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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Texto criminoso indica que Bolsonaro antevê derrota e ensaia ação golpista

Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, em visita ao TSE. E uma das páginas do documento criminoso que traz o logo do PL - Alejandro Zambrana/Secom-TSE; Reprodução
Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, em visita ao TSE. E uma das páginas do documento criminoso que traz o logo do PL Imagem: Alejandro Zambrana/Secom-TSE; Reprodução

Colunista do UOL

29/09/2022 05h22

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Parece que Jair Bolsonaro jogou a toalha e desistiu de ganhar a eleição no voto, como se deve fazer numa democracia. A ala bolsonarista do PL divulgou um papelucho, com timbre do partido, em que acusa o sistema eleitoral de vulnerável e suscetível a fraudes. E o faz a quatro dias da eleição. O texto engrola uma maçaroca de supostas tecnicalidades para simular rigor científico em meras suposições sem fundamento, que só repetem delírios anteriormente ventilados pelo próprio Bolsonaro. Pior: o risco de fraude, adivinhem!, estaria no interior do próprio TSE.

Intitulado "Resultados da Auditoria de Conformidade do PL no TSE", afirma-se, por exemplo, nas duas páginas porcas:
"Somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código-fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais. Sem qualquer controle externo, isto cria, nas mãos de alguns técnicos, um poder absoluto de manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro".

É mentira. O tribunal abriu este código em outubro do ano passado para a análise dos partidos e das entidades que podem fazer a fiscalização. As pessoas indicadas pelo PL estiveram na Corte, como atesta a lista de presença, mas não fizeram análise nenhuma. Partindo do pressuposto falso de que servidores do TSE poderiam fazer alterações no código-fonte sem que fossem percebidas, o texto sustenta que o tribunal nada fez "para proteger estas pessoas expostas politicamente (PEP) contra a coação irresistível, gerando outro risco elevado." É espantoso, sim, ainda que não surpreendente.

Parece evidente que se está diante de uma ação multiplamente criminosa.

A reação do TSE foi dura. Numa nota à imprensa, afirmou o tribunal:
As conclusões do documento intitulado "Resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE" são falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral.
Diversos dos elementos fraudulentos constantes do referido "documento" são objetos de investigações, inclusive nos autos do Inquérito nº 4.781/DF, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, relativamente a fake news, e também já acarretaram rigorosas providências por parte do Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu pela cassação do diploma de parlamentar na hipótese de divulgação de fatos notoriamente inverídicos sobre fraudes inexistentes nas urnas eletrônicas (Recurso Ordinário Eleitoral n. 0603975-98.2018.6.16.0000/PR).
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, determinou a imediata remessa do documento ao Inquérito nº 4.781/DF, para apuração de responsabilidade criminal de seus idealizadores -- uma vez que é apócrifo --, bem como seu envio à Corregedoria-Geral Eleitoral para instauração de procedimento administrativo e apuração de responsabilidade do Partido Liberal e seus dirigentes, em eventual desvio de finalidade na utilização de recursos do Fundo Partidário.

Para quem não entendeu:
- o documento passa, agora, a ser alvo de uma investigação criminal, no âmbito do inquérito das "fake News" em razão das mentiras que contém;
- o tribunal vê indícios de atentado ao estado democrático de direito e ao Poder Judiciário, crimes previstos no Código Penal;
- há também evidência de crime eleitoral, uma vez que a peça fraudulenta foi financiada pelo Fundo Partidário.

APÓCRIFO, MAS NEM TANTO
A divulgação foi apócrifa porque sem assinatura, mas se sabe quem divulgou o lixo golpista: foi o deputado Capitão Augusto (PL-SP). E também se conhece a autoria do dito estudo, que teria 130 páginas, de que as duas divulgadas seriam uma síntese. O PL contratou para o trabalho o engenheiro bolsonarista Carlos Rocha, que comanda um certo Instituto Voto Legal, que Bolsonaro havia indicado a seu partido para fazer uma "auditoria privada" nas eleições, o que acabou não prosperando.

VALDEMAR NO TSE
O curioso é que, algumas horas antes de aparecer o papelucho criminoso, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, estivera no TSE em companhia de autoridades para visitar a chamada "Sala de Totalizações", aquela que o presidente chama de "secreta", numa de suas mentiras mais recorrentes. Costa Neto não estava só. Integrou o grupo o ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira; o presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti; representantes dos partidos União Brasil (União) e da coligação Brasil da Esperança; o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet; representantes da Controladoria Geral da União (CGU) e integrantes de comitivas de Missões de Observação Eleitorais (MOEs).

Depois desse encontro, Costa Neto declarou:
"Não tem mais [sala secreta]. Agora é aberta".

Nota: sempre foi.

O tal vomitório, já havia informado a Veja, estava lá no PL desde o dia 19. Irritado com a declaração de Costa Neto, com que teria tido uma conversa ríspida, Bolsonaro forçou a sua divulgação. Ganhe ou perca a eleição, parece que também com o PL a sua relação está com os dias contados.

CÓDIGO PENAL
A nota divulgada pelo TSE imputa ao texto "informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral".

É crime grave. Com o fim da Lei de Segurança Nacional, ele está tipificado no Código Penal, nos Artigos 359-L e 359-M, a saber:
"Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência."

Ora, a quatro dias da eleição, um partido político que divulga informações fraudulentas sobre o sistema de votação busca, evidentemente, gerar um tumulto que ameaça a democracia. Notem que o próprio TSE é acusado de estar no centro da suposta vulnerabilidade das urnas.

DE VOLTA AO PONTO
A campanha de Bolsonaro já tentou de tudo para reverter a adversidade nas pesquisas, que deve se reproduzir nas urnas. O esforço tem sido em vão. Em desespero, Bolsonaro já vê o capital buscando estabelecer pontes com o petista Luiz Inácio Lula da Silva. A visita de autoridades à sala de totalização do TSE -- e lá estava também o ministro da Defesa -- começa, vamos dizer, a normalizar a derrota do presidente. Então volta ao plano original para criar um clima de tumulto nas eleições e para se rebelar contra o resultado. Tudo indica que também ele já não acredita que possa vencer o pleito.

Mais de uma vez, Bolsonaro afirmou que só Deus o tiraria da cadeira de presidente. Ocorre que os brasileiros votam, Deus não. E, se o fizesse, por que diabos (ops!) o escolheria?