Reinaldo Azevedo

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Opinião

Lula, Campos Neto e os donos da coleira. Ou: Existe autonomia de oposição?

Os "ai-ai-ais" e "ui-ui-us" em defesa de Roberto Campos Neto já se espalham imprensa afora, e obviamente os meus não fariam nenhuma falta. De todo modo, ainda que eu fosse, como o Brás Cubas de Machado de Assis, criar um remédio para curar "a nossa melancólica humanidade", não daria esse emplasto (ou emplastro) ao presidente do Banco Central.

Na entrevista concedida ontem à CBN, o presidente Lula desceu o sarrafo no chefe da chamada "Autoridade Monetária", que, como se sabe, não podemos dizer que seja autônomo como um taxista. Este, afinal, leva o vivente aonde ele deseja ir. É um prestador de serviços privados, dentro de determinadas regras. Campos, como já está claro, tem passageiros preferenciais. A alguns, ele dá uma banana — um autônomo, afinal! —; a outros salamaleques e rapapés, coisa que profissional dos bons não faz. Logo, falta a Campos a autonomia dos taxistas.

Lula está inconformado com a taxa de juros. Eu também. E um monte de gente boa que eu conheço. E os há que acreditam que os postulados que vão conservar amanhã a taxa de juros estão corretos. Posso conviver com a divergência. Como não vi mal nenhum no 5 a 4 do Copom em favor da queda de 0,25 ponto da Selic na jornada anterior. Os minoritários queriam 0,5 — conforme, aliás, a própria ata havia orientado.

Que é? Vou ter de lembrar de novo que Campos, num seminário em Washington, mudou a orientação sem falar com ninguém? Terei de recuperar aqui o sem-número de vezes em que, palestrando aos mercados, resolveu fazer precisões pessimistas quando evocava a política fiscal vis-à-vis a monetária, indo muito além das suas sandálias e rompendo o diálogo que, nesses casos, há de se necessariamente sigiloso entre um presidente do Banco Central e o ministro da Fazenda? Sigiloso não quer dizer secreto. Porque as decisões serão necessariamente públicas.

Mas quê! Ele passou a falar como voz e bússola da razão. Depois daquele 5 a 4, de que se fez uma leitura absurda, pautada pela especulação mais desvairada, em vez de atuar para minimizar o problema, deixando claro não se tratar de nenhuma interferência externa no BC, fez rigorosamente o contrário. Num desses papinhos com agentes do mercado, deu a entender que é mesmo preciso cuidar da reputação da instituição.

Ou por outra: ajudava a antecipar a patrulha sobre futuras indicações de Lula para o banco, como se as quatro já aprovadas pelo Senado não fossem sérias o bastante. "Sérias" à moda de quem? De Roberto Campos Neto??? Pois é. Eis o busílis.

Presidente autônomo de Banco Central não pode aceitar homenagem de oposicionista que fez discurso golpista. E Campos Neto aceitou. Presidente autônomo de Banco Central não pode participar de convescote da oposição. E Campos Neto participou. Presidente autônomo de Banco Central não pode aconselhar aquele que se coloca, ou é colocado, desde já, como o adversário do atual mandatário nas eleições futuras. E ele aconselhou. Presidente autônomo de Banco Central não pode se oferecer para ser ministro da Fazenda desse oposicionista caso eleito. E Roberto Campos se ofereceu. Na verdade, desde a eleição, sabemos, ele vestiu uma camisa amarela e saiu por aí. Desculpou-se depois. Mas fez como os pecadores do poeta Gregório de Matos: só para poder continuar a pecar com os ombros mais leves.

O que disse o Lula sobre um futuro presidente do BC, sobrando bordoada no atual?
"A quem esse rapaz é submetido? Como é que ele vai numa festa em São Paulo, quase que assumindo a candidatura a cargo no governo de São Paulo? Cadê a autonomia dele? Então, veja, eu trato com muita seriedade, muita seriedade, e eu vou escolher um presidente do Banco Central que seja uma pessoa que tenha compromisso com o desenvolvimento deste país, com o controle da inflação, mas que também tenha na cabeça que a gente não tem só de pensar no controle da inflação. Temos de pensar também numa meta de crescimento (...) Não é que ele encontrou com Tarcísio numa festa. A festa foi do Tarcísio para ele. Foi uma homenagem que o governo de São Paulo fez para ele. Certamente porque o governador de São Paulo está achando maravilhosa a taxa de juros. Então, quando ele se autolança a um cargo, eu fico imaginando: agora vamos repetir o Moro? O presidente do Banco Central está disposto a fazer o mesmo papel que o Moro fez? O paladino da justiça com o rabo preso a compromissos políticos? Então o presidente do Banco Central tem que ser uma figura séria, responsável. E ele tem de ser imune aos nervosismos momentâneos do mercado".

SÓ DUAS CORREÇÕES
Só faço duas correções circunstancias à fala de Lula, e ambas agravam bastante a situação, digamos, moral de Campos Neto. Ele se ofereceu para ser ministro de Tarcísio, não para cargo no governo de São Paulo. Vale dizer: na presidência do BC, depois de ter concorrido para a piora dos índices, tratou o governador como sucessor de Lula -- se não em 2027, em 2031. Há quem ache aceitável? Não acho. Entendo ser uma questão de padrão ético.

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No que respeita ao detestável Moro, a situação do "banqueiro central" é ainda pior. Aquele, afinal, foi convidado para ser ministro depois da vitória de Bolsonaro, e ele não estava exercendo cargo no aparelho do Executivo no mandato do presidente que encerrava a jornada. Há quem veja em Campos Neto o gênio da lâmpada do ponto de vista técnico. Não é o meu caso. E um monte de gente que conhece economia com muito mais profundidade pensa o mesmo.

Ocorre que não se trata aqui de um debate técnico ou de escolas de pensamento sobre matéria econômica. Estamos falando de ética política e de modo de organizar o Estado. O BC não pode ser "autônomo" só em relação ao governante contra o qual o chefe da autoridade monetária tem reservas de natureza ideológica.

Alan Greenspan, que está com 98 anos, ficou 19 anos à frente do FED, nos Estados Unidos, servindo aos governos Reagan, Bush pai, Clinton, e Bush filho. Nesse tempo, em eventos públicos, lembrou um amigo, falava apenas duas palavras: "Uísque" e "Obrigado!" Campos Neto fala em um mês mais do que Greenspan em quase 20 anos.

ENCERRO
Encerro observando que foi Campos Neto quem ajudou a consolidar a exigência -- o nome é esse -- de que o Copom mantenha inalterada a taxa de juros, com ensaios aqui e ali para uma "elevação de advertência" na jornada futura. Isso já não basta. Dizem as vozes "duzmercáduz" que têm voz no finado jornalismo econômico: "Ou é manutenção por unanimidade, ou nós vamos especular..."

Essa "autonomia" de coleira não é mesmo um espetáculo?

O "liberalismo" à brasileira nunca se livrou das botas e do chicote. Deixado à sua própria conta, resgata também o tronco.

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PS: De resto, Lula não é bobo. O pau em Campos Neto ajuda a garantir a manutenção da Selic por unanimidade. Como querem os donos da coleira.

Roberto Campos Neto e Alan Greenspan, que ficou quase 20 anos à frente do FED, com quatro presidentes diferentes, três republicanos e um democrata. O brasileiro fala em uma única festa imprópria mais do que o americano em 19 anos. Este, em eventos, dizia duas palavras apenas: "Uísque" e "obrigado!"
Roberto Campos Neto e Alan Greenspan, que ficou quase 20 anos à frente do FED, com quatro presidentes diferentes, três republicanos e um democrata. O brasileiro fala em uma única festa imprópria mais do que o americano em 19 anos. Este, em eventos, dizia duas palavras apenas: "Uísque" e "obrigado!" Imagem: Reprodução

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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