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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No "Todos contra Lula", padre de mentirinha é escada de moralista de araque

Lula, Bolsonaro, Ciro, Simone, Soraya, Dávila e o tal Kelmon, que se diz padre. Foi o debate do "todos contra um" - Marcos Serra Lima/G1; João Cotta/Globo
Lula, Bolsonaro, Ciro, Simone, Soraya, Dávila e o tal Kelmon, que se diz padre. Foi o debate do "todos contra um" Imagem: Marcos Serra Lima/G1; João Cotta/Globo

Colunista do UOL

30/09/2022 05h12

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Vamos ver.

Se os leitores estiverem em busca de um comentarista para decretar empate entre todos no debate da Globo, distribuindo responsabilidades pelo baixo nível e pelo bate-boca, podem procurar outro. Convém parar a leitura por aqui.

Posso até condescender — e já digo por que emprego esse verbo — e afirmar que, mais uma vez, Simone Tebet (MDB) se mostrou equilibrada e tal. Convenham: ela sabe que não será presidente em 2023 e não era o alvo da noite, embora, com a truculência habitual, Jair Bolsonaro tenha procurado intrigá-la com o agronegócio do seu Estado. Agiu corretamente também quando percebeu que o presidente tentou usá-la para acusar Lula de ser o responsável pela morte de Celso Daniel. Acusou-o de covarde por não dirigir a pergunta ao petista.

Ciro Gomes (PDT), sempre eloquente, partiu para cima do ex-presidente, como era o esperado, responsabilizando-o, uma vez mais, pela tragédia do atual governo, o que considero uma tolice. Mas essa é a opinião que lhe é politicamente útil. O petista saiu-se bem, sem caneladas, lembrando as realizações de sua gestão. Até aí era o esperado. E debate, afinal, não deveria ser palco para "padre de festa junina" se comportar como candidato-laranja do presidente da República. Soraya Thronicke (UB) se perdeu no curso do embate, mas resumiu a formação teológica do tal Kelmon, que se diz sacerdote da Igreja Ortodoxa, embora ninguém das diversas hierarquias o reconheça como tal.

Foi, como resta evidente — e os arquivos estão em todo canto —, Bolsonaro quem decidiu partir para o vale-tudo contra Lula. E aí se assistiu à sequência de pedidos de direito de resposta. Havia tudo nos ataques do golpista, menos ideias ou propostas. Repetiu, por exemplo, a mentira alucinada de que a corrupção teria gerado um prejuízo de R$ 900 bilhões à Petrobras. Num dado momento, Ciro cansou de servir de escada à extrema-direita e chegou até a ter uma conversa civilizada com Lula sobre meio ambiente.

Quem venceu? Não é um jogo em que as cestas ou os gols podem ser objetivamente contados. Lula deu as melhores respostas às questões que antigamente se chamavam "economia", "política" e "economia política". Mas haverá certamente quem considere, digamos, muito esperta a dobradinha entre Bolsonaro e aquele cara de bandana.

Se formos ler as respostas transcritas, excetuando-se os aspectos de mau espetáculo circense, o petista evidenciou por que tem condições de ser chefe do Executivo e por que o atual ocupante da cadeira a desmoraliza desde 2019.

Intuo — não mais do que isso porque não disponho de instrumentos para avaliar — que ninguém ganhou ou perdeu votos em razão do debate. Há um placar que é muito objetivo: "Todos contra Lula".

"Ah, ele não deveria ter perdido a paciência com o tal que se diz padre". É... Idealmente eu também acho. Mas não deve ser fácil manter a calma diante de uma figura patética como aquela. Esse cara, acreditem, já dedicou a Bolsonaro um troço que ele chama "poema". Escreveu: "Onde aja miséria e fome/ não posso fingir, negar". Tentou escrever "haja", como devem ter percebido. "Caramba, Reinaldo! Onde ele fez seminário?" Ora, em lugar nenhum.

Os bolsonaristas certamente estão vibrando com as baixarias a que recorreram o Mito e seu Leporello de batina. Convenham: o presidente não inovou. Se isso ganhasse eleição, estaria eleito no primeiro turno. É evidente que é preciso pensar um modo de impedir que impostores tumultuem um encontro que poderia, efetivamente, ter debatido alguns temas importantes para o país.

E é urgente e necessário fazê-lo, sob o risco de os debates se transformarem em arapucas em que embusteiros têm tudo a ganhar porque nada têm a perder, tampouco a reputação e a vergonha.

Não sou político. Jamais serei. Se fosse, não sei se aceitaria participar de um encontro cada vez mais destinado à produção de memes e obscurantismos.

Uma pergunta: será que a maioria do eleitorado — não os fanáticos que dão plantão em redes sociais — gosta quando todos se juntam contra um? A ver.

Nota: A imprensa se referir a Kelmon como "religioso" é uma ofensa ao jornalismo, à religião e aos fatos.