Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Zambelli entrou na máquina de moer carne do bolsonarismo. O que vai sobrar?

Reprodução
Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

23/02/2023 16h55Atualizada em 24/02/2023 03h52

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Começou a desconstrução da deputada Carla Zambelli (PL-SP). Desde que ela saiu de arma em punho pelas ruas de São Paulo, na véspera da eleição, estava marcada para morrer como musa do bolsonarismo, lugar que tomou de Joice Hasselmann, de quem era uma carregadora de malas ao tempo em que aquela brilhava no palco bolsonarista e fazia dancinha com Paulo Guedes. O entorno do "Mito" e ele próprio estão certos de que ela tirou votos em vez de dar. Mesmo em tempos estranhos, acho que isso aconteceu. Nota à margem: justiça se faça, o rompimento de Hasselmann teve lá componentes de natureza política, ainda que à maneira da turma. Achou, por exemplo, que tinha cacife para se opor à "filhocracia"... Zambelli cometeu o erro da sabujice extremista. Resolveu ser mais reacionária do que o rei. E se perdeu na fantasia. Mas ela acha que não.

Concedeu uma entrevista à Folha, o que lhe está rendendo a demonização nas hostes bolsonaristas. A deputada do revólver em punho considera falar a um público ideologicamente mais pluralista do que seu chefe político. Indagada sobre a causa da derrota do ex-presidente, afirma: "Encontrei algumas poucas pessoas que diziam: 'vou votar em você, mas não no Bolsonaro', a senhora é mais light na hora de falar. Muito do julgamento foi pela forma de ele falar e menos pelo que ele fez, porque as pessoas aprovam o que ele fez".

Indagada se acredita ter havido fraude nas urnas, ela prefere não responder porque, alega, poderia sofrer consequências. Parece dizer: "Ainda sou uma de vocês". Diz em seguida que o foco deve ser a oposição ao governo Lula. E o impeachment de ministros do STF, pelo qual se bateu? Ela encontrou uma saída: "Bolsonaro não ganhando, a gente tem que virar a chave. Qualquer impeachment no STF, o substituto vai ser indicado por Lula. Pode entrar uma pessoa que faça as maldades do Alexandre de Moraes parecerem uma criança chupando picolé." A imagem não faz muito sentido, mas é Carla Zambelli...

O site "Metrópoles" informou que a deputada procurou o gabinete de Moraes. E aí? Ela responde assim: "Liguei e mandei um email. Alguns dias depois, minha rede foi devolvida, pode ter sido um gesto. Estou à disposição dele para conversar. Porque ele vai ser um alvo do PT daqui a pouco. O PT não vai se contentar em indicar somente os dois ministros que vão se aposentar."

É espetacular. Aquela que tanto lutou pelo impeachment do ministro agora revela a intenção de protegê-lo do... PT. Convenham... Nem o gado vai comer esse capim. Diz que chegou a ter medo de ser presa, mas, claro!, não vê motivos. E resume com esta singeleza a sua atuação: "Não aconteceu porque eu não excedi um certo limite, não cometi nenhum crime. Mas eu joguei pesado, joguei duro nas palavras. Quando eu ia contra meus inimigos eu ia de forma bruta mesmo, mostrando divergências. Existia uma linha que eu podia cruzar, mas sabendo que outras pessoas cruzaram e sofreram as consequências."

Esta senhora pregava abertamente a intervenção militar e perguntava se os generais iriam bater continência a Lula, mesmo depois da vitória e da diplomação do petista. Pregava, em suma, golpe.

Num momento notável, Carolina Linhares, a entrevistadora, indaga: "Essas falas da sra., de Bolsonaro e de outros parlamentares podem levar as pessoas a quererem ou tentarem promover um golpe?". Prestem atenção à resposta: "Podem. Você pode colocar essa frase solta e no dia seguinte vai ter um inquérito contra mim no STF, se já não tem. Mas tem dois fatos [de contexto]: no dia 8, eu falei com várias pessoas para não irem ou serem zelosos. Segundo, hoje a gente percebe que eles não fizeram força nenhuma para essa invasão não acontecer. Existiu uma facilidade grande para entrar. E independentemente de qualquer discurso, cabe a cada pessoa a responsabilidade pelos seus atos. É a individualização da conduta, não se pode culpar Bolsonaro por algo que você fez."

É o puro sumo de Zambelli. Não tem como negar a instigação golpista sem que reincidisse na afronta. Então admite. Se entenderam que pregava golpe, foi um erro — coisas fora de contexto. E, no fim das contas, que cada um arque com as próprias escolhas. Quem invadiu que responda. E tem de responder mesmo. E quem incitou? E insiste na tese vigarista de que o atual governo fez corpo mole para auferir ganhos políticos. Chegou a pensar em visitar os presos, mas desistiu. Poderia ser pior, diz.

E o remédio, dona Zambelli, contra o golpismo? Ah, ela acha que deveria ter sido administrado por Bolsonaro:
"Na live que Bolsonaro fez em 30 de dezembro, ele tinha que ter deixado claro o que pensava. Ele seria um remédio se tivesse dito que era para as pessoas saírem dos quartéis. Outro remédio é o que estou tentando fazer. Tive três meses para pensar. Na volta das minhas redes, só fiz um vídeo sobre um assunto específico. Sei que a gente influencia as pessoas. Depois do dia 8, estou sendo bem mais cuidadosa para não ter mais pessoas se enganando. A gente está em outro patamar, agora não é hora de bater no STF, não é hora de fazer manifestação."

Mais uma pergunta e uma resposta muito eloquentes:
A sra. conhece bem Bolsonaro. Na live, ele já sabia que o jogo tinha acabado ou ele achava que haveria novos capítulos?
Não, ele achava que tinha acabado. Vendo a live, cheguei a passar mal, porque tive certeza naquele momento de que não ia acontecer mais nada. Para mim ficou claro, mas para várias pessoas que continuaram nos quartéis não.

Opa! Esperem aí. Então Carla Zambelli ainda apostava, até 29 de dezembro ao menos, que algo iria acontecer? Mas o que poderia ser fora de um golpe de Estado — a tal tentativa de golpe com a qual diz não ter se envolvido?

Walter Delgatti, o hacker, trabalhava para Carla Zambelli e diz ter participado do plano frustrado para grampear Moraes. Ela nega, não o ameaça com processo e o chama, digamos, carinhosamente pelo nome:
"Eu o contratei no primeiro turno para fazer uma ligação automática entre minhas redes e meu site. Ele começou a fazer, mas não terminou. O encontro com Bolsonaro era sobre a fragilidade das urnas. O que sinto no Walter é que ele fez tudo isso meio para se redimir da culpa que tinha pelo Lula estar concorrendo."

Acusada de ter participado de um crime grave, ela prefere fazer uma análise psicológica do acusador...

Bolsonaro diz a aliados que ela teria feito um acordo com Moraes. Bolsonaristas radicais da Câmara já a veem como traidora e uma "nova Joice"...

Janaina Paschoal, outra militante de extrema direita moída pelo bolsonarismo, agora diz o famoso "eu avisei". Paschoal criticava alguns comportamentos do núcleo duro bolsonarista e virou alvo dos fanáticos, inclusive de Zambelli. Agora afirma sobre a desafeta: "Tudo que ela [Zambelli] diz ter percebido agora, eu alertei. Alertei em plenário, alertei nas redes, alertei diretamente a ela e fui tratada por ela feito um cão sarnento. Eu alertei o próprio presidente, que preferiu mandar seus apoiadores não votarem em mim".

O bolsonarismo engole seus filhos. E engole com ainda mais fúria suas filhas. Mesmo de extrema-direita, mulheres seguem sendo, afinal de contas, mulheres... Seu maior pecado será sempre a desobediência.

Fiquei com a impressão de que, na origem da entrevista, está alguma negociação malsucedida. Parece que ela deixa alguns fios para retomar o diálogo. Desista, Zambelli! Já entrou na máquina de moer carne. Falta só apertar o botão. Se resta algo a dizer, convém que o faça.