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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No país dos sem-pão, desordem fiscal com gasolina subsidiada. Eis Bolsonaro

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Imagem: Freepik

Colunista do UOL

15/06/2022 05h31

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Que coisa!

Como esquecer que Jair Bolsonaro era, por intermédio de seus entusiastas na categoria, o verdadeiro chefe da greve dos caminhoneiros em março de 2018? A paralisação quebrou as pernas do governo Temer, e se estima que pode ter custado perto de um ponto percentual do PIB. Uma semana de paralisação, e a distribuição de alimentos e de combustíveis beirou o colapso.

Poucos se lembram hoje, diga-se, da virulência de Bolsonaro contra o então presidente. Seus admiradores saíram às ruas contra o governo e apoiaram os pedidos de impeachment apresentados por Rodrigo Janot. O bolsonarismo organizou aquele movimento e pavimentou, sem trocadilho, o caminho da ascensão do "capitão". Ele gravou vídeo em apoio à paralisação, atacando com virulência a base governista no Congresso, acusando-a de ser forjada na base da troca de interesses.

Bolsonaro, como é sabido, terceirizou o governo ao Centrão e tem hoje um chefe: Arthur Lira (PP-AL). Como o bufão truculento quer dar um golpe de estado — na verdade, ele se organiza para isso —, deve sonhar com o dia em que exibiria a cabeça de Lira e as de outros patriotas, a gotejar sangue, antes de fincá-las numa estaca. Bolsonaro não acredita, claro! Mas, nessa hipótese, a sua própria viria logo em seguida. Ou imagina mesmo que, numa ditadura, ditamole ou ditabranda, os generais aceitariam ser comandados por um capitão arruaceiro? Gente como ele é coisa que só as democracias toleram.

LIRA, O CHEFE
Adiante. No comando do governo, Arthur Lira articulou o plano de arregaço fiscal para derrubar o ICMS de combustíveis, energia, transporte e serviços de telecomunicação. Pronto. O Projeto de Lei Complementar está aprovado. Assim que se votarem os destaques, vai par a sanção presidencial.

A perda de ICMS nos Estados será da ordem de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões. Haverá compensação para o valor que ultrapassar 5% de queda de arrecadação. E também se vai garantir a reposição do Fundeb (sem a correção inflacionária). Quanto isso vai custar? Se Deus não sabe, não seria Paulo Guedes a saber, ainda que possa se julgar ligeiramente mais onisciente. Sim, eu atentei para a impossibilidade. Mas de Guedes se pode sempre dizer que é aquele que sabe mais do que tudo.

A renúncia fiscal do governo federal é da ordem de R$ 35 bilhões até o fim deste ano. O dano aos cofres dos Estados, registre-se, é permanente. Há ainda a desoneração dos biocombustíveis e a PEC que pretende compensar os Estados caso estes zerem as alíquotas de ICMS de combustíveis neste ano: mais R$ 29,6 bilhões — que não serão computados no teto de gastos, que virou cabeça de bacalhau.

Com tudo isso aprovado, vende-se a ideia de que o diesel poderia ter uma queda na bomba de R$ 0,76, e a gasolina, de algo em torno de R$ 1,60.

Ocorre que os respectivos preços de ambos já estão defasados. Se houver a escalada do barril de petróleo, como muitos especialistas estão prevendo, o impacto no bolso dos consumidores pode ser reduzido. Há ainda a escalada previsível do dólar, decorrente da elevação dos juros americanos, que também incide no preço dos combustíveis. Daí o esforço do governo para que a Petrobras entre no "modo de operação eleitoral" e opte pelo congelamento.

Lira, o presidente de fato do Brasil, diz por aí que os Estados estão reclamando de barriga cheia. Aquilo de que Guedes se orgulhava até o mês passado — os entes federados estão com mais dinheiro — se transformou num instrumento para atacar os governadores, tratados como gananciosos e gastadores.

CENÁRIO RUIM
O que o Banco Central, tudo indica, fareja, à véspera de aumentar a taxa Selic em pelo menos mais meio ponto? Há uma deterioração do ambiente fiscal. Ainda que se consiga algum efeito na inflação deste ano, há uma óbvia pressão sobre o índice no ano que vem. E, ora vejam, certa pistolagem intelectual que se pinta de liberal diz que os críticos do governo não se conformam com uma gestão tão determinada a reduzir impostos... Trata-se de uma soma formidável de imposturas.

Notaram? Eis Bolsonaro, o herói na contramão de tudo. Obriga-se a lutar contra os Supremo; contra o comunismo internacional; contra os destruidores da família; contra os que querem o fim do agronegócio por meio das reservas indígenas; contra a maligna Petrobras... E, para fazer frente aos repasses aos Estados, Guedes, o "onisciente que sabe mais do que tudo", já cantou a bola: grana da capitalização da Eletrobras! Queime-se uma estatal nos tanques de gasolina e diesel, enquanto o país segue esfaimado. Para a inflação de alimentos, note-se, o "Além-de-Deus" já fez uma sugestão: que os supermercados parem de elevar preços. Diante da chiadeira, zangou-se. E se não der? Então "dane-se!"

Bolsonaro, esse mártir em luta contra todas as maldades do mundo, gosta de fantasiar com a mentira de que o Supremo não o deixa governar. Ao longo desses quase quatro anos, como resta evidente, o tribunal foi benevolente demais. O desastre econômico provocado pela Covid-19 amoleceu o coração dos ministros, que, na verdade, ajudaram a tirá-lo de enrascadas.

Qualquer juízo um tantinho mais rigoroso dirá, sem medo de errar, que o tabelamento do ICMS, da forma que foi feito, é inconstitucional porque agride a autonomia dos Estados. Assim como a PEC dos Precatórios era uma aberração. Não há ajuda possível para quem não quer se ajudar e para quem apedreja a mão que o afaga. Sua turma promove uma PEC que transformaria o Congresso em instância revisora do tribunal. Imaginem Arthur Lira como o juiz supremo, quase um sacerdote...

Os desatinos que aí estão se dão com os limites que a democracia ainda consegue impor ao Bufão. Imaginem sem eles.

ENCERRANDO
E volto ao início. Bolsonaro começou a chegar à Presidência com a greve dos caminhoneiros, que ele liderou. A categoria jamais deixou de ser uma fonte de tensão, embora siga com "o capitão".

Estou entre aqueles que julgam necessário haver uma política de preços para o diesel e o gás de cozinha em razão do óbvio impacto social que a elevação de preço desses produtos acarreta. Tratei muito do assunto durante a greve de 2018. E algumas outras vezes de lá para cá. Também não sou um procurador-burocrata do modo como a Petrobras, empresa de economia mista, forma seus preços. Mas isso fica para outra hora.

Com a retomada da economia depois dos piores tempos da pandemia, a pressão voltou. Guedes jamais se dignou a pensar uma alternativa. A quatro meses da eleição, no entanto, condescende com o caos porque seu chefe está desesperado. E o ministro topa tudo. Aliás, diz-se mais animado do que nunca. Prevê, até com certo ar de triunfo, que o mundo entrará em recessão. Mas não o Brasil! Que ele vê com força e pujança inéditas.

Ao passar de carro ao lado das calçadas que (des)abrigam os milhares, e em número crescente, moradores de rua do Brasil, veja a coisa pelo lado positivo: ao menos eles não conhecem o sofrimento que é ter de rodar com gasolina subsidiada...