Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
TCU mantém caso Moro e aciona PGR, Receita e DRCI sem bloquear bens por ora
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O ministro Bruno Dantas, relator no Tribunal de Contas da União do procedimento que apura a contratação de Sergio Moro pela Alvarez & Marsal, não determinou, por ora, o bloqueio de seus bens, conforme petição de Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Ministério Público de Contas. Dantas entende que a investigação ainda está em fase preliminar. Mas Moro tem muito pouco a comemorar. Em decisão tomada no fim da noite desta terça, o ministro determina:
1: remessa de cópia integral dos autos ao Procurador-Geral da República para que examine a matéria e, se entender ser o caso, determinar as providências para a sua apuração na esfera penal, cabendo também à PGR a própria avaliação sobre a pertinência do bloqueio de bens;
2: envio de parte dos autos à Receita Federal para que se examine a possibilidade de ter havido sonegação fiscal na forma de contratação do ex-juiz pela Alvarez & Marsal;
3: remessa de cópia integral dos autos ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para que avalie a pertinência de adotar medidas junto ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) sobre a atuação das empresas de Moro, do próprio ex-juiz e da Álvarez & Marsal.
E que fique claro: a apuração continua aberta no TCU, segundo a sua esfera de competência.
Num despacho de 16 páginas, o ministro desmonta com eloquente jurisprudência as críticas segundo as quais a apuração em curso não seria de competência do TCU porque a contratação de Moro pela Alvarez & Marsal seria mero assunto entre privados. O ministro anui que há aspectos do imbróglio que, com efeito, fogem ao escopo do tribunal: o criminal, por exemplo. Por essa razão, remeteu cópia dos autos à PGR. Há a questão fiscal a ser verificada, e isso é com a Receita. E, também no âmbito que lhe cabe, mobilizou o DRCI.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
Contratação de Moro seria mero assunto entre privados? Escreve o ministro:
"Não há qualquer dúvida de que a jurisdição do Tribunal abrange qualquer pessoa física, órgão ou entidade que utilize, gerencie ou administre bens públicos federais ou assuma obrigações de natureza pecuniária em nome da União. Da mesma forma, aqueles que derem causa a irregularidade de que resulte dano ao Erário".
A contratação de um ex-juiz ou um ex-ministro quaisquer por uma empresa qualquer seria mero assunto entre privados? Resposta: SIM! E o TCU não teria nada com isso. A contratação de Moro, que não é um qualquer — já que celebrou acordos de leniência quando juiz — pela Alvarez & Marsal, que também não é uma empresa qualquer — já que faz a recuperação judicial de empresas cujos acordos foram celebrados por Moro — continua assunto entre privados? Resposta: NÃO!
Considero, note-se, de uma espetacular ousadia que o agora candidato do Podemos à Presidência tenha se dado a tal desfrute. Com tanta empresa no mundo ansiosa por sua sabedoria, escolher a A&M é mesmo uma extravagância. Até porque o braço que o contratou no Brasil foi criado três meses depois de sua demissão do Ministério, no curso da sua quarentena.
Ainda que o subjornalismo morista tente esconder os fatos, o ministro lembra com clareza solar:
"Conforme consignado na petição que deu início a este processo, investiga-se a possível ocorrência de conflito de interesse na medida em que o ex-juiz, em um primeiro momento, atuou em processo judicial com repercussões na esfera econômica e financeira da empresa e, posteriormente, passou a auferir renda, ainda que indiretamente, no processo de recuperação judicial para o qual seus atos podem ter contribuído. Também foi suscitado que a atuação do ex-juiz pode ter repercutido no ressarcimento ao erário de valores devidos pela empresa em face do próprio acordo de leniência firmado".
Se alguém ainda não entendeu direito o que se deu, o ministro se encarrega de lembrar o que segue. Leiam com atenção:
"A história do acordo de leniência da Odebrecht, maior empresa enredada na Operação Lava-Jato é cercada de atos atípicos, como por exemplo a tentativa de cerceamento da atuação de órgãos de controle e fiscalização como o TCU e a Receita Federal, por iniciativa do Ministério Público Federal e com a chancela do então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, decisão estranhamente tomada sob sigilo, que somente foi revogada quando a imprensa brasileira deu cobertura do escândalo que ela significava e que o Presidente do TCU, ministro Raimundo Carreiro, peticionou solicitando a revogação".
Segue o ministro:
"Esse rol de perplexidades poderia ter se encerrado por aí, mas não foi o caso. Enquanto os procuradores da Operação Lava-Jato, liderados pelo Procurador da República Deltan Dallagnol alardeavam os bilhões de reais devolvidos ao Erário, as empresas do grupo Odebrecht entraram com pedido de recuperação judicial, o que significava que todos os créditos da União passavam à categoria de quirografários e, portanto, iriam para o fim da fila de preferência no caso de falência do grupo."
Esclarecendo ainda mais:
"Com o pedido de recuperação judicial, a empresa passou a deter como administradora uma empresa que posteriormente veio a contratar o juiz que homologou o acordo. Tal fato, que, ao final das apurações, pode se mostrar como lícito, no mínimo revela uma cadeia de coincidências que merecem um olhar mais atento daqueles que desejam que os negócios de estado sejam tratados às claras, e não em sigilo ou na coxia."
Moro e seus porta-vozes fingem que se está chamando de "questão pública" um mero contato entre privados. Não! É o SEU CONTRATO — e ele foi o juiz que celebrou acordos de leniência e determinou o destino das empreiteiras — com o grupo Alvarez & Marsal, que tem um braço que faz a recuperação judicial das... empreiteiras!!!
Aliás, sobre a natureza da empresa que faz a recuperação judicial, afirma Dantas:
"Nesse sentido (...), a atividade do administrator público é deveras relevante para os interesses coletivos e difusos, de modo que, muito mais do que interesses privados, o legítimo interesse público sobressaí de sua atuação."
De resto, alegar que, em circunstâncias como essas, o caráter privado de um contrato deveria afastar o TCU chega a ser argumento bisonho. Dantas destaca o óbvio:
"Aliás, diga-se de passagem, contratos privados muitas vezes são utilizados justamente com o propósito de legitimar condutas ilícitas. Este Tribunal inclusive já se deparou em diversas oportunidades com situações em que contratos privados de consultoria, advocacia, locação de equipamento, subcontratação se prestavam apenas a acobertar tais condutas".
Pois é...
O "comandante" da Lava Jato deveria saber disso, não?