Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Censura no Lollapalooza: Bolsonaro mandou PL retirar ação por maus motivos

Pabllo Vittar durante apresentação no Lollapalooza: cantora foi um dos alvos da ação do PL, da qual o partido agora desistiu - Rubens Cavallari/Folhapress
Pabllo Vittar durante apresentação no Lollapalooza: cantora foi um dos alvos da ação do PL, da qual o partido agora desistiu Imagem: Rubens Cavallari/Folhapress

Colunista do UOL

29/03/2022 07h53

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O ministro Raul Araújo já errou uma vez ao impor, na prática, censura aos artistas que se apresentaram no Lollapalooza. E o fez por intermédio de uma liminar de incríveis duas páginas e meia. Tamanha truculência em tão poucas palavras! Não pode errar de novo, atendendo a pedido do PL, que apresentou um requerimento para retirar a ação.

Como a liminar está em curso, entendo que ele pode fazer uma de duas coisas: a) declarar extinta a causa e ponto; b) levar a sua decisão ao pleno — e isso seria, sem dúvida, o melhor. Porque serviria, também, para o tribunal fixar de vez o entendimento sobre o que pode e o que não pode numa pré-campanha eleitoral. E, sobretudo, quem pode o quê. Sim, ele deve saber que sua decisão tende a ser derrotada por seis a um caso mantenha o seu voto inicial. Deveria fazer esse sacrifício pela democracia, não é? Seria um jeito de expiar seu pecado. (Atualização no fim do texto)

Jair Bolsonaro pediu que o PL desistisse da ação. Consta que o presidente ficou irritado com o partido, que recorreu ao tribunal sem consultá-lo. Há um coquetel de motivos nesse seu descontentamento. E nenhum deles tem a ver com apreço pela democracia.

Em primeiro lugar, houve uma reação brutal nas redes sociais, muito especialmente entre os jovens. Ainda que não tenha sido, até onde se sabe, o entorno de Bolsonaro a ordenar que se apelasse ao tribunal, o autor da ação é o partido ao qual se filiou o presidente, e seria ele o presuntivo beneficiário da censura... Pois é! Só colheu contrariedades.

Os shows estão de volta. A possibilidade de que sejam, a partir de agora, marcados por manifestações hostis ao presidente é gigantesca. Se o PL queria impedir que artistas ou mesmo o público se manifestassem contra Bolsonaro no Lollapalooza, conseguiu o efeito contrário e muitas vezes ampliado: não só as críticas continuaram no próprio festival como deve haver o "efeito contágio". Tratou-se, na verdade, de uma burrice.

"Ah, isso decide eleição, Reinaldo?" Não acho que decida e já escrevi aqui que o antibolsonarismo não pode confundir certas bolhas de opinião com o Brasil. Pode não ser decisivo, mas também não ajuda, não é?

Bolsonaro tem ainda outros motivos. Ele vive às turras com a Justiça Eleitoral. Para a metafísica que inventou, ele precisa ser sempre uma vítima do tribunal, não um beneficiário de uma decisão — que, de resto, é censura. Qual é a praia do bolsonarismo, que a cúpula do PL ainda não entendeu muito bem?

A bozolândia queria responder nas redes aos artistas críticos a Bolsonaro, criando as suas campanhas de ódio. Em certa medida, manifestações contra o presidente em ambientes que tendem a reunir um público mais à esquerda — um tanto distante do que os mínions entendem ser a "tradicional família brasileira" — são necessárias para manter a mística, compreendem? Quanto mais o dito "Mito" for demonizado em eventos dessa natureza, mais os seus fanáticos se assanham para criar as suas correntes.

O presidente e sua turma realmente preferem que a Justiça Eleitoral não se meta em coisas assim porque, em verdade, sonha com um mundo sem Justiça Eleitoral ou Justiça de qualquer natureza, sempre entendidas como entes que, nas palavras de Bolsonaro, "agridem a nossa liberdade". Ele não se importa muito de ser xingado desde que possa responder a seu modo.

A decisão de Araújo está estupidamente errada, sim. Em tese, beneficiaria o presidente. Mas o despacho lembra a Bolsonaro que, se a Justiça atuou de forma tão restritiva contra aqueles que são seus adversários, pode ser tão ou mais dura com ele próprio porque notório fraudador da Lei Eleitoral. Acreditem: o gênio que habita o Palácio do Planalto não teria nenhuma dificuldade em viver num mundo sem lei, em que vigorasse o vale-tudo. De certo modo, é o que advoga em muitos dos seus discursos.

É evidente que Bolsonaro não ordenou ao PL que retirasse a ação porque entende, afinal, que os Artigos 5º e 220 da Constituição restaram maculados — e assim foi — pela decisão do Araújo. Ele não está nem aí. Sua reação é só mais uma manifestação em favor de um jogo sem regras. Por isso defendo que a liminar seja julgada. Em favor dahs regras do jogo.

Atualização: Leio às 8h16, na coluna da Mônica Bergamo, que o ministro Raul Araújo atendeu o pedido do PL e revogou a própria liminar. Comento mais tarde no programa O É da Coisa desta terça.