Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Com medo do Coaf, Moro cede e pede 2 dias para dizer quanto ganhou da A&M
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Vocês podem não acreditar, dadas as vezes em que as contingências me impõem falar a respeito, mas acho Sergio Moro, por si mesmo, um assunto aborrecido. Não se mostra especialmente culto, inteligente ou, sei lá, bem-humorado. Saber fazer rir é uma qualidade. Moro é chato e sem imaginação. Repete fórmula, inclusive na pré-campanha eleitoral, como um autômato. Suas considerações sobre o direito, em público ou por baixo dos panos, como a Vaza Jato revelou, expressam as ambições autoritárias de um tabaréu de província com vocação para o mando.
Mas tenho de falar a respeito do cara, sim! Afinal, com ele, vêm as circunstâncias. O que me importa é a figura de um ex-juiz que vira ministro daquele cuja eleição viabilizou ao condenar, sem provas, seu adversário. Em seguida, essa figura salta do governo para o grupo empresarial que faz a recuperação judicial de empresas que ele próprio quebrou como juiz.
Ainda que Moro se chamasse Raimundo, não haveria solução para o seu caso, candidato ou não. Defendo que responda a inquérito desde dezembro de 2020, quando a Alvarez & Marsal fez o anúncio da contratação. Até ontem, Moro resistia a revelar os valores que ganhou da A&M. A situação começou a ficar insustentável. O Ministério Público que atua junto ao TCU sugeriu que o tribunal apelasse ao Coaf e ao Banco Central para ter os dados que Moro e a A&M sonegavam. O candidato, então, preferiu falar...
Nesta quarta, anunciou que conta tudo, mas só na sexta. E pede que procurem em suas redes o horário e tal. Não me surpreende que, sem saída, veja-se obrigado a falar alguma coisa. Eu só não sabia que a verdade tem, vamos dizer, hora marcada. Pelo visto, sim! Longe de mim desconfiar de que precise de um tempo até encontrar uma versão conveniente.
Moro tornará público o contrato? Vai se limitar a divulgar um valor? O dado será ou não verificável? Bem, não vou tentar adivinhar. O doutor é mestre na dissimulação, como já ficou evidente no caso da Vaza Jato. Como é mesmo? Ele não dizia que aqueles diálogos eram falsos. Apenas se negava a admitir que eram verdadeiros. Entenderam?
Moro já diz por aí que as pessoas se surpreenderão porque os ganhos obtidos na Alvarez & Marsal estariam muito longe dos milhões imaginados. Eu, por exemplo, não imagino nem isso nem aquilo. Se tivesse ganhado R$ 10, eu diria: "Esse dinheiro é ilegítimo. A empresa em que você trabalha pertence ao mesmo grupo que tem um braço que faz a recuperação judicial de empreiteiras que você quebrou".
VÍDEO
Moro gravou um vídeo em que a anuncia a verdade com dia marcado. Defende-se de uma acusação que não foi feita: "Vou mostrar que não recebi nada de empresa investigada na Lava Jato; quem fala isso mente". ACONTECE QUE NINGUÉM FALA ISSO! Quem fez essa acusação? Não! A questão é outra. Empreiteiras pagam uma bolada a um braço da A&M, e o grupo contratou Moro. Só faltava haver pagamento direto, não é mesmo?, com pix...
O tal vídeo começa com uma fake news, que virou um instrumento para o pré-candidato atacar Lula, seu oponente. Afirma:
"O PT e o Centrão queriam me investigar por uma CPI. Já desistiram porque sabem que não iam encontrar nada de errado e iam quebrar a cara".
Meu Jesus!
Essa primeira frase é de trincar as catedrais. Além de essencialmente mentirosa. "Queriam me investigar por uma CPI"??? Que língua ele fala? Mas dá para entender o que quis dizer. Os "spin doctors" de Moro — gente especializada em torcer a verdade para tentar transformar em boa uma má notícia — conseguiram emplacar nas redes a mentira de que Lula ordenou que os petistas desistissem da CPI. E aí o ex-juiz escreveu que o petista "arregou". Papo furado.
Se PT e Centrão quisessem, haveria número para instalar não uma, mas duas CPIs. São necessários 171 deputados. Ocorre que, em ano eleitoral, é sempre uma operação complicada. Sem investigar nada, como é que os dois grupos de que fala Moro saberiam que iriam quebrar a cara?
O pré-candidato do Podermos dá a entender que uma CPI lhe seria benéfica. É mesmo? Então coloque seus partidários para colher assinaturas... Isso é, obviamente, uma tolice mentirosa. E noto: é claro que defendo a investigação.
ATAQUE AO TCU
Moro afirmou o seguinte sobre Bruno Dantas, ministro do TCU, relator da apuração:
"Tem um ministro do TCU que quer investigar o que eu fiz no setor privado, depois que deixei o cargo de ministro da Justiça. É um abuso esse processo. Cheio ali de ilegalidades"
É? Então lute, valente! Não deixe que as "ilegalidades" prosperem. Tivesse ido trabalhar num grupo sem relação comercial com empreiteiras que você quebrou — e você admitiu que comandava a Lava Jato —, certamente ninguém iria querer saber de nada. Mas você escolheu justamente a A&M.
Moro é autoritário e não parece especialmente iluminado por aquilo que Camões chamava "dons do pensamento". Observem que ele classifica a apuração de que Dantas é relator de "abuso"; diz ser "ilegal". Mas emenda na sequência:
"De todo modo, eu quero ser transparente. Eu quero acabar com essa história e com todas essas mentiras. Eu vou divulgar na sexta-feira todas essas informações: quanto que eu ganhei, quanto que eu recebi (...)"
De saída, você e eu estamos curiosos para saber a diferença entre "ganhei" e "recebi". Mas o ponto não é esse agora. Ora, se ele próprio diz que vai divulgar uma informação que o TCU quer saber e se sustenta que o faz para "ser transparente", então admite a falta de transparência. Se transparente a sua relação com a A&M não é, então o TCU, à diferença do que ele diz e de acordo com o Artigo 37 da Constituição (entre outros), cumpre o seu dever e não comete nem abuso nem ilegalidade.
Vejamos o que vem na sexta e quanto risco está disposto ainda a correr.
Volto ao começo: Moro é um porre! Mas ele é importante porque é a expressão maior de um tipo muito particular de corrupção, no sentido primeiro da palavra: representa a deterioração do Poder Judiciário, do estado de direito e do devido processo legal.
Se outros como ele prosperarem, quem se dana é a democracia. Lembrem-se quão perto passamos do perigo. Como é evidente, o ogro que nos governa foi gerado no intestino da Lava Jato.