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MP-TCU quer apuração da parceria "Transparência Internacional-Lava Jato"
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A história é um tanto intricada, o texto é longo, requer um pouco de paciência, mas vocês vão entender como o combate à corrupção no Brasil acabou entrando em alguns atalhos de perdição.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União entrou com uma representação para que se apure a natureza da relação entre a seção brasileira da Transparência Internacional e procuradores do Ministério Público Federal no DF. Juntos, planejavam dar uma destinação a recursos oriundos do acordo de leniência da J&F que, digamos, não estava prevista na legislação brasileira. E não se está aqui a falar de pouco dinheiro. A bolada era de R$ 2,3 bilhões. O que pede o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado em sua representação? Que o tribunal...
"decida pela adoção das medidas necessárias a apurar a notícia, publicada em 16/3/2021 no portal Consultor Jurídico, sob o título 'FGV acusa Transparência Internacional de usar fundação sem consentimento', de que, em 2017, o Ministério Público Federal, por meio de procuradores que atuavam no Distrito Federal, teria firmado memorando de entendimento com a seção brasileira da organização não governamental Transparência Internacional para, mediante utilização de mão de obra e estrutura da Fundação Getúlio Vargas - FGV, à revelia da direção daquela instituição, promover a realização de estudo visando à criação de uma entidade destinada a gerir os recursos obtidos mediante acordos de delação e leniência da holding J&F".
EXPLICANDO
Está ficando complicado? Vamos entender. Vocês se lembram daquela fundação que Deltan Dallagnol pretendeu criar em Curitiba com recursos de uma multa bilionária paga pela Petrobras? Não prosperou porque Alexandre de Moraes pôs fim à indecência. Ocorre que o Ministério Público Federal no DF intentou fazer a mesma coisa com parte do acordo de leniência firmado pelo grupo J&F. Dos R$ 10,3 bilhões, deveriam ser destinados R$ 2,3 bilhões a um trabalho, atenção!, de "controle social da corrupção" e "campanhas educativas". E quem iria supervisionar esse trabalho, orientando como gastar essa bolada? Na mosca! Acertou quem chutou a seção brasileira da "Transparência Internacional", como se uma entidade de direito privado pudesse se comportar como braço do Estado brasileiro. Lembro que a TI-B já tinha servido como consultora da fundação que Dallagnol queria criar com R$ 1,2 bilhão de uma multa de R$ 2,4 bilhões.
E o que a FGV tem com isso?
RECUPERANDO A HISTÓRIA
Como noticiei aqui em março do ano passado, a direção da FGV, no Rio, enviou uma notificação à sede da Transparência Internacional, na Alemanha, no dia 31 de janeiro, relatando um caso realmente sui generis. Acusa a seção brasileira da Transparência Internacional de ter firmado um Memorando de Entendimento para desenvolver um trabalho em parceria com o Ministério Público Federal -- leia-se: Lava Jato -- utilizando, para tanto, mão de obra, expertise e até instalações da Fundação, mas sem o seu conhecimento e, pois, sem um contrato.
Destaco, a título de curiosidade, trechos do documento, que é muito claro. Mas ele nem é necessário para entender a história toda. No começo, tudo parecia bem entre a FGV e a TI-B. Acompanhem. Tratava-se de parceria antiga:
Como é de conhecimento de V.Sas., em 30 de agosto de 2016 a Fundação Getúlio Vargas - FGV e a Transparency International Secretariat - TI-S celebraram Memorando de Entendimentos, formalizando a participação da FGV no Centro de Conhecimento Anticorrupção.
Também como é de conhecimento de V.Sas., em 17 de julho de 2017 a Transparência Internacional - Programa Brasil -TI-B, e a FGV, por meio de sua Escola de Direito do Rio de Janeiro, firmaram um acordo geral para cooperação técnica, de modo a viabilizar o desenvolvimento de "uma variedade de Projetos de Pesquisa Aplicada dentro da temática de combate à corrupção, promoção e compliance nos setores público e privado e avanço de práticas de transparência", prevendo, neste Acordo, que cada projeto de pesquisa seria objeto de um Termo Aditivo específico, com o detalhamento e condições.
No mesmo 17 de julho de 2017, FGV e TI-B firmaram o 1º Termo Aditivo ao Acordo, visando criar mecanismo que, a partir da participação da sociedade civil, possibilitasse o desenvolvimento de propostas legislativas de combate à corrupção.
Em 17 de agosto de 2017, foi firmado o 2º Termo Aditivo ao Acordo, visando desenvolver pesquisa destinada a analisar os mecanismos de integridade e compliance de empresas estatais brasileiras e para propor iniciativas capazes de aprimorá-los.
Todas as pesquisas, objeto dos 1º e 2º Aditivos, foram plenamente realizadas, nos termos da contratação, com a produção de relevante bem público para a sociedade brasileira.
RETOMO
Tudo claro até aqui, certo? FGV e TI-B estavam empenhadas em ações contra a corrupção. Como na música de Claudinho & Buchecha, as coisas caminhavam na base do "só love, só love". A relação com a FGV vai começar a azedar.
Ocorre que o Ministério Público do Rio investigou a fundação por supostas fraudes em contratos de consultoria com o governo do Rio. A TI-B houve por bem, então, romper unilateralmente o contrato. Achou que não ficava bem ser parceria de um ente sob investigação. Voltemos à carta da FGV à sede da Transparência Internacional, na Alemanha. Notem que, apesar do rompimento unilateral, a fundação continuou a ser usada na tentativa de criar a tal fundação bilionária. Só que ela de nada sabia. Segue:
Em 6 de dezembro de 2020, foi publicada matéria do site CONJUR, sob o título "Aras bloqueia repasse de R$ 270 milhões para clone de fundação da ´lava jato´", reportagem esta que faz menção a um Estudo produzido pela TI-B para o Ministério Público Federal, Estudo este que foi divulgado nas redes sociais da própria TI-B (https://www.facebook.com/transparenciainternacionalbrasil), anexo à Nota Pública intitulada "MPF desmente, mais uma vez, informações falsas de que a TI receberia e administraria recursos do Acordo de Leniência da J&F".
Apenas a partir dessa publicação, a FGV tomou conhecimento da existência de um Memorando de Entendimentos (MOU), firmado entre o Ministério Público Federal e a TI-S em 12 de dezembro de 2017, ou seja, ainda durante a vigência do Acordo entre a TI-B e a FGV — MOU este que, além das Partes mencionadas, incluía a J&F Investimentos S/A e a TI-S, representada pelo Sr. Bruno de Andrade Brandão.
Nos termos deste MOU, a participação da TI-S foi expressamente justificada por deter a Instituição expertise para promover a estruturação do sistema de governança envolvendo recursos financeiros destinados a projetos sociais.
Desnecessário dizer que a FGV não é parte deste MOU e dele só agora teve conhecimento, não tendo participado, em qualquer momento ou por qualquer forma, das conversações e tratativas que neste documento resultaram.
RETOMO
Os R$ 270 milhões bloqueados eram parte daquela fabulosa quantia de R$ 2,3 bilhões. Bruno Brandão é o chefão da seção brasileira da Transparência Internacional. A Fundação foi usada na celebração do troço sem ter sido nem avisada.
O que segue explica tudo direitinho:
Pois viu-se a FGV surpreendida ao saber que, para desincumbir-se das obrigações assumidas no âmbito deste MOU, a TI-S valeu-se, sem o conhecimento e tampouco a aprovação da FGV, dos conhecimentos de professor de seus quadros, Professor Michael Freitas Mohallem, indicado, na ficha catalográfica do documento intitulado "Governança de Estudos Compensatórios em casos de Corrupção" (resultado do referido MOU), como coautor do mesmo.
Mais grave: na página 111 deste documento, é admitida a utilização das instalações da FGV para a realização de entrevista, sendo que a Fundação não foi consultada sobre uso de espaço seu para tal finalidade, e, portanto, não o autorizou.
Demonstrando que a FGV não fez parte desse serviço, nada recebendo pelo mesmo, o acordo geral para cooperação técnica firmado entre TI e FGV exigia, como já mencionado supra, que cada projeto de pesquisa seria objeto de um Termo Aditivo específico, com o detalhamento e condições, o que em nenhum momento foi feito em relação aos serviços tratados no citado MOU.
RETOMO
Se a direção da FGV não estava mentindo na notificação que fez à Transparência Internacional, na Alemanha, a fundação acabou fazendo parte de um... sei lá como chamar -- troço? --- sem que soubesse. Tanto um professor seu como suas instalações passaram, como posso dizer?, por uma espécie de apropriação, né?
A própria FGV resume para a TI da Alemanha o ocorrido:
(i) a FGV não foi consultada sobre o eventual interesse em participar ou não;
(ii) a FGV não recebeu qualquer solicitação formal para autorizar a participação de um de seus professores de tempo integral na coautoria do Estudo encomendado pelo MPF;
(iii) a FGV não autorizou a utilização das suas instalações para a realização de qualquer atividade relacionada, direta ou indiretamente, ao Estudo;
(iv) a TI não firmou com a FGV qualquer Termo Aditivo para participação desta última no projeto objeto do MOU assinado entre a TI e o MPF, o que era exigido por força do Acordo Geral firmado.
E acrescenta a direção da FGV:
Parece-nos, mais do que descortês, grave o fato de a TI-B se (i) apresentar como expert em determinada área do conhecimento, (ii) ser contratada por órgão estatal para a realização de estudos e, ato seguinte, (iii) promover os estudos a partir e com a coautoria com professor dos quadros da FGV, tudo sem conhecimento ou autorização expressa da Fundação Getúlio Vargas, quando o próprio Acordo Geral firmado entre TI e FGV exigia formalização de Termo aditivo a cada novo projeto a ser desenvolvido pelas duas instituições.
DE VOLTA
Esse é o resumo da ópera. O MP junto ao TCU pede a investigação porque os recursos oriundos de acordo de delação e de leniência são públicos. O Ministério Público Federal não tem autonomia para celebrar acordos outros de qualquer natureza que não seja entregar o dinheiro ao Tesouro. Tampouco há licença para contratar ONGs ou entes privados para orientar a destinação do dinheiro.
FGV e Transparência Internacional, daqui ou da Alemanha, podem celebrar quantos acordos quiserem. E não será da conta do TCU. Desde que não envolva dinheiro público. Não era o caso. Ademais, a própria FGV diz: seu nome foi usado indevidamente. Não fez parte de entendimento nenhum.
"Ah, então a TI-B queria enfiar R$ 2,3 bilhões no bolso?" Não estou dizendo isso. O que resta claro é que atuou como consultora da tentativa de criar duas fundações: uma delas era aquela imaginada por Dallagnol, com R$ 1,2 bilhão de multa paga pela Petrobras. E a outra é essa, com grana oriunda do acordo de leniência da J&F. Juntas, estamos falando de estupefacientes R$ 3,5 bilhões. Quem tem esse poder de fogo no Brasil.
SELO DE QUALIDADE E ENGANANDO OS PROGRESSISTAS
Em matéria de transparência, parece que a TI-B tem mais lições a aprender do que a ministrar.
Reportagem publicada pela Carta Capital, por exemplo, trouxe outros detalhes da parceria da TI-B com a Lava Jato. Pode parecer incrível — como se já não tivéssemos visto coisas do balacobaco! —, mas, entre as peripécias, planejou-se até mesmo criar um "selo" para candidatos bons e maus. Embora o objetivo fosse abençoar nomes considerados "liberais" — leia-se: contra as esquerdas —, cogitou-se uma mobilização para granjear apoios à esquerda. Recomendo que leiam a reportagem. Brandão sugeriu a Dallagnol:
"Se ganharmos a CNBB (esquerda religiosa), Pedro Abramovay (financia quase todas as ONGs do campo progressista), João Moreira Salles (publisher mais influente da intelectualidade de esquerda), Sakamoto (articulista pop da esquerda) e mais alguns professores da USP, criamos um campo de influência pra baixar a resistência da esquerda".
Eis aí... Os "progressistas" deveriam entrar apenas os inocentes úteis da história.