Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A aliança objetiva Ciro-Bolsonaro e dupla como cabo eleitoral do voto útil
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Há uma possibilidade que Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT) sejam os dois cabos eleitorais mais barulhentos em favor da vitória de Lula (PT) no primeiro turno. Se vai ou não acontecer, não sei. Na verdade, acho difícil. E, havendo a segunda etapa, não chego a dizer que o jogo recomeçaria do zero, mas é claro que aquele que, segundo os levantamentos, está na iminência de ser derrotado no próximo domingo ganharia um ânimo novo. E o mesmo valeria para os seus fanáticos. Acrescente-se que muitos dos que se dizem hoje da direita moderada teriam a sua própria versão de "voto útil" e não hesitariam em integrar a frente anti-Lula. Há muitos reacionários de alma que fazem reservas apenas ao estilo do ogro. No fundo, amam as mesmas injustiças e repudiam os mesmos pretos e pobres.
Mas voltemos ao ponto do voto útil. Seguindo a cartilha dos seus extremistas, o presidente atacou de novo a Justiça Eleitoral e tratou o STF como o território a ser conquistado no caso de um segundo mandato. Assim, ele promete que, se reeleito, a guerra continua. Os que — nunca foi o caso deste colunista — chegaram a ver aqui e ali um discurso mais moderado estavam obviamente enganados. Bolsonaro tem uma agenda: acha que o Judiciário, especialmente o Supremo, tem de ser colonizado. Como não há modo de fazê-lo por bem, então que seja por mal.
O candidato fará "lives" diárias até domingo. Numa decisão correta, proferida no sábado, o ministro Benedito Gonçalves, do TSE, proibiu que as transmissões sejam feitas a partir do Palácio da Alvorada. É só o cumprimento da lei. O edifício serve de residência ao presidente da República, não ao candidato. O ordenamento legal não permite que se faça comício no local — inclusive o eletrônico.
Já basta, note-se à margem — e é mais uma das razões por que sou contra a reeleição —, que os deslocamentos do incumbente para fazer campanha eleitoral se deem, em grande parte, às expensas do erário. Ou o PL paga a mobilização da formidável máquina que cuida da segurança pessoal de Bolsonaro — a maior da história? É claro que não. Sigamos.
CARA DE IMPROVISO
Bolsonaro improvisou uma sala, sabe-se lá onde, para falar com seus fiéis, o que faz com que a transmissão pareça ainda mais mambembe do que de costume. Já apontei a estética misto de Al Qaeda com Zorra Total... Apelando ao marketing da simplicidade, atacou:
"Será que o TSE sabe onde estou fazendo essa live? Ah, escondido, como se eu fosse um cara das trevas. Será que ele está no Alvorada, descumprindo ordem do TSE? Meu Deus, que preocupação do TSE! A preocupação com a transparência eleitoral vocês não têm. Zero!"
Vejam ali a conversa mole de que as eleições não são transparentes, que é a deixa de sempre de quem não pretende respeitar um resultado adverso. Em passeio de moto em Brasília, já havia reclamado:
"Invasão da propriedade privada. Dispensa comentários. Eu estou em minha casa."
Errado! Propriedade privada uma ova! O Palácio da Alvorada pertence ao povo brasileiro. Não se confunda o direito à privacidade, que lhe é assegurado ali, com o direito de propriedade. Se quiser derrubar alguma parede, não pode. Mesmo o mobiliário está sujeito a controle público. Mas é permitido, embora não devesse (ligar alerta de ironia) circular lá dentro de chinelão, camisa pirata da Seleção e calça tactel. Também pode assaltar a geladeira para mamar leite condensado na lata.
Com sua sintaxe muito particular, evidenciou estar, sim, preocupado com o voto útil. Afirmou:
"Como pode o outro candidato, que, segundo o Datafolha, tem 40%, 45%, que a imprensa diz que pode ganhar o primeiro turno, não vai para rua? Vai ganhar no primeiro turno? Eu acho difícil. Difícil não. Impossível e ponto final. Todas eleições limpas, transparentes, o resultado tem que ser respeitado por quem quer que seja".
Aliás, é curiosa essa história de que Lula não mobiliza pessoas. Onde quer que o petista marque um evento, há sempre milhares de eleitores. Mas, claro!, Bolsonaro toma como referência aquele "Sete de Setembro da virada"... A propósito, convenham: parece que o tiro saiu pela culatra. Depois daquele corinho do "imbrochável", a sua candidatura ficou meio... brocha.
Vamos ver. Novas pesquisas vêm a público nesta segunda. Bolsonaro está meio desorientado. Ora diz que vencerá no primeiro turno com 60%; ora nega que Lula vá levar a eleição de cara, o que traz a admissão implícita de que isso é possível. Naquela sua salinha secreta, onde instalou o "Cafofo do Osama", tudo indica que vai temperar as ameaças de sempre com o marketing do perseguido, que estaria sendo proibido de fazer campanha na sua própria casa. Ocorre que o Alvorada não é um daqueles imóveis comprados com dinheiro vivo.
CIRO GOMES
Ciro Gomes está no modo "guerra". O candidato anunciou ontem que fará hoje, às 10h, um "Manifesto à Nação". Não parece que anunciará a desistência. A arte que trata do evento simula a imagem de um estadista triunfante.
O pedetista fez uma aliança objetiva com Bolsonaro. Antes que os ciristas saiam atirando — como se a explicação adiantasse... —, explico: "aliança objetiva" não é complô ou pacto. Trata-se daquele momento em que litigantes se juntam, ainda que não se gostem, contra um inimigo comum. E é o que está em curso.
Ciro sabe que não irá para o segundo turno e parece determinado a provocar o maior dano possível ao PT. Ignorar que ele próprio, na prática, pouco ganha a essa altura e que um PT vulnerado interessa a Bolsonaro corresponde a desprezar o óbvio. Tudo indica que seus lances miram já 2026. Não vejo futuro nem de curto nem de longo prazos nas suas escolhas. Mas o visionário é ele, não eu.
O candidato e alguns de seus entusiastas transformaram o voto útil, tema de todas as eleições, num anátema de lesa democracia, o que é conversa mole. Ciro pediu voto dos petistas em 2018 porque dizia que poderia vencer Bolsonaro, mas Haddad não.
Pessoas que já foram simpáticas à sua candidatura, mas que decidiram votar em Lula para tentar evitar o segundo turno estão sendo miseravelmente demonizadas nas redes. A tática de transformá-las em alvos para que sejam expostas ao ataque dos cães é rigorosamente a mesma do bolsonarismo. Ciro diz que o PT também tem um "gabinete do ódio". E esse? É do amor?
Em entrevista ao Canal Livre, em 2017, Ciro já dizia que os bolsomínions eram, na verdade, eleitores seus e poderiam migrar para a sua candidatura. Afirmou:
"O eleitor do Bolsonaro é meu. Eles não perceberam, mas eles estão procurando seriedade, autoridade. Eu sou isso, de verdade".
Todos vimos os bolsonaristas nas ruas no dia 7. Estavam em busca de "seriedade e autoridade"?
ENCERRO
Volto ao começo: a retórica violenta, a estridência, o xingamento, a demonização de pessoas, a intolerância... Tudo isso me parece contraproducente. Talvez mais concorra para o voto útil do que o contrário. Acho, sim, difícil que a eleição se resolva no primeiro turno. Se não acontecer, não será por obra de Bolsonaro e Ciro. De tal modo esticam a corda que podem levar o eleitor a dar uma resposta contrária ao que imaginam.