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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Datafolha: Que Bolsonaro siga tentando roubar a bola. Não mude nada, "Mito"

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Imagem: Freepik

Colunista do UOL

29/07/2022 06h39

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Há um tipo de que quase ninguém gosta, exceto os abduzidos por uma causa: do mau perdedor. Só pessoas desprezíveis tentam roubar a bola quando sentem que podem ser vencidas. Misto de fraqueza e pusilanimidade. Por mim, Jair Bolsonaro pode seguir na mesma toada, acusando a suposta fraude eleitoral e ameaçado dar golpe. Um derrotado chorão não é exatamente uma figura eleitoralmente atraente. E suas ameaças golpistas têm gerado uma resposta vigorosa da sociedade civil, que andava um tanto em silêncio porque enojada. E foi preciso superar o nojo. Foi a primeira coisa em que pensei ao tomar ciência dos números da mais recente pesquisa Datafolha.

Se a eleição fosse hoje, Lula (PT) teria 47% das intenções de voto, contra 29% de Bolsonaro (PL). A diferença é de enormes 18 pontos. Bolsonaristas querem se animar? Há dois meses, a distância era de 21: 48% a 27%. A mudança está na margem de erro, que é de dois pontos para mais ou para menos. Logo, pode ser que tudo tenha ficado na mesma. Ciro Gomes (PDT) oscilou de 7% para 8%, e os demais candidatos somam cinco pontos. Lula, assim, venceria a disputa no primeiro turno.

CIRO GOMES
Ciro leva mais uma pancada dos números justamente no momento em que sua retórica contra Lula e Bolsonaro chega ao paroxismo de afirmar que ambos se equivalem e que não estará com o petista no segundo turno caso ele próprio não chegue lá. Se chegar, diz, conta com o eleitorado do PT. Ou por outra: ele se considera "bom o bastante" para ter o voto de petistas se vier a disputar um segundo turno com Bolsonaro e "bom demais" para a reciprocidade. Os deuses primeiro tiram o juízo daqueles a quem querem destruir. Acho que, desta feita, foi muito longe até para alguns de seus entusiastas.

Se o ex-presidente e o atual se equivalem mesmo, como quer o pedetista, então ambos representam o mesmo risco para a democracia. A menos que a dita-cuja tenha deixado de ser o valor por excelência da postulação cirista, isso é mentira. Lula andou ameaçando dar golpe de Estado? Não consta. Impôs duas PECs ilegais, com aprovação financiada com emendas do relator, violando a Constituição, a Lei Eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal? Também não.

Nada dana mais um político do que uma bolha de fanáticos que o façam crer na infalibilidade. No fim das contas, trata-se apenas de um exercício de egocentrismo e de autocongratulação. Com essa retórica, Ciro não cai, mas também não sobe — embora, por ora, tenha um desempenho inferior a jornadas anteriores.

TERCEIRO NOME?
A emedebista Simone Tebet mereceu tratamento de gala de setores da imprensa, ávidos para ressuscitar a desmoralizada tese "nem-nem". Tem mais visibilidade no noticiário do que o pedetista. E nada aconteceu. Com a devida vênia -- e não sou intelectualmente hostil à senadora, apesar de seu lavajatismo pregresso --, a manutenção da candidatura não pode se confundir com um capricho. Estamos a 70 dias do pleito. Aparece com 2% das intenções de voto. Não tem como se queixar se seus correligionários buscarem uma alternativa. Eu a considero uma política respeitável. Mas também para uma pessoa pública vale a máxima de Ortega y Gasset: sua postulação inclui suas circunstâncias.

SEGUNDO TURNO
No segundo turno, o ex-presidente bateria o atual por 55% a 35% -- na pesquisa anterior, 58% a 33%. Houve um encurtamento de cinco pontos numa distância que era abismal. No Nordeste (27% do eleitorado), o ex-presidente vence o atual por 67% a 28%; entre os que têm o ensino fundamental (32%), por 64% a 29%; entre os mais pobres (53%), por 63% a 29%.

É preciso acreditar, convenham, nos poderes quase sobrenaturais da PEC dos benefícios sociais — uma das ilegalidades a que recorreram Bolsonaro e o centrão — para apostar que ela pode mudar o rumo da disputa. Não tenho bola de cristal, é claro!, e não vou aqui asseverar que não vai acontecer. Mas convenham: toda a grita promovida por Bolsonaro para aprovar as medidas beira, até agora, a inocuidade.

AINDA NÃO
"Calma, Reinaldo! O dinheiro ainda não começou a chegar!" Sim, é verdade. Os "spin doctors" do governismo, que são hortelões muito eficientes para plantar mexericos em colunetas de notas -- que aceitam tudo, menos o amor verdadeiro --, espalham que tudo será diferente a partir de agosto, quando os R$ 200 suplementares do Auxílio Brasil começarem a chegar.

O que eu penso? Nunca achei, e não acho, que a disputa seria um passeio para o petista. Como está na frente, vira o alvo principal dos demais e, em certa medida, até da imprensa "nem-nem" — que, no caso, revela-se como "nem democracia nem regime fascistoide", o que é uma monstruosidade ética e moral. Mas nada disso me surpreende.

Observo, antes que alguns medidores de opinião se vejam tentados a torcer os números para ceder a lógicas tortas, que o surto de amor de Bolsonaro e Guedes pelos pobres poderia ser mais eficaz se, na outra ponta, estivesse um candidato historicamente hostil a benefícios sociais ou que não estivesse identificado a melhoria efetiva da vida dos pobres. Mas esse é Lula? O eleitorado diz maciçamente que não.

CAMPANHAS
Não parto do princípio, é claro, de que o eleitor vai se lembrar, diante da urna eletrônica, de que Bolsonaro era o grande inimigo de programas como o Bolsa Família, que acusava de estimular a reprodução dos pobres, que prefeririam fazer filhos a trabalhar. Quando deputado, chegou a dizer que grávidas nordestinas punham a mão na barriga e diziam: "Aqui está a minha geladeira, aqui está minha máquina de lavar". Indigno, como de hábito.

É claro que, na campanha, o PT se encarregará de rememorar quem disse o quê sobre programas sociais. Mas esse nem é o meu ponto. Não há um só, dos criados nos últimos 20 anos e que minorem a desgraça que é ser pobre no Brasil, que não tenha a assinatura do PT. E há outros, como o Minha Casa Minha Vida, que ficaram pelo meio do caminho.

Acho até que Bolsonaro poderá obter, sim, ganhos eleitorais, mas não na proporção que seus propagandistas alardeiam. Também os pobres, e não são poucos, percebem quando querem comprar seu voto. Parece-me que, às vezes, certos colunistas partem do princípio de que só Bolsonaro vai fazer campanha.

PRESSÃO
A eleição está definida? É evidente que não. Mas convém considerar que o atual mandatário tem de tirar uma vantagem de 20 pontos de seu principal adversário no segundo turno, não de cinco. De toda sorte, dou os parabéns a Ciro Nogueira. Nunca houve um plantador tão eficaz de notas como ele. "Ele já ligou pra você, Reinaldo?" É claro que não. Não é do tipo que joga conversa fora.

E é eficaz. Até petistas experimentados esperavam um resultado bem pior do que esse — e notem que há "pesquiseiros" em penca a produzir números ao gosto do Palácio. Há o tipo que promete até o amor verdadeiro e a volta da pessoa amada em três dias. Por enquanto, de verdade, a movimentação se deu dentro da margem de erro.

OURO DE TOLOS
"Ah, Reinaldo, mesmo com todos os rasgos fascistoides, Bolsonaro não caiu e até pode ter melhorado um pouquinho."

Pois é. Mas por que haveria de ter caído? Surpresa nenhuma. Isso é ouro de tolos.

As questões que dizem respeito ao pacto civilizatório beiram o grego antigo para milhões que estão ocupados demais em garantir a comida de cada dia. Aqueles que delas se ocupam já escolheram a democracia. E os fanáticos do bolsonarismo reforçam a sua convicção a cada vez que seu líder tripudia sobre cadáveres pretos e pobres, como fez no caso do mais recente massacre do Morro do Alemão, ou quando põe em dúvida as urnas eletrônicas.

"Ah, então coisas como os manifestos em defesa do estado de direito não têm importância?" Claro que têm! São vitais para a democracia, como atesta a irritação de Bolsonaro. Mas isso transcende a movimentação do eleitorado, como se verá em outro texto.