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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nota da A&M sobre contratação de Moro reforça a necessidade de investigação

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

25/01/2022 04h29

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Eu não teria sobre Sergio Moro uma impressão — ou, a rigor, avaliação — muito melhor do que a que tenho se ele tivesse deixado o governo para trabalhar numa empresa ou escritório sem nenhuma relação com a Lava Jato. Os grandes pecados políticos, éticos e morais, ele já os teria cometido: mandar às favas o Código de Processo Penal, condenar sem provas, usar a magistratura e o combate à corrupção como meros trampolins políticos. E, como sabem, apontei tudo isso tempestivamente, razão por que a Lava Jato tentou se vingar de mim. Quebrou a cara. Não deu certo. Na verdade, deu muito errado.

Assim, ainda que não tivesse ido ganhar a bolada secreta na Alvarez & Marsal, Moro já teria se revelado para mim imprestável para a vida pública. E, pensando o que penso, também para as relações privadas. Não confio em quem transforma a palavra empenhada em mera alegoria de mão. Quantas vezes jurou que jamais seria candidato? Mas ele tem uma explicação: "A conjuntura mudou..." Bem, por esse caminho, a palavra de um homem se escreve na água com o vento, para lembrar um poeta. Afinal, a conjuntura sempre muda.

Os "especialistas" de Moro em opinião pública e seus milicianos virtuais inundam as redes com ofensas aos críticos — parte considerável dessa mão de obra fez campanha para Bolsonaro em 2018 — e com a máxima estupefaciente de que só estão falando sobre os ganhos que ele obteve na Alvarez e Marsal porque é candidato.

Cada um fale por si: no dia 2 de dezembro de 2020, não se cuidava ainda da sua candidatura e cobrei que se abrisse uma investigação sobre a sua contratação pela A&M. Vejam, por exemplo, este vídeo. Mas noto: é claro que o fato de o ex-juiz ser candidato torna a questão especialmente relevante porque é próprio de quem anseia esse lugar na política prestar contas dos seus atos e evidenciar coerência entre discurso e gesto.

Qual foi, afinal de contas, o, vamos dizer, centro nervoso conceitual da Lava Jato? Todas as empresas que participaram de financiamento de campanha o fariam por interesse e esperariam contrapartida daqueles que recebiam doações. Logo, toda doação implicaria, necessariamente, corrupções ativa e passiva. No caso da Petrobras e de outras estatais, todo e qualquer desvio — e eles existiram aos montes — pressupunham a responsabilização objetiva de quem estava no comando, estivesse ou não caracterizada a interferência do acusado em determinado malfeito. Pura barbárie penal.

Leiam a sentença em que Moro, mesmo admitindo não haver provas, condena Lula. Ele lista malfeitos reais e supostos na Petrobras e busca caracterizar a ligação daqueles que os praticaram com o ex-presidente. De alguma maneira, algum vínculo sempre existia porque eram pessoas oriundas também do mundo político. Mas nem ele nem o MPF conseguiram apontar: "Neste ponto, o líder petista concedeu tal benefício à OAS, que, como contrapartida, lhe deu um apartamento". Ao contrário: a Alvarez & Marsal, onde Moro iria posteriormente ganhar sua bolada, asseverava, como recuperadora judicial da OAS, que o imóvel pertencia à empreiteira.

POIS BEM...
Eis que o ex-juiz estrela da Lava Jato e ex-ministro da Justiça, tendo milhares de escritórios à sua disposição e podendo, com um pouco de dedicação, ele próprio, montar o seu decide ir trabalhar justamente na empresa que fazia a recuperação judicial de empreiteiras que a Lava Jato havia quebrado. O Moro que não hesitou em condenar sem provas e em transformar meras ilações em sentença de morte política para muita gente reage, diante das indagações sobre quanto ganhou na A&M, como se a Alma Imaculada estivesse tendo a sua honra manchada.

Com a devida vênia, ele tem experiência em desconversa. Quando as reportagens do Intercept Brasil e parceiros vieram a público, na chamada "Vaza Jato", evidenciando as relações espúrias entre o órgão acusador e o juiz, Moro não disse que as conversas eram mentirosas — até porque muitos dos diálogos estavam atrelados a eventos e agenda. Preferiu afirmar que não reconhecia as conversas como autênticas, sugerindo que poderiam ter sido adulteradas — e também isso se provou falso. Quando se tornou público o conteúdo da Operação Spoofing, que ele próprio mandou deflagrar, então se teve a prova dos noves de que o juiz atuava fora do devido processo legal.

Com ou sem a candidatura de Moro, a sua contratação pela Alvarez & Marsal é uma excrescência. Ajudou a evidenciar, diga-se, que o "paladino da luta contra a corrupção" estava, vamos dizer, numa jornada muito pessoal do ponto de vista político e, por óbvio, financeiro. O agora candidato, aparentemente alheio ao desastre que a Lava Jato provocou num setor da economia e aos prejuízos efetivos que trouxe ao país — não por combater a corrupção, mas por quebrar empresas em série —, opta por sonegar a informação sobre seus ganhos, alega tratar-se de relação entre privados e confia no esforço dos antigos patrões para tentar matar o assunto. E o conjunto da obra só ajuda o dito-cujo a ficar mais robusto.

ESCLARECIMENTO DA A&M
A A&M divulgou nesta segunda um esclarecimento. Trata-se de um texto gigantesco. Infelizmente para Moro, nada esclarece e pode ainda levantar questões novas. A razão é simples: como a coisa em si é inexplicável, o único caminho é apelar a sofismas e falácias retóricas para tentar normalizar o absurdo.

Admite que, de fato, 75% do faturamento do seu braço voltado para a recuperação judicial vêm de empresas que foram alvos da Lava Jato — em verdade, são 78%. E nota que esse não é seu único ramo de atuação, o que é informação irrelevante para o caso. Tentando evidenciar que não há nenhuma forma de direcionamento e que tem uma atuação mais ampla no país também na área que interessa ao debate, observa que sua carteira comporta o gerenciamento da recuperação de 26 empresas, sendo que apenas seis pertencem a vítimas da Lava Jato. Pois é: então os alvos da operação são apenas 23% do total, mas respondem por 78% do faturamento?

A A&M vai adiante e lembra que muitas outas vítimas da Lava Jato estão em processo de recuperação judicial, mas não se tornaram seus clientes. Bem, só faltava deter o monopólio, não é? Mas atenção, senhores da A&M: ninguém está questionando os outros escritórios porque, até onde se sabe, não contrataram Moro ou outro figurão da Lava Jato. Vocês contrataram!

Ainda em sua defesa e na do ex-juiz e ex-ministro, a empresa americana lembra que quem toma a decisão sobre quem vai administrar a recuperação é o juiz que cuida da área — e não era Moro. Mais: destaca que o contrato é explícito ao vedar que ele atue em casos que passaram por suas mãos quando juiz. Isso só nos diz o óbvio: o agora candidato sabia muito bem onde estava se metendo, quais eram os clientes da A&M e estava atento ao risco que aquilo comportava. Portanto, não se podem alegar desconhecimento ou distração.

Se a intenção da A&M era ajudar Moro, parece-me que a nota só põe mais lenha na fogueira. Fosse quem fosse a personagem, é claro que as relações seriam impróprias. Em se tratando do juiz que mergulhou o país na voragem da caça aos corruptos e que provocou uma razia no sistema político, o caso se torna ainda mais escandaloso.

NÃO COMPREENDEM
Até alguns entusiastas da candidatura Moro estão descontentes com a sua determinação em não revelar os ganhos que obteve. Insiste em que a curiosidade só existe porque é candidato.

Desde o primeiro dia, reitero, cobro informações a respeito — e ele ainda não havia se apresentado para disputar a Presidência da República. As relações, que me parecem obviamente impróprias, tinham de ser investigadas porque isso é do interesse, para começo de conversa, do Poder Judiciário. Ou permitiremos que justiceiros abusem das prerrogativas que têm como juízes ou como membros do Ministério Público para construir a própria carreira e para se lançar e aventuras políticas?

Quando se é candidato, aumenta a obrigação de prestar contas. É simples,

Pergunta final: a Alvarez & Marsal está de olho em outros "paladinos da moralidade" para futuras contratações?