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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O "bolsofascismo" ainda ronda o país, e é preciso, sim, escolher um lado

Guidacci/Joralistas Livres
Imagem: Guidacci/Joralistas Livres

Colunista do UOL

01/12/2022 02h25

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O espectro fascistoide ainda ronda o país, e é necessário que saibamos todos de que lado estamos e também os interlocutores. Ou bem o vivente se alinha com a democracia — e, pois, defende a punição a golpistas — ou, então, pisca para eles, tornando-se um corpo estranho no pacto civilizatório. Isso não significa que você tenha de concordar com tudo o que faz um adversário do "bolsofascismo". Aliás, você pode discordar de tudo. Mas isso quer dizer, sim, tolerância zero com o golpismo. Não é o que se tem visto nem na outrora chamada "grande imprensa", que hoje abriga a pena de notórios, ainda que nada notáveis, defensores da intervenção militar. A canalha tenta florear a natureza de sua postulação com supostas objeções de princípio que mal disfarçam o desejo de impedir a posse do presidente eleito.

A herança maldita de Jair Bolsonaro não se limita, pois, à governança destrambelhada, à maquiagem da área fiscal — com as alegorias de mão com que Paulo Guedes distrai incautos e mercadistas do século passado — ou à terra arrasada nas políticas sociais. Nota rápida: distribuir pagamentos de R$ 600, em termos guediano-bolsonaristas, pode ser só uma maneira de desorganizar, como aconteceu, as políticas públicas de atendimento aos mais vulneráveis. O desastre é ainda mais fundo.

Nesta quarta, sob o pretexto de ainda debater a fiscalização das inserções eleitorais, uma miríade de golpistas pintou e bordou em comissão do Senado em evento que se estendeu das 10 da manhã até a noite. Quem convocou o encontro foi o senador negacionista Eduardo Girão (Podemos-CE), notório por tentar sabotar a CPI da Covid. Uma das Casas do Parlamento abrigou discursos escancaradamente golpistas e, pois, criminosos.

O encontro reuniu parlamentares bolsonaristas, advogados e arruaceiros de várias estirpes. Os desembargadores aposentados Ivan Sartori e Sebastião Coelho, dos Tribunais de Justiça de São Paulo e DF, respectivamente, defenderam a intervenção militar. Alegaram, o que é mentira, que o Artigo 142 da Constituição autorizaria a ação. Ambos estão descontentes, como todos os presentes, com as decisões tomadas pelo STF e pelo TSE. Ives Gandra Martins, pai da tese absurda de que as Forças Armadas podem desempatar o jogo no caso de um conflito entre Executivo e Judiciário, emprestava ao acontecimento as suas lentes embaçadas pela mistificação e pela ideologia.

Participaram do evento, informa a Folha, os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP), Filipe Barros (PL-PR), Daniel Silveira (PTB-RJ), Bia Kicis (PL-DF), Osmar Terra (MDB-RS), Marcel van Hatten (Novo-RS) e o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), além de deputados eleitos como Gustavo Gayer (PL-GO) e Zé Trovão (PL-SC). Magno Malta (PL-ES), que volta ao Senado no ano que vem, também estava lá.

Zambelli, uma das mais buliçosas, já havia divulgado vídeo na terça convocando o golpe de estado:
"Dia 1º de janeiro, senhores generais quatro estrelas, vão querer prestar continência a um bandido ou à nação brasileira? Não é hora de responder com carta se dizendo apartidário. É hora de se posicionar. De que lado da história vocês vão ficar?".

Ela os quer do lado do golpe.

No Senado, deu-se o microfone para ninguém menos do que Fernando Cerimedo, um meliante argentino de extrema direita, que criou uma teoria estupidamente conspiratória contra o sistema de votação no Brasil. E, por certo, não poderia faltar Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, que elaborou o relatório picareta que levou o PL a pedir o cancelamento de 60% das urnas eleitorais.

A audiência também serviu como uma sessão de descarrego contra o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE e membro do Supremo. Silveira, aquele..., afirmou: "Tem que prendê-lo em flagrante pelo crime de tortura ou impichar aqui e ser preso depois". O ainda deputado se disse "disposto a matar e morrer pelo Brasil".

Uma reunião dessa natureza tem, obviamente, o objetivo de dar esperanças a arruaceiros golpistas que ainda estão em estradas e às portas de alguns quartéis. Querem que os zumbis, financiados por canalhas, acreditem que uma virada de mesa ainda é possível, enquanto o deputado Eduardo Bolsonaro vai à farra no Catar.

Todos os parlamentares presentes incorreram em quebra do decoro ao participar de um ato dessa natureza no Senado. A imunidade não lhes confere licença para cometer crimes. O Código Penal pune as maquinações golpistas nos Artigos 286 (Parágrafo Único), 359-L, 359-M e 359-R. Não obstante, toda essa gente tem a certeza da impunidade porque finge acreditar que a liberdade de expressão lhes faculta o direito de pregar golpe de estado.

Como resta evidente, toda essa gente se reuniu numa das Casas do Congresso para pregar desrespeito à vontade popular. Isso significa que terá como padrão a desobediência às regras do jogo e escolherá o caminho da delinquência para se opor ao futuro governo. Então voltemos ao ponto de partida: se isso é tolerável, com quais outros crimes havemos de condescender? Todos temos de dar essa resposta. E de escolher um lado.