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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Grita contra a correta resolução do TSE é bolsonarismo ou tolice. Ou ambos

pixabay.com; depositphotos.com
Imagem: pixabay.com; depositphotos.com

Colunista do UOL

21/10/2022 05h13

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A associação entre idiotas e espertalhões está espalhando "fake news" sobre uma resolução do TSE destinada a combater... "fake news". E até a imprensa dita profissional está abrigando burrices. Acusa-se o tribunal de agir de ofício, o que macularia a lei. É mesmo? Vamos, então, à questão principal, que diz respeito ao Artigo 3º. Lá está escrito:

"Art. 3º A Presidência do Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a extensão de decisão colegiada proferida pelo Plenário do Tribunal sobre desinformação, para outras situações com idênticos conteúdos, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 2º, inclusive nos casos de sucessivas replicações pelo provedor de conteúdo ou de aplicações."

A multa a que se refere o texto (vejam íntegra da Resolução no pé do artigo) é de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação. Sigamos.

Agir de ofício? Uma ova! Reitero: ou a crítica parte de tontos, incapazes de entender o que leem, ou de pilantras. Com a resolução, os juízes do TSE recusam, literalmente, o papel de bobos da corte. O que tem acontecido com frequência escandalosa?

Determina-se a exclusão de um conteúdo, com uma dada URL, por exemplo, e ele reaparece, nos mesmos termos, com outra, situação em que seria necessário esperar a tramitação de um novo pedido para que o tribunal reexaminasse matéria já julgada.

Convém ler o que está escrito: trata-se de extensão de decisão, procedimento mais do que corriqueiro em tribunais, a situações com "idênticos conteúdos". Atentem ainda que isso vale para decisões proferidas pelo Plenário. O que querem os críticos e os abobados que chamam a isso "agir de ofício"? Que o tribunal viva numa espécie de presente eterno, julgando de novo hoje o que julgara ontem e se preparando para julgar amanhã o julgado hoje? Essa restrição ambiciona ter alguma seriedade?

A ser assim, logo teremos "juristas" a vituperar contra, deixem-me ver, o voto vinculante no Supremo, não é mesmo? Chamarão também a isso de decisão de ofício? E olhem que poderia ser considerada coisa ainda pior do que a resolução do TSE, Afinal, quando o Supremo declara o efeito "erga omnes" no controle concentrado de constitucionalidade, estabelece uma tese para todos os casos a partir de um caso. O TSE está apenas aplicando ao mesmo caso a decisão já tomada.

Não há como. Se não for ignorância, é má-fé mesmo.

PRAZO
Também se reclama dos Parágrafos 1º e 2º do Artigo 2º, que muda o prazo para a retirada do ar de material sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado. O tempo seria muito curto. Suponho que a reclamação parte das redes e plataformas. Reproduzo:

§ 1º Verificada a hipótese prevista no caput, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação.

§ 2º Entre a antevéspera e os três dias seguintes à realização do pleito, a multa do § 1º incidirá a partir do término da primeira hora após o recebimento da notificação.

Lembro que o prazo de 24 horas estava fixado também por resolução. Não quero ser óbvio demais, mas não há outro modo mais claro de dizer isto: uma resolução pode mudar outra. Desde que as empresas tenham recebido os endereços do que deve ser excluído, nos termos já aqui postos, qual é a dificuldade para fazê-lo? É evidente que o tempo de 24 horas era excessivo. Todos sabemos o estrago que uma mentira provoca a cada segundo.

MATERIAL PAGO NA INTERNET
O Artigo 240 do Código Eleitoral (Lei 4.737) dispõe no seu Parágrafo Único:

"É vedada, desde quarenta e oito horas antes até vinte e quatro horas depois da eleição, qualquer propaganda política mediante radiodifusão, televisão, comícios ou reuniões públicas."

Muito bem! Os Artigo 57-B e 57-C da Lei Eleitoral (9.504) elenca as várias situações em que a propaganda na Internet é permitida. Há uma exceção ali para os chamados "impulsionamentos" que, na prática, se transformaram num meio de violar o que dispõe o Artigo 240 do Código Eleitoral (ver acima).

Ora, a monetização de blogs e canais de conteúdo eleitoral, convenham, virou uma farra. Deem uma boa razão para que a propaganda política seja proibida "mediante radiodifusão, televisão, comícios e reuniões públicas", mas liberada nas redes. Resposta: não há.

Assim, a nova resolução do TSE põe ordem na bagunça no seu Artigo 6º:
Art. 6º É vedada, desde quarenta e oito horas antes até vinte e quatro horas depois da eleição, a veiculação paga, inclusive por monetização, direta ou indireta, de propaganda eleitoral na Internet, em sítio eleitoral, em blog, em sítio interativo ou social, ou em outros meios eletrônicos de comunicação da candidata ou do candidato, ou no sítio do partido, federação ou coligação.

CENSURA COISA NENHUMA
O presidente Jair Bolsonaro e alguns e alguns bocós saíram por aí a vituperar contra a resolução do TSE. A crítica não tem fundamento. O presidente, aliás, afirmou numa entrevista que as "fake news" nem mesmo são tipificadas como crime no Código Penal.

Acho bom o ainda mandatário consultar seus advogados. De fato, o Código Penal não tipifica "fake news" — embora puna crimes cometidos por intermédio delas. Mas isso é matéria para outra conversa. O fato é que Código Eleitoral (Lei 4.737) explicita de maneira clara a punição no Artigo 323, a saber:

Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado:
Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos.

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime:
I - é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real;
II - envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.

TAMBÉM TENHO DISCORDÂNCIAS
Ora, é claro que eu também discordo de decisões do tribunal:
- Bolsonaro efetivamente falou "rolou um clima" ao se encontrar com meninas de 14, 15 anos, que julgava, erroneamente, que eram prostitutas;
- Bolsonaro efetivamente falou em comer carne humana ao mentir sobre suposto ritual canibal dos yanomamis;
- parece-me mais do que lógico que a frase "quero todo mundo armado" deva ser relacionada e episódios trágicos com armas de fogo.

Ministros mandaram que a campanha do PT retirasse material do ar relativo a essas declarações e chegaram a conceder direito de resposta. Acho que estão errados. Não há mentira nem descontextualização. Discordo da decisão, não da competência que têm o tribunal para decidir e para editar resoluções — muito especialmente quando estas dão eficácia a leis.

ENCERRO
Bestas do reacionarismo estão por aí a vituperar contra a resolução. Algumas, é visível, nem sequer leram o texto. Outra estão a serviço e fingem que o tribunal não dispõe de competência para estender para situações idênticas ou análogas decisão de matéria já julgada.

Pois é. Tal prática é da natureza de tribunais superiores.

Convém se instruir. Assim se pensa mais e se baba menos.

Segue integra da resolução
*
RESOLUÇÃO DE 20 DE OUTUBRO DE 2022. Dispõe sobre o enfrentamento à desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral. O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso de suas atribuições legais e regimentais, RESOLVE:

Art.1º Esta Resolução dispõe sobre o enfrentamento à desinformação atentatória à integridade do processo eleitoral.

Art. 2º É vedada, nos termos do Código Eleitoral, a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos.

§ 1º Verificada a hipótese prevista no caput, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação.

§ 2º Entre a antevéspera e os três dias seguintes à realização do pleito, a multa do § 1º incidirá a partir do término da primeira hora após o recebimento da notificação.

Art. 3º A Presidência do Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a extensão de decisão colegiada proferida pelo Plenário do Tribunal sobre desinformação, para outras situações com idênticos conteúdos, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 2º, inclusive nos casos de sucessivas replicações pelo provedor de conteúdo ou de aplicações.

§ 1º Na hipótese do caput, a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral apontará, em despacho, as URLs, URIs ou URNs com idêntico conteúdo que deverão ser removidos.

§ 2º A multa imposta em decisão complementar, proferida na forma deste artigo, não substitui a multa aplicada na decisão original.

Art. 4º A produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais, observados, quanto aos requisitos, prazos e consequências, o disposto no art. 2º.

Parágrafo único. A determinação a que se refere o caput compreenderá a suspensão de registro de novos perfis, contas ou canais pelos responsáveis ou sob seu controle, bem assim a utilização de perfis, contas ou canais contingenciais previamente registrados, sob pena de configuração do crime previsto no art. 347 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 — Código Eleitoral.

Art. 5º. Havendo descumprimento reiterado de determinações baseadas nesta Resolução, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a suspensão do acesso aos serviços da plataforma implicada, em número de horas proporcional à gravidade da infração, observado o limite máximo de vinte e quatro horas.

Parágrafo único. Na hipótese do caput, a cada descumprimento subsequente será duplicado o período de suspensão.

Art. 6º É vedada, desde quarenta e oito horas antes até vinte e quatro horas depois da eleição, a veiculação paga, inclusive por monetização, direta ou indireta, de propaganda eleitoral na Internet, em sítio eleitoral, em blog, em sítio interativo ou social, ou em outros meios eletrônicos de comunicação da candidata ou do candidato, ou no sítio do partido, federação ou coligação (art. 7º da Lei n. 12.034, de 29 de setembro de 2009).

§ 1º Verificado descumprimento da vedação a que se refere o caput, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão fundamentada, determinará às plataformas a imediata remoção da URL, URI ou URN, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 150.000,00 (cem e cinquenta mil reais) por hora de descumprimento, a contar do término da primeira hora após o recebimento da notificação.

§ 2º O descumprimento do disposto no caput configura realização de gasto ilícito de recursos eleitorais, apto a determinar a desaprovação das contas pertinentes, sem prejuízo da apuração do crime previsto no art. 39, § 5º, inciso IV, da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997.

Art. 7º O disposto nesta Resolução não exclui a apuração da responsabilidade penal, do abuso de poder e do uso indevido dos meios de comunicação.

Art. 8º Fica revogado o art. 9º-A da Resolução TSE nº 23.610, de 2019.

Art. 9º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 20 de outubro de 2022.