Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bolsonaro quer golpe se perder ou se ganhar. E o recado dos EUA pós-reunião
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Se Jair Bolsonaro fechasse a matraca do golpismo e só proferisse, a partir desta quarta, substantivos celestes, as eleições deste ano estariam, ainda assim, indelevelmente marcadas pela delinquência política, intelectual e moral. A PEC "Ai, que Medo do Lula" é uma aberração. Frauda a Lei Eleitoral, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição. E, no entanto, na melhor das hipóteses para o Estado de direito, o Supremo pode vir, no máximo, a declarar inconstitucional o estado de emergência. O golpe legiferante, como sabemos, foi desferido em parceria com o Centrão, numa armadilha meticulosamente urdida por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que divide o governo com Ciro Nogueira, outro chefão da "famiglia" do Centrão e que ocupa a Casa Civil — esteve, lembre-se, presente ao "stand up" do Pateta com os embaixadores estrangeiros.
Ocorre que o golpe meramente eleitoreiro não aplaca a fúria destrutiva de Bolsonaro. Além de não ser uma garantia de que vá conseguir virar o jogo, não atende a seus anseios tirânicos. Ele não quer um segundo mandato para governar o Brasil e implementar um conjunto determinado de medidas. Isso é coisa própria de políticos que têm uma agenda, um conjunto de convicções, um eixo de governança. Ele não tem nada. Como não tinha em 2018. Puxem um tantinho pela memória. Venceu a disputa, levou a Presidência, passou a ser o homem mais poderoso da República, e nem por isso seu discurso se tornou menos furibundo.
Ao contrário. Bolsonaro dobrou todas as apostas que o candidato fazia na desinstitucionalização do país. Suas milícias, sob o comando do Gabinete do Ódio, tornaram-se ainda mais agressivas, o que motivou a abertura do inquérito das "fake news" antes do terceiro mês do novo governo. No dia 26 de maio, com o patrocínio político do Palácio do Planalto, deu-se a primeira manifestação golpista, com palavras de ordem em favor do fechamento do Supremo e do Congresso — ele ainda não havia terceirizado o governo para o Centrão.
Esse a que fanáticos e idiotas chamam "Mito" nunca se contentou em ser o presidente de um país democrático. Tentou implementar, de um jeito ou de outro, todas as ideias detestáveis e estúpidas que vomitava quando deputado federal. E aqui faço uma digressão para retomar o fio adiante.
A DIGRESSÃO
Já escrevi e reitero: tenho altíssima tolerância com as mulheres e homens do povo que votaram em Bolsonaro em 2018. Ainda que a escolha fosse, de saída, um erro, já que atuavam contra seus próprios interesses, reconheço a carga de desinformação que pesa sobre os ombros de amplas camadas, especialmente quando ela se junta com convicções religiosas, frequentemente manipuladas por pilantras multimilionários que pregam reacionarismos variados a fiéis miseráveis.
Se o ciclo que junta carência e desinformação perdoa o voto de pobres em Bolsonaro, o que dizer daqueles que sufragaram o seu nome mesmo tendo pleno conhecimento de suas ideias? Por que um defensor da tortura poderia fazer um bom governo? Por que o autor de frases misóginas, homofóbicas e racistas estaria pronto para respeitar a Constituição? Por que um rematado ignorante em qualquer assunto que faz a rotina de um estadista iria pelo bom caminho? Por que um inimigo declarado de causas ambientais e indígenas conseguiria compreender o mundo moderno?
RETOMO O FIO
Bolsonaro nunca quis governar o Brasil com a moldura institucional que há. E é evidente que não faria uma proposta, segundo as regras, para mudá-la. A sua perspectiva, já quando expelia seus perdigotos de indignidade na Câmara, sempre foi diruptiva. E não havia uma miserável razão para acreditar que pudesse ser diferente na Presidência. Será que a melhor forma de educar um candidato a tirano, fazendo-o compreender os benefícios da democracia, consiste em lhe dar ainda mais poder?
Bolsonaro venceu a eleição e passou os quatro anos seguintes pregando golpe de Estado. Como atividade alternativa, organizou a resistência aos protocolos científicos de enfrentamento da Covid-19, tentando empurrar o país para o abismo civilizatório. E olhem que Congresso e Supremo lhe facultaram instrumentos para enfrentar a pandemia que poderiam tê-lo convertido num herói. Mas ele não queria governar o país. Sua pretensão era subjugá-lo. Jamais deixou de ser o deputado doidivanas que era tratado com desprezo até pela periferia do Centrão. Mas com a Presidência da República na mão.
E cá estamos nós, brasileiros, a debater se haverá ou não golpe de Estado, em exercícios de adivinhação e aposta, como se, reitero, ele já não tivesse fraudado o jogo o suficiente por intermédio das PECs que patrocinou. E aqui, então, vem a questão de fundo deste texto: não caiam na tentação de achar, porque seria uma raciocínio burro, que a eventual virada de Bolsonaro, vencendo nas urnas, colaboraria para preservar a democracia, já que o risco de golpe existiria apenas na hipótese de Lula triunfar.
NÃO! Bolsonaro continua a não querer governar o Brasil. Se obtiver nas urnas um segundo mandato, o ataque às instituições e à democracia terá continuidade. E com mais força. Um dos objetivos declarados de sua tropa, por exemplo, é atropelar o Supremo. Ele não vai se contentar em nomear mais dois ministros apenas. O que se trama desde já é aumentar o número de cadeiras do tribunal para assegurar a maioria ao candidato a ditador.
Entenderam? Bolsonaro pretende dar um golpe se perder ou ainda antes da eleição se a derrota se afigurar certa. Não é assim tão fácil, mas o esforço é evidente. Cumpre constatar: caso vença, aí o golpe deixa de ser um risco e passa a ser uma certeza. E, nesse caso, não precisará de tanques. Bastará a corrosão institucional. As quase-ditaduras da Hungria e da Polônia, por exemplo, se estabeleceram com o exército da intolerância colonizando os espaços institucionais.
Bolsonaro quer golpe se perder. Bolsonaro quer golpe se ganhar.
Bolsonaro é, em suma, um golpista.
"UZAMERICÂNU"
A patuscada de Bolsonaro com os embaixadores gerou um fruto diplomático importante: a embaixada dos EUA no Brasil emitiu uma nota expressando a confiança no nosso sistema eleitoral e a convicção de que o resultado será respeitado.
Bolsonaro está de parabéns. Antes daquele evento, os EUA não tinham ainda se manifestado com tanta clareza contra a tramoia golpista que ele liderada.
Segue a íntegra. Volto para arrematar.
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Como já declaramos anteriormente, as eleições do Brasil são para os brasileiros decidirem. Os Estados Unidos confiam na força das instituições democráticas brasileiras. O país tem um forte histórico de eleições livres e justas, com transparência e altos níveis de participação dos eleitores.
As eleições brasileiras conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo.
Estamos confiantes de que as eleições brasileiras de 2022 vão refletir a vontade do eleitorado. Os cidadãos e as instituições brasileiras continuam a demonstrar seu profundo compromisso com a democracia. À medida que os brasileiros confiam em seu sistema eleitoral, o Brasil mostrará ao mundo, mais uma vez, a força duradoura de sua democracia.
ARREMATE DOS MALES
Não só os americanos dizem confiar no sistema eleitoral brasileiro como o consideram um modelo para o Hemisfério e para o mundo.
A falta de credibilidade de Bolsonaro é um insuspeitado ativo reputacional das urnas eletrônicas.