centrão", como se este tivesse um comando único. E o conjunto da obra foi tachado de apologia da impunidade. A ação, ademais, seria uma reação a Moro, este paladino da moralidade.
É uma mistura de burrice e desinformação. Essa PEC nem deveria estar tramitando. "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". É o Inciso LVII do Artigo 5º, que é cláusula pétrea, segundo o Artigo 60. Aí se opera um truque: "Trânsito em julgado se dará depois da segunda instância". É coisa de "novilíngua orwelliana". Ora, se "trânsito em julgado", que supõe o fim da linha, é o que se quer que ele seja, poderia se dar até depois da primeira instância. Ou sem instância nenhuma. Sistema em que prisão preventiva pode ser prorrogada indefinidamente já conta com uma espécie de "trânsito em julgado" ditado pelo arbítrio.
Omite-se da opinião pública que se pode decretar a prisão preventiva em qualquer fase do processo e até sem ele. Basta que haja motivos. Mas o tema virou um fetiche porque está na raiz tanto da prisão — inconstitucional! — como da soltura de Lula, embora uma coisa e outra não tenham nenhuma relação com a anulação das condenações e com a suspeição de Moro.
Estamos diante de um pesadelo da inteligência moral. Há mais de 800 mil presos no país. Passam de 40% os que estão encarcerados sem condenação. Um Brasil decente soltaria presos em vez de fornecer mão de obra barata para os partidos do crime. Idiotas e oportunistas querem prender mais. "Não, Reinaldo, queremos prender as pessoas certas!" Claro! De preferência aquelas que poderiam impedir os carcereiros de ganhar eleições. É a "Escola Ortega de Rigor Jurídico".
Na quarta, divulgaram-se dados da pesquisa Genial-Quaest. Lula venceria no primeiro turno em todas as simulações. O dado foi solenemente omitido pela imprensa profissional. Preferiu-se anunciar que Moro se consolidava como candidato da terceira via, embora, num cenário, ele repetisse, dentro da margem de erro, a performance de outubro e, no outro, a de novembro. Segue sendo o segundo nome mais rejeitado. Dizem conhecê-lo e não votar nele 61% dos entrevistados. Só Bolsonaro o supera nesse ranking negativo, com 63%. Pode vir a se consolidar? Pode. Mas a pesquisa ainda não diz isso. Sem novidade, pois.
Em entrevistas — e como ele concede exclusivas! Quer uma, leitor? Basta pedir! —, o pré-candidato do Podemos volta a defender um tribunal de exceção para punir corruptos, que seria definido por organismos internacionais, e quase ninguém se escandaliza com a aberração porque muitos estão ocupados em adorá-lo, em censurar Lula por causa de suas opiniões sobre a Nicarágua ou em acusar o enésimo discurso negacionista de Bolsonaro. Parece que Moro, além de objeto de devoção, deve contar também com o monopólio da estupidez tolerada.
Ah, sim: sabem por que o STF anulou condenações de Sérgio Cabral e Eduardo Cunha? Porque o exercício porco da Justiça favorece duas coisas: as anulações e a emergência de justiceiros picaretas, que depois acabam na política, gritando "impunidade!", sob o aplauso de tolos sinceros e de vigaristas do cálculo.