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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Crítica de Lula ao BC é cálculo, não chilique. E isso não é chutar a santa

Roberto Campos Neto, presidente do BC, e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil. É preciso ter clareza de quem preside o quê - Reuters
Roberto Campos Neto, presidente do BC, e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil. É preciso ter clareza de quem preside o quê Imagem: Reuters

Colunista do UOL

08/02/2023 03h43

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Será mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está batendo no Banco Central na base de rompantes, vale dizer: tem lá seus chiliques e resolve atacar a tal independência do BC? Acho que não. "Chilique" por três dias seguidos é cálculo. Eu fico muito à vontade nesse debate porque acho impossível levar a sério esse negócio se você tem um mínimo de seriedade intelectual.

Sempre se é dependente ou independente em relação a alguma coisa, não é mesmo? O Banco Central é independente de quem ou do quê? Alguém poderia responder: "Dos políticos e da política". É mesmo? Se fosse verdade, não seria assim tão bom porque acho um erro demonizar a política.

Eu, cá do meu lado, também não quero satanizar ninguém, mas noto que a arbitragem da taxa de juros, por exemplo, se dá depois de o BC ouvir os mercados, não é? O tal Boletim Focus existe para colher as opiniões da turma, nem sempre tão iluminadas. E esse erra muito também.

Estou entre aqueles que pensam que já havia espaço para baixar a taxa de juros na reunião passada do Copom. Não aconteceu. Até aí, vá lá, os que dizem que isso seria um erro podem até estar certos. Mas e aquele recadinho enviado ao governo, como se oriundo do mundo empíreo, advertindo para a questão fiscal? Convenham: o sempre educado Roberto Campos Neto é presidente do Banco Central, não é presidente do Brasil.

Estão tentando jogar água na fervura e ameaçando Lula com o Armagedom caso ele não cesse suas críticas ao BC. A resposta que ele deu? Esta: se o presidente da República não pode se manifestar, quem vai protestar? O catador de reciclável? Aí os independentistas respondem: "Ora, ninguém fala nada!" Mas, então, já não estamos mais lidando com o BC, o Copom e com a política monetária. Voltamos à infalibilidade papal.

A ata, disse Fernando Haddad, ministro da Fazenda — e é bom que tente baixar a temperatura — é um pouco mais, digamos, suave, do que aquele recado institucionalmente meio malcriado. É verdade. Há ali algum aceno. Mas a questão está longe do fim.

ERRO DE PRINCÍPIO
Lula não desistiu, não. Depois das críticas que disparou ao BC na posse da nova diretoria do BNDES, voltou à carga nesta terça em café da manhã com jornalistas da chamada "mídia independente e alternativa". Numa referência ao Conselho Monetário Nacional, afirmou: "Eu espero que o [Fernando] Haddad esteja acompanhando, a Simone [Tebet] esteja acompanhando e que ele próprio [Roberto Campos Neto] esteja acompanhando a situação do Brasil". É dali que partem, em princípio, as diretrizes a serem seguidas pelo BC.

Onde está o erro de princípio? A tal independência do Banco Central, tese pela qual jamais me bati — não encontrarão texto meu exaltando-a — é, em tese, uma prática que tornaria a política monetária imune à politização. Pergunta óbvia de resposta não menos: quando foi aprovada, deu-se ou não num determinado ambiente político? Os que a defendem, por acaso, não fazem também suas escolhas?

O pedido de demissão do presidente do BC pode ser encaminhado ao Senado por ineficiência. Vistos os números, sem contexto, pode-se dizer que o órgão não cumpriu seu desiderato. Em um ano e cinco meses, a taxa de juros saltou de 2% para 13,75%, e a inflação está bem acima do teto da meta. Há boas pessoas e gente graúda — que ganhou bastante dinheiro nesse tempo — que dizem que os 2% eram tão irrealistas como destrambelhados são os 13,75%.

Quando o BC mantém a taxa de juros nas alturas sem que fique claro — ou me digam onde está essa clareza — como essa taxa poderá devolver a inflação à meta; quando tal manutenção cria óbvios entraves ao crescimento e quando se aponta que a única saída é resolver a questão fiscal, com a a evidente sugestão de que ou se corta gastos ou nada feito... Bem, quando tudo isso acontece, é forçoso lembrar que essa é uma opção, sim, que goza de grande prestígio entre certos formadores de opinião, mas que não é a única.

E pronto! Sabe o que surge no horizonte? O fantasma da "politização" do Banco Central, sendo que o objetivo declarado da independência, pelo menos no papel, era justamente "despolitizar". E então cabe a pergunta: existe mesmo essa despolitização? A suposição de que a política monetária será o bedel da sociedade e dos políticos ou a mãe de todas as correções é sustentável?

QUER MUDAR?
"Está querendo o fim da independência, Reinaldo?" Até poderia porque, afinal, nunca a defendi. Acho a tese intelectualmente desonesta porque "independente" o banco jamais será. Mas não. Não creio que seria uma boa ideia fazer agora essa cruzada. Mas entendo também -- e o senador Jaques Wagner está certo na entrevista que deu à Folha -- que não se pode tentar impedir o presidente de emitir uma opinião.

Faltou habilidade ao Banco Central. Pareceu-me que houve uma tentativa de "dar uma sambadinha" no salão do novo poder, que já fora desafiado por golpistas, para evidenciar quem manda. E esse também não me parece ser o comportamento exemplar de um independente.

O Brasil chegou a "grau de investimento" com um BC "dependente". "Ah, mas esse era o governo Lula 1; o governo Lula 3 está sendo muito diferente". Está? São 39 dias de gestão hoje. A verdade é que o mau humor começou com a PEC da Transição. Alheios à peça orçamentária de ficção enviada por Bolsonaro, os tais "mercados" e seus porta-vozes na imprensa passaram a ver no texto um exemplo gritante de falta de compromisso com o rigor fiscal.

Concluída a primeira reunião do Copom do governo Lula, veio aquele recadinho. Pior: começou a circular a história de que, antes de novembro, não haverá redução dos juros. E ponto. Ora, Campos não era do tipo hostil à política no governo Bolsonaro, certo?

Ao pé deste artigo, republico o que escrevi aqui no dia 11 de fevereiro de 2021, há dois anos, quando a Câmara aprovou o texto-base da tal independência. Vejam ali. Minha crítica a essa tolice não é de agora. A tal independência é um fetiche. Talvez um BC "dependente" não tivesse baixado a taxa a 2% nem elevado a 13,75%, sei lá. Isso deveria ser um não assunto. Mas, se é e se o banco é independente, que não ouse se comportar como governo.

Não creio que Lula vá encaminhar a queda de Campos Neto. Mas também não acho que vá parar de pressionar. O BC é independente, certo?, e o petista é o presidente de todos os brasileiros. Representa-os, particularmente a seus eleitores. Pode, pois, encaminhar suas demandas.

Mas qual o "cálculo" de Lula? Se o BC resolve fazer um comunicado e uma ata de alcance político — e os documentos têm esse aspecto —, estão que seja exposto também ao embate... político. E técnico. O que há de errado nisso?

TRUMP
Donald Trump chamou o FED de "muito agressivo", de "patético", de "lento", de "louco". Chegou a classificar todos os seus membros de "estúpidos". Jerome Powell era seu saco de pancadas. "Está usando aquele doido como exemplo, Reinaldo?" Não. Estou destacando que a imprensa não fica publicando chiliques de colunistas porque os colunistas não tinham chiliques com isso. O tarado quase leva os EUA à ruína, mas não por causa das críticas ao Banco Central. Nota: o presidente dos EUA dispõe do Federal Reserve Act. Pode demitir um membro do conselho do FED por justa causa. Se aconteceu, não lembro. Acho que não. Mas pode.

Lula foi manso. Tratou Campos Neto como "esse cidadão". E há quem esteja vendo nisso uma ofensa gravíssima... A nossa imprensa, tão ousada em certos casos, vira muito pudica quando se mexe com o... "BC independente". Até "cidadão" vira palavrão.

Abaixo, em vermelho, o meu texto de há dois anos. E o presidente era o biltre homiziado de Orlando. Vejam que não mudo meu juízo a depender do titular. Ah, sim: em dezembro de 2025, Lula terá indicado os nove diretores do Copom. Por que eu fico com a impressão de que haverá fanáticos independentistas de agora querendo rever a... independência?
*

BC independente? Para mim, está bem. Hoje, é fetiche irrelevante de liberal

A Câmara aprovou texto-base da autonomia do Banco Central. Nada contra e até muita coisa a favor. O BC já tem sido autônomo. Vamos ver. Muito cuidado nessa hora!

O Supremo decidiu, por exemplo, que a responsabilidade pelo combate ao coronavírus deveria ser compartilhada por União, Estados e municípios. E Bolsonaro fez o quê? Para justificar a sua brutal incompetência, inventou que o tribunal o tinha proibido de atuar no combate à doença, ficando restrito às medidas de caráter econômico — que passavam, de resto, pelo Congresso.

Vale dizer: o presidente contou uma mentira para justificar a sua indigência técnica e gerencial.

Imagino Bolsonaro ou alguém com perfil parecido:
"Ah, não posso fazer tal coisa porque o Banco Central não deixa. Culpa deles!"

Teremos de acompanhar a prática dessa autonomia no detalhe. Entendo que políticos não se meteriam com o Banco Central, certo? E o dito-cujo? Iria se meter com os políticos? Dia desses, Roberto Campos Neto, presidente do BC, deu um pau no auxílio emergencial. Isso poderia acontecer no novo formato? Entendo que não.

Que a autoridade monetária avaliasse os efeitos e regulasse a sua política de expansão ou retração da base, de juros maiores ou menores. E ponto. Não diria mais nada.

Não podemos ter um presidente do Banco Central que substitua Executivo e Legislativo, certo? Outra coisa: poderá continuar a folia de um profissional do mercado sair de banco ou corretora para a diretoria do BC e desta para banco e corretora?

A quarentema pensada é de seis meses. É muito pouco. Em casos assim — aí, sim —, o melhor seria termos quadros de uma burocracia estável. Nada impediria que os diretores consultassem o mercado.

Independência, de resto, é palavra muito densa, né?

Percebam: a independência do BC parte do princípio de que a política monetária, a moeda, é coisa séria demais para ficar nas mãos de políticos, ainda que os nomes tenham de passar pelo Senado. Com a Saúde, por exemplo, nada de debater independência! E olhem que estamos falando de uma garantia constitucional.

Nesse caso, pode-se ter um amador desastrado no cargo. Afinal, o povaréu que espere. Os endinheirados, como se sabe, não dependem do SUS. Que fique lá, então, um Zé Mané qualquer, independentemente dos resultados. Não importa o que faça, só será demitido pelo presidente.

Já o Banco Central é coisa séria, né? E não digo que não seja. Mas é preciso observar com cuidado qual é a expectativa da tigrada. Não! Eu não vou aqui repetir o mantra das esquerdas, que se ouviu de novo nesta quarta, segundo a qual "BC independente é igual Bolsa Banqueiro". A frase tem calor, mas pouca luz.

Uma gestão incompetente da política monetária pode, sim, conduzir ao buraco o país e o governante. Temos experiência disso. A tal independência é bem-vinda. Só não a tomo como a pedra filosofal.

Há um certo sonho por aí — que não vai se realizar e que pode ser caminho de crise — segundo o qual o Banco Central independente substituiria os políticos do Executivo e do Judiciário. Não vai. Isso corresponde a tomar o atalho da crise.

Que os diretores do BC tenham mandato. Mercados vão aplaudir e tal. O efeito na economia será não mais do que residual porque isso, hoje, está mais no terreno do fetiche do que no da urgência.

Texto-base foi aprovado. Precisaremos agora conhecer o diabo dos detalhes.

Pode parecer que sou contra, já que este artigo não está impregnado de entusiasmo. Olhem, acho bacana e coisa e tal. Mas, nos dias que correm, é de uma irrelevância danada.

Deixem os liberais alisar seus bibelôs e fetiches. Não faz a menor diferença. Rodrigo Maia tinha razão em não tratar a questão como prioritária. Não era mesmo. E segue não sendo.