Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pergunta e resposta provam, além de quaisquer dúvidas, aberração de Aras
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O procurador-geral da República, Augusto Aras, está fazendo um mal imenso aos que defendem o devido processo legal e, potencialmente ao menos, põe a democracia em risco. Ficou conhecido como crítico da Lava Jato — e qualquer defensor do ordenamento jurídico o é —, condição essa que, infelizmente, vem se misturando com suas decisões omissas, lenientes, permissivas, absurdas mesmo, quando o objeto da causa é o presidente Jair Bolsonaro.
O pedido de arquivamento do inquérito que investiga a quebra de sigilo na apuração da invasão do sistema do TSE por hackers é moralmente escandaloso, além de manifestamente ilegal — porque, afinal, contrário ao que dispõe a lei. Sua tese é esdrúxula: não tendo havido a decretação de sigilo por um juiz, diz ele, então sigiloso não é.
Aras assumiu sem reservas a tese da defesa de Bolsonaro. Ocorre que, a estar certo o procurador-geral, não há mais sigilo em inquérito nenhum, e investigações que estão ainda em curso, como era o caso, podem ser levadas à praça pública e submetidas a toda sorte de proselitismo.
O mais impressionante é que a delegada Denisse Ribeiro já havia enfrentado essa questão e afirmado com acerto:
"O inquérito policial, ao contrário do processo judicial, possui como regra o sigilo, conforme doutrina majoritária, posicionamento dos tribunais (inclusive súmula 14 do STF) e diante do Artigo 20 do Código de Processo Penal".
Cumpre, então, lembrar o que diz o Artigo 20 do Código de Processo Penal:
"Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade."
É claro o bastante para ser inquestionável. Tal Artigo dispõe de um parágrafo único que petrifica, além de qualquer especulação, o espírito da lei quanto ao sigilo do inquérito:
"Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que Ihe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior."
Assim, uma investigação que está em curso não pode se prestar a qualquer tipo de instrumentalização, nem mesmo sob a alegação de que se busca evitar um dano potencial em benefício de quem solicita o atestado de antecedentes.
A decisão é uma aberração.
AINDA MAIS GRAVE
As coisas não param por aí. Bolsonaro não manifestou mero interesse em saber o que estava em apuração -- reitere-se: investigação em curso, não concluída. Emprestou à coisa um conteúdo que não tinha. Mentiu abertamente sobre o propósito do inquérito e lhe atribuiu um caráter conclusivo que absolutamente não tinha.
Se alguma ilação se podia fazer a partir do estágio em que se encontrava a apuração, ela apontava para o exato oposto das afirmações que fez: não havia qualquer sinal de manipulação do resultado das urnas.
Quebrou, pois, o sigilo do inquérito, mentiu sobre o seu resultado e pôs essas ações — a lei não hesita em chamá-las de "criminosas" — a serviço de um outro crime: acusar o sistema eleitoral de fraudulento, o que atenta, aí sim, contra o regime democrático.
O mais espantoso é que o próprio delegado que conduzia o inquérito — INCONCLUSO, REITERE-SE — afirmou em depoimento que não havia nenhuma evidência de manipulação de votos.
HIPÓTESE, PERGUNTA E RESPOSTA
Se alguém quer saber se o procurador-geral acerta ou erra em sua decisão, cumpre, então, que, por hipótese, passemos a considerar normal e legal o que se deu: qualquer um, segundo o que lhe dá na telha, acessa inquéritos em curso, passa adiante dados que podem prejudicar a investigação e ainda mente sobre o seu conteúdo.
Doutor Aras, isso pode ou não?
Só uma resposta é possível: "Não!"
Mas o presidente pode?
A Alexandre de Moraes, o relator, não resta alternativa a não ser mandar arquivar porque, afinal, o titular da ação penal diz não ver nada de errado no procedimento. Isso não impede que nova investigação seja aberta se os autos indicarem evidências de crimes outros não contemplados na decisão do procurador-geral, a exemplo do que se deu com o inquérito dos atos antidemocráticos.
Aberto a pedido do próprio Aras, ele mesmo pediu o arquivamento, a despeito de evidências de atuação criminosa das milícias digitais, em associação com o tal "Gabinete do Ódio", que atua dentro do Palácio. Moraes teve de mandar arquivar. E determinou a investigação das tais milícias.