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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Jogo ensaiado Kassio-Mendonça-Bolsonaro, novas ameaças e criminoso confesso

Bolsonaro em evento no Pàlácio do Planalto, nesta terça, em que fez discurso golpista e confessou a Augusto Aras e ao Ministério Público Eleitoral que também cometeu crime que levou aliado seu à cassação - Sergio Lima/AFP
Bolsonaro em evento no Pàlácio do Planalto, nesta terça, em que fez discurso golpista e confessou a Augusto Aras e ao Ministério Público Eleitoral que também cometeu crime que levou aliado seu à cassação Imagem: Sergio Lima/AFP

Colunista do UOL

08/06/2022 06h09

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Jair Bolsonaro executou no fim da tarde de ontem a mais ensaiada de todas as coreografias golpistas. Seu discurso escalafobético era apenas o segundo tempo de uma pantomima que tinha começado com a liminar concedida por Nunes Marques em favor do deputado estadual cassado Fernando Francischini, o bolsonarista que fez uma live espalhando mentiras sobre as urnas no dia da realização do primeiro turno, em 2018. O presidente esbravejou, fez ameaças golpistas, atacou ministros do Supremo e confessou um crime na cara da Procuradoria Geral da República e do Ministério Público Eleitoral. Não é matéria de interpretação. Apenas fato. E mentiu mais um pouco.

Antes, algumas palavras sobre a dobradinha Nunes Marques-André Mendonça. O primeiro sabia que sua liminar em favor de Francischini seria derrubada. Estava apenas marcando um "X" nas costas de seus colegas do Supremo para que fossem, depois, alvos da fúria ensaiada de Jair Bolsonaro, seu chefe espiritual. Como se viu. O relator levou a liminar para a Segunda Turma, mas o pleno já havia sido afetado e teria a preferência para julgar o disparate. Mendonça, então, entrou em campo: pediu vista, adiando sem prazo o julgamento.

A decisão ficou com a Segunda Turma, e a excrescência "marquesiana" foi derrotada por três a dois: de um lado, o relator e Mendonça; do outro, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Era um resultado absolutamente esperado. Qual foi a graça de Mendonça? Ter impedido que liminar fosse derrotada por 9 a 2: 81,82% contra 18,18%. Deu um jeito de fabricar um 3 a 2: 60% a 40%. E, assim, fica-se com a impressão que um deputado teve referendada a cassação — que se deu no TSE pelo placar de 6 a 1 — por uma minoria. Eis um flagrante da herança que Bolsonaro deixa no Supremo. Caso seja reeleito, não há chance de evitar o abismo.

E AGORA O CHILIQUE
É claro que Bolsonaro sabia que a liminar seria derrotada. O chilique que teve ontem no Palácio do Planalto, em evento denominado "Brasil pela vida e pela família", era a cena principal do roteiro que começou a ser escrito por Nunes Marques, tendo Mendonça como coautor. O objetivo era demonizar o Supremo, certo? E isso aconteceu. Até Alexandre de Moraes, que pertence à Primeira Turma e não votou, apanhou. Um dos principais alvos foi Edson Fachin.

Nem descarto que Bolsonaro tenha conseguido acordar a sua memória de ser furioso e irascível, mas a fala fez o desfecho de um planejamento a seis mãos.

"Enquanto aqui a gente está num evento voltado pra fraternidade, amor, compaixão, do outro lado da Praça dos Três Poderes, o STF, por 3 a 2, mantém a cassação de um deputado por espalhar fake news. Esse deputado não espalhou fake news, porque o que ele falou na live eu também falei para todo mundo: que estava havendo fraude nas eleições de 2018."

Não houve fraude em 2018. Aliás, Bolsonaro inventou mentira distinta daquela contada por Francischini em sua live. O presidente insiste que o eleitor digitava o "1" e já aparecia o "13". O deputado cassado inventou que a urna não permitia que se votasse no então presidenciável do PSL, afirmou que aparelhos haviam sido apreendidos e que o TSE admitira a existência de fraude.

E Bolsoanro foi amontando mentiras e desatinos, chegando à convocação aberta para a que seus seguidores não aceitem o resultado das urnas caso não seja ele o vencedor.

"As Forças Armadas apresentaram centenas de fragilidades [nas urnas eletrônica], e eles não gostaram."

É mentira. Não se apontou fragilidade nenhuma.

"Foram vocês [TSE} que nos convidaram para cá, ora bolas. Eu sou o chefe das Forças Armadas, não faremos papel de idiotas. Eu tenho a obrigação de agir".

Ameaça explícita. Ora vejam: quer ser o juiz supremo de uma eleição na qual é candidato.

"Três [ministros] do STF podem muito, acham que podem tudo. Eu não vou viver como um rato, tem que haver uma reação. E, se a população achar que não deve ser dessa maneira, preparam-se para ser prisioneiros sem algemas".

A reação é um convite claro à subversão. Ele não tem a maioria do país, como se sabe. O que chama de "população" são os seus seguidores. Bolsonaro quer um "Sete de Setembro" neste ano, a menos de um mês das urnas, que valha por uma Marcha Sobre Roma. Está pondo lenha na fogueira do golpe com o qual sonha.

E atacou a imprensa.
"Se for para punir por fake news com a derrubada de páginas, fecha a imprensa brasileira, que é uma fábrica de fake news, em especial Globo e Folha".

Falava no Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.

DE VOLTA A ARAS
Convém lembrar que a Procuradoria Geral da República recorreu contra a decisão de Nunes Marques, que havia concedido liminar devolvendo o mandato de Francischini. A mesma PGR, no entanto, tem chamado de "liberdade de expressão" os ataques que o presidente faz ao sistema eleitoral.

Nesta terça, Bolsonaro deixou Aras sem saída, exceto o vexame. Afinal, disse:
"Esse deputado não espalhou fake news, porque o que ele falou na live eu também falei para todo mundo: que estava havendo fraude nas eleições de 2018."

Como se nota, Bolsonaro confessa o mesmo crime que cassou Francischini. Certo, Augusto Aras?