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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Carta de demissão de Ribeiro diz por que jamais deveria ter sido nomeado

Bíblia editada pelo pastor Gilmar dos Santos traz a imagem do próprio lobista e também do então ministro Milton Ribeiro - Reprodução
Bíblia editada pelo pastor Gilmar dos Santos traz a imagem do próprio lobista e também do então ministro Milton Ribeiro Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/03/2022 05h16

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Há algo de patético na carta de despedida de Milton Ribeiro, agora ex-ministro da Educação. Mas não no sentido em que a palavra passou a ser empregada por aí: uma instância entre o ridículo e o vexaminoso, próprio de pessoas atrapalhadas, meio aparvalhadas, incompetentes, que nem sabem direito o nome das coisas que fazem. E olhem que Ribeiro é tudo isso também. Vê-se agora: é só um reacionário despreparado, que estava por ali, dando sopa na periferia do poder, com alguma pose, sem vínculos políticos muito claros, mas inexperiente o suficiente para estabelecer laços de intimidade com Jair Bolsonaro — o que, está demonstrado, é sempre um perigo.

Ribeiro é patético em sentido de dicionário mesmo -- aquele já empregado por Cecília Meireles em um belo poema, e nada de bonito há na patuscada de Ribeiro --, a saber:
"1: quem ou o que tem capacidade de provocar comoção emocional, produzindo um sentimento de piedade, compassiva ou sobranceira, tristeza, terror ou tragédia";
2: quem ou o que traduz comoção emocional, piedade, pesar, terror ou tragédia".

Não se vislumbram em Ribeiro, vá lá, terror ou tragédia, mas ele não deixa de despertar certa piedade compassiva, ainda que passe bem depressa. Parece-me claro que acabou metendo a mão em cumbuca. Mas convenham: quem não quer correr esse risco deve ficar longe de... cumbucas.

O ministro deixou uma carta de despedida, que reproduzo em vermelho, entremeada de comentários, em preto.

Dirijo-me a todos os estudantes, profissionais da educação, servidores e demais cidadãos brasileiros.
Desde o dia 21 de março minha vida sofreu uma grande transformação. A partir de notícias veiculadas na mídia, foram levantadas suspeitas acerca da prática de atos irregulares em nome do Ministério da Educação.
Tenho plena convicção que jamais pratiquei ato de gestão que não fosse pautado pela legalidade, pela probidade e pelo compromisso com o Erário. As suspeitas de que foram cometidos atos irregulares devem ser investigadas com profundidade.

Se o ministro não cometeu atos ilegais, próprios dos ímprobos, é certo que alguém cometeu. E essas pessoas tinham livre trânsito no seu ministério. Mais do que isso: em gravação que veio a público, ele deixou claro sua ordem de prioridades: atender aos municípios que mais precisavam e em seguida às cidades que estavam na lista do pastor Gilmar dos Santos, o companheiro do também pastor Arilton Moura, e ambos com livre acesso a seu gabinete por ordem, disse ele, do presidente Jair Bolsonaro.

Mais recentemente, solicitei também àquela Controladoria que auditasse as liberações de recursos de obras do FNDE, para que não haja dúvida sobre a lisura dos processos conduzidos. Cumpre ressaltar que os procedimentos operacionais relacionados à liberação de recursos pelo FNDE não são de competência direta do Ministro da Educação.

Não é a primeira vez que Ribeiro diz ter pedido o concurso da Controladoria Geral da União — não é mesmo, ministro Wagner Rosário? — como a dizer que suas decisões estavam, então, sob alguma forma de escrutínio, coisa de que não duvido. Mas escrutínio de quem e com que propósito? Acreditar que o então ministro ignorava a traficância da fé que se fazia em seu entorno nos remete a uma de duas situações: ou se comportava como um parvo, irresponsável, deixando que os vendilhões atuassem à vontade, ou, então, era conivente com a lambança, ainda que não obtivesse ganhos pessoais com o arreganhado tráfico de influência que se praticava na sua pasta. Não pode roubar. Mas também não é permitido deixar que roubem. Sigamos com ele.

São quatro os pilares que me guiam: Deus, família, honra e meu país. Além disso, tenho todo respeito e gratidão ao Presidente Bolsonaro, que me deu a oportunidade de ser Ministro da Educação do Brasil num momento transformador para a educação brasileira. Registro que, sob a condução do Presidente da República, tive a oportunidade de conviver com uma equipe de ministro altamente qualificados e comprometidos com a ética e a probidade públicas.

Pois é... Em algum momento, dois pastores resolveram se meter no quarteto "Deus, família, honra e país". A propósito: se o ministro estivesse certo, um ateu não poderia ser um bom titular da pasta. Ou, então, alguém que não seguisse aquele que sabemos ser o seu padrão de "família", que é a tal "tradicional", já exaltada por ele em outras oportunidades. Dispenso-me de fazer digressões sobre a sua noção de "honra" porque ele mesmo já o fez ao evidenciar que uma de suas tarefas era atender às solicitações do pastor Gilmar.

Momento transformador na educação? A área passa por um desmanche. Não estava sozinho, é verdade, no esforço de levar o Brasil à ruína. Sim, é espantoso — eis a experiência do patético — que venha a falar em "ética e probidade públicas" alguém que está sendo chutado do ministério por razões, sejamos claros, policiais! Este senhor é agora investigado num inquérito. A carta de demissão diz por que jamais deveria ter sido nomeado.

Assim sendo, levando em consideração os aspectos citados, decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a exoneração do cargo de Ministro, a fim de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do Governo Federal. Meu afastamento visa, mais do que tudo, deixar claro que quero uma investigação completa e isenta.

Tomo esta iniciativa com o coração partido. Prezo pela verdade e sei que a verdade requer tempo para ser alcançada. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica. Minha decisão decorre exclusivamente de meu senso de responsabilidade política e patriotismo, maior que quaisquer sentimentos pessoais.

Agradeço e despeço-me de todos que me apoiaram nesta empreitada, deixando o compromisso de estar pronto, caso o Presidente entenda necessário, para apoiá-lo em sua vitoriosa caminhada. Brasil acima de tudo!!! Deus acima de todos!!!

Que coisa! Pela ordem: não solicitou a exoneração; foi exonerado. Fosse por vontade, Ribeiro continuaria. Até porque como sabem ele e seu chefe, era um mero cumpridor de ordens. Ainda que as lambanças dos pastores o tenham incomodado num dado momento, sabia que uma de suas tarefas era facilitar a vida dos aliados de Bolsonaro. Era parte do seu "trabalho transformador", já resumido por Flávio Bolsonaro, que defendia a sua permanência: "combater o comunismo". Gilmar e Arilton eram soldados da causa.

A carta tem muito de parolagem oca para tentar enganar os trouxas. Diz afastar-se por querer "investigação completa e isenta". A menos que a Polícia Federal deixe de fazer o seu trabalho, a apuração teria como seguir seu curso ainda que ele continuasse no cargo. Só está saindo porque o monitoramento que o Planalto faz das redes sociais indica que o caso, como se diz por aí, "pegou". A população entendeu direitinho a lambança.

O agora ex-ministro andou conversando com advogados. Notem que ele tenta fazer uma distinção entre "responsabilidade política" — e já está sendo punido com a demissão — e a "outra responsabilidade", não citada, que é a penal. A investigação, nesse caso, nem começou.

Ribeiro andou condescendendo com coisas do arco da velha. Fotos sua foram parar em exemplares de "bíblias" editadas pelo pastor Gilmar. Fica difícil saber o que isso tinha a ver com a proclamada excelência do seu trabalho.

Para encerrar e lembrar: não foram as esquerdas ou os setores ligados à educação a denunciar as falcatruas que se davam à luz do dia na pasta comandada por Ribeiro. Não! O próprio centrão e membros da bancada evangélica começaram a se incomodar com a sem-cerimônia com que dois sapos de fora passaram a coaxar naquele brejo.

Como os pastores, o ministro e o próprio presidente da República não tomavam nenhum cuidado, não foi difícil evidenciar o escândalo.

Pois é... Na "live" de quinta, Bolsonaro disse que botava "a cara no fogo" por Ribeiro e sugeriu que o então ministro estava sendo atacado por gente que queria o seu lugar para enfiar a mão nos cofres públicos. O presidente sabe os aliados que tem porque, afinal, estão à sua altura.

O centrão, claro!, está de olho na segunda maior verba da Esplanada dos Ministérios.