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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para Bolsonaro, defesa de democracia e estado de direito é insulto pessoal

A ilustração de Jaguar para o segundo volume do Febeapá; no destaque, o jornalista Sérgio Porto - Jaguar; Reprodução
A ilustração de Jaguar para o segundo volume do Febeapá; no destaque, o jornalista Sérgio Porto Imagem: Jaguar; Reprodução

Colunista do UOL

29/07/2022 06h38

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Em sua "live" semanal, o presidente Jair Bolsonaro resolveu enroscar de novo com os manifestos em favor da democracia. Um deles, gestado na Faculdade de Direito da USP, do qual sou um signatário original, já caminha para 400 mil assinaturas. Não faz nenhuma menção ao governo ou às oposições. Defende o estado de direito e o respeito ao resultado das urnas. Alude ainda à histórica "Carta aos Brasileiros", de 1977, quando Goffredo da Silva Telles Jr. cobrou, nas arcadas da São Francisco o fim da ditadura e a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

O presidente está muito irritado porque o texto — íntegra aqui — está recebendo a adesão de pessoas as mais díspares. Muito dos que endossam o documento são, entre si, adversários políticos ou intelectuais conhecidos, com um histórico, muitas vezes, de duros confrontos no terreno das ideias. O que têm em comum? A defesa do respeito aos valores consagrados pela Constituição quanto aos direitos individuais e coletivos. Para aderir, clique aqui.

Está especialmente agastado porque alguns nomes do PIB, dos mais diversos setores, resolvem subscrever o documento. Afirmou na sua "live" estilo "Cafofo do Osama":
"Tem uma nota de alguns empresários, alguns banqueiros, alguns artistas pró-democracia. Olha, quem é contra a democracia no Brasil? Em três anos e meio, [houve] algum ato meu contrário à democracia?".

Ora vejam! O homem que cometeu umas quatro dezenas de crimes de responsabilidade, além de uma penca de crimes comuns, indaga se algum ato seu foi contrário à democracia... Bolsonaro deve confundir o conjunto dos brasileiros com o atual comando da Procuradoria Geral da República, que entrará para a história pelo feito notável de ter, como direi?, descriminalizado o... crime.

Ele também está chateado com a Fiesp. Explica-se: no dia 11 de agosto, o texto a que me referi será lido na São Francisco, repetindo o ato de há 45 anos. No mesmo dia, entidades empresariais divulgarão um documento em defesa da ordem democrática e da Justiça.

Bolsonaro afirmou, meio magoadinho:
"Uma nota política eleitoral que nasceu lamentavelmente na Fiesp, em São Paulo. Se não tivesse o viés político nessa nota, eu assinaria. Sem problema nenhum. Mas voltou para o lado de defesa de outro Poder. Acho que o equilíbrio entre os Poderes tem que existir, e nós sabemos por onde que anda o desequilíbrio aqui no Brasil. Claramente que é contra a minha pessoa; que é favorável ao ladrão, não vou falar quem é esse ladrão".

O "outro Poder" a que ele se refere é o Judiciário. Perceberam? Ele considera que a defesa do sistema de Justiça, como instituição, é uma ação contra a sua "pessoa". Logo, ele se coloca como um inimigo pessoal da Justiça. É um disparate absoluto.

Bolsonaro, sozinho, valeria um terceiro volume do "Febeapá", o "Festival de Besteiras que Assola o País", de Stanislaw Ponte Preta, um heterônimo do jornalista Sergio Porto, que morreu em 1968. Nos dois primeiros, o autor evidenciava as asneiras produzidas pelos então novos donos do poder, que se impuseram em 1964 pelo golpe.

Há histórias notáveis, como esta, de 1966:
"Estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica 'Electra', tendo comparecido ao local alguns agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 a.C."

E olhem que Mário Frias ainda não cuidava da cultura...

Mas o trecho que me lembrou Bolsonaro -- além, é certo, do festival de besteiras que produz diariamente -- é outro. Em 1968, a censura proibiu a peça "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennessee Williams. A atriz Maria Fernanda integrou um grupo que foi a Brasília cobrar que o deputado Ernani Sátiro, que apoiava a ditadura, atuasse em defesa da classe teatral. Num dado momento, Fernanda falou: "Viva a democracia!". Sátiro retrucou de imediato:
"Insulto eu não tolero!"

É isto: Bolsonaro toma a democracia como ofensa pessoal.

E isso ele não tolera.