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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

3ª Via é refém da tese que a destrói: a falsa equivalência Lula-Bolsonaro

Lula e Bolsonaro, que hoje disputariam o segundo turno da eleição presidencial. Até agora, nada de terceira via -  Marlene Bergamo - 26.abr.2019/Folhapress e Adriano Machado - 10.mai.2021 /Reuters
Lula e Bolsonaro, que hoje disputariam o segundo turno da eleição presidencial. Até agora, nada de terceira via Imagem: Marlene Bergamo - 26.abr.2019/Folhapress e Adriano Machado - 10.mai.2021 /Reuters

Colunista do UOL

22/02/2022 07h30

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Aqueles que se identificam com a tal "terceira via" — ou que assim são chamados, tenham viés de esquerda ou de direita — parecem esperar, às vezes, que um Cavaleiro da Luz irrompa no que seria um mundo das trevas para trazer a verdade, pondo fim à tal "polarização". Fico um tanto impressionado que se mantenham agarrados a uma tese que não encontra amparo no mundo dos fatos.

Mais uma pesquisa — CNT-MDA, divulgada ontem — aponta para um segundo turno entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), sem haver nem mesmo sinais de que esse padrão possa ser rompido. Uma conclusão é óbvia: com o discurso que os postulantes à "terceira via" têm hoje, não conseguem arregimentar um número suficiente de brasileiros para sustentar as suas visões de futuro. Levantamentos os mais diversos têm sido feitos o tempo todo. E o padrão se repete. Sergio Moro, que ambicionou tomar do presidente a bandeira da extrema direita, contou com um verdadeiro exército de torcedores em certo colunismo, todos dedicados a um diligente trabalho de torturar os números, mas, tudo indica, não encontrará o pote de ouro.

Antes que avance, vou aqui relembrar dados já expostos no post anterior.

Na pesquisa de dezembro, o ex-juiz contava com 8,9% dos votos — agora, com 6,4%, numericamente abaixo dos 6,7% de Ciro Gomes (PDT), que marcava só 4,9% em dezembro. Lula aparece com 42,2% (42,8% em dezembro), e Bolsonaro marca 28% (antes, 25,6%. João Doria (PSDB) ainda tem uma pontuação de nanico: mantém 1,8%. As mudanças, quando há, situam-se na margem de erro ou bem perto.

Há dados parciais da pesquisa que, em estando certos, indicam que o eleitorado pode estar se mexendo: no Nordeste, a vantagem de Lula aumentou. Agora é de espantosos 45 pontos (61% a 16%), mas há empate técnico entre o ex-presidente e o atual, com o petista numericamente à frente, no Sudeste (33,7% a 31,8%) e no Norte-Centro Oeste (35.3% a 34.3%). Em dezembro, o líder petista mantinha uma vantagem de 9 pontos nas duas regiões. Agora, respectivamente, de 2 e 1. No Sul, a dianteira caiu de 12 para quase oito pontos (39,5% a 32,1%).

Uma possível recuperação do prestígio de Bolsonaro fica mais clara quando se analisam os dados do segundo turno. A diferença em relação a Lula caiu: de 52,7% a 31,4% para 53,2% a 35,3%. Registre-se: o petista mantém a distância em relação a Moro: 52,2% a 29,2% — antes, 50,7% a 27,4%. O mesmo se dá com Doria: 54,9% a 16,7% — em dezembro, 53,5% a 14,7%.

No confronto com os demais candidatos, o avanço do atual presidente é nítido: em dezembro, perdia para Ciro por 43,2% a 33,7%. A diferença caiu no mês passado: 38,6% a 33,4%. E agora estão em empate técnico, com o pedetista com o índice maior: 41,9% a 37,9%. Moro aparecia numericamente à frente de Bolsonaro em dezembro: 33,8% a 30,4%. Agora, as posições se inverteram: 35,6% a 34%. Em dezembro, Doria raspava no empate técnico com Bolsonaro: 36,3% a 33,5% para o presidente. Em dezembro, o tucano encolheu bem, e o atual mandatário, um tantinho: 34,8% a 25,2%. Nesta jornada, o governador de São Paulo cresce: 29,8%, mas o presidente avançou mais: 41,1%.

RETOMANDO O PONTO
Uma outra pesquisa igualmente respeitável pode não endossar essa eventual recuperação de Bolsonaro? É até possível. Mas duvido que algum levantamento vá indicar, dados os discursos até aqui, que um nome desponte como alternativa a Bolsonaro ou, o que parece ainda menos provável, a Lula. Por que é assim? Vamos a algumas hipóteses.

A cada vez que postulantes da dita "Terceira Via" criam, por exemplo, equivalências morais entre Bolsonaro e Lula — que é o substrato do discurso "nem-nem" —, creio que a fala atinge aqueles que já se converteram à tese (em número minoritário), e depois ecoa no deserto. Se o que buscam é o público que não se deixa seduzir pelas "fake news" do Capitão, então é preciso abrir mão dessa mentira essencial. Ah, sim: petistas, por óbvio, rejeitam a semelhança. E os bolsonaristas da gema também.

Mas pensemos no eleitorado não militante ao ouvir certos disparates.

Alguém é mesmo capaz de sustentar a bobagem de que ser avesso a privatizações é o mesmo que se opor às vacinas? Alguém é mesmo capaz de sustentar que pregar o fim do teto de gastos é o mesmo que devastar a Amazônia ou incentivar o vale-tudo nos garimpos? Ainda que fosse verdade tudo o que Moro disse sobre o PT, alguém é mesmo capaz de sustentar que a herança petista equivaleria a mais de 640 mil mortos?

Essa conversa, que leio em alguns editoriais e em algumas penas furibundas, é um delírio estúpido. E, como se nota, convence pouca gente. Para começo de conversa, qualquer candidato a ser "terceira via", ou que nome tenha, deveria demarcar o terreno do nefando, do inaceitável, do execrável. "Como, você é do tipo que acha que bolsonarismo e petismo são males equivalentes?" Bem, então você jamais ajudará a achar a solução para a "polarização" que tanto lastima porque jamais será parte da solução. É, na verdade, um alimentador do que considera um problema.

Há, de resto, a sombra da hipocrisia nessa conversa: será mesmo que os que apontam essa "polarização" não estão se preparando, na verdade, para, num eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, referendar, mais uma vez, o nome do "Capitão"? Ou, então, buscando o conforto de "não votar em ninguém", o que corresponde — e nem preciso me estender a respeito — em ser conivente, pela omissão, com os crimes em curso no país?

"Ah, então você sugere, Reinaldo, que nós, candidatos a candidato da 'Terceira Via', ataquemos Bolsonaro, mas poupemos Lula?" Eu não dou conselho a ninguém. Eu os convido a constatar a ineficácia do discurso até aqui e a estabelecer uma real hierarquia de males. É claro que cada um de vocês se acha melhor do que os demais para comandar os destinos do país. Mas não corram o risco de ser um fator a mais de deseducação da população, minimizando os crimes do biltre com essa conversa de que os dois que lideram são males equivalentes e opostos.

E que fique claro, hein? Moro está fora do alcance dessas minhas considerações. Seu trabalho, até aqui impossível, consiste em tentar tomar de Bolsonaro o eleitorado de extrema direita. Como devem notar os demais postulantes, nem ele consegue ser eficaz nesse trabalho, embora o juiz incompetente e suspeito tenha sido o principal algoz de Lula.

O que digo ao candidato a ser "o" terceira via? Pergunte, em primeiro lugar, a si mesmo: "O que é que eu, de fato, não suporto e considero o nefando?" Se a resposta for "Bolsonaro", procure ajustar o discurso para que isso fique claro. E prossiga: "Agora, como é que posso combater Lula, que é um adversário, sim, mas não o nefando?"

Como? Você realmente acha que eles são iguais e, no fundo, vê mais razões para repudiar o petista?

Então vá brincar de outra coisa. Jamais vai ganhar a eleição.