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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Imprensa profissional já errou o que basta sobre Lula. Chamem doutor Samir!

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

12/07/2023 02h44

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Parece inequívoco que o governo Lula vive um bom momento. Acho que poucos na imprensa se atreveriam a dizer o contrário. Há, aqui e ali, algumas reservas de natureza ideológica. São legítimas porquanto elas existem na sociedade. A questão é saber se o jornalista, nesse caso, está comprometido com os fatos ou com a vocação missionária. O jornalismo, em princípio, tem o fato na origem, ainda que se possa opinar a respeito, e as opiniões assumam colorações distintas.

Negar, no entanto, que o governo está se dando bem a essa altura, 11º dia do sétimo mês, corresponde a resistir ao óbvio, e isso é fazer um mau trabalho -- mau jornalismo, portanto. Na sua "live" desta terça, Lula se referiu ao comportamento da imprensa. Não se trata de nenhuma crítica severa. Fez até uma avaliação bem-humorada. Afirmou:
"Às 9 horas da manhã, as pessoas falam uma coisa; às 11 horas, falam outra; ao meio-dia, falam outra; às 5 horas da tarde, falam outra; às 6 horas, tá todo mundo derrotado; às 8 horas, tá todo mundo vitorioso. É o que acontece de vez em quando: 'O governo está derrotado, acabou, não tem chance, não vai passar!...' E depois as coisas acontecem porque negociação é isso. Isso não é 'dando que se recebe". isso é negociando, como uma boa prática de negociação exige que as pessoas façam no mundo inteiro (...)"

Convenham: é inegável que assim é e assim tem sido. Há uma sede, especialmente em dias de jornalismo em tempo real — e isso quer dizer sem tempo... —, de ficar decretando vitórias e derrotas sem um tanto de ponderação. Vamos ser claros? Os prognósticos sobre o arcabouço fiscal e sobre a reforma tributária, aprovadas na Câmara por um placar muito acima do esperado, falharam espetacularmente.

Já escrevi aqui sobre o papel que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, teve nesses casos. E que se destaque a atuação do ministro Fernando Haddad, da Fazenda. Tem-se mostrado um excelente negociador e estabeleceu uma ótima relação com Lira. "Ah, Reinaldo, isso é assim tão importante?" Sim! Negociadores precisam se respeitar, ou nada acontece.

Também não é raro que analistas, surpreendidos pelo resultado, busquem causas para justificar o próprio erro. Ou, então, façam um juízo pautado pelo moralismo raso: "Governo ganhou porque liberou emendas". Eu realmente não acho que esse expediente ou a divisão de cargos sejam males em si — até porque haveria de se apresentar a alternativa. A questão é outra: fazer uma coisa e outra com qual propósito?

Na sua live, Lula tocou no assunto:
"Um partido que ganhe as eleições, ele precisa construir uma maioria para governar o Brasil. O que é uma maioria para governar? É para você ter a tranquilidade de votar as coisas que o governo considera que são importantes para o país, para a sociedade brasileira".

Vamos ver. Um governo precisa de maioria para fazer coisas, e essas coisas podem ser boas ou podem ser ruins. Bolsonaro herdou a reforma da Previdência já encaminhada. E depois? "Ah, veio a pandemia..." Pois é... Congresso e Supremo lhe deram todas as facilidades. Nunca ninguém havia contado antes com tamanha massa de recursos. Com um mínimo de decência, o que nunca teve, poderia ter se candidatado a rei. E, no entanto, fez o que fez. Construiu a sua base de apoio, recorrendo ao tal Orçamento Secreto, para articular suas pretensões golpistas.

CONQUISTAS
As conquistas do governo Lula são evidentes: arcabouço fiscal, reforma tributária, retomada do voto de qualidade no Carf. Se as coisas acontecem, emendas e distribuição de cargos deixam de ser um custo e passam a ser um instrumento de governança. Desde que não haja roubalheira. Havendo, que se denuncie, que se demita, que se puna. Ocorre que mesmo a imprensa se desacostumou de cobrir a política. Seus olhos ainda estão prioritariamente voltados para os assuntos de polícia.

O show de horrores a que se assistiu, por exemplo, na CPMI do golpe nesta terça acabou sendo normalizado. Quem é aquela gente, o que ela quer e qual é o seu desiderato? Ninguém sabe responder porque o líder é igualmente um destrambelhado, cujas supostas divisas são "Deus, pátria e família". O cristianismo do Biltre se conhece pela montanha de mortos da Covid; seu amor à pátria se revelou no 8 de janeiro. É, no máximo, um homem de... famílias. Nada contra o plural. Mas está longe de ser o conservador-padrão, ainda que este tivesse alguma serventia...

Lula falou na "live" sobre suarelação com o Congresso e respondeu à crítica de que tem cedido a pressões do Centrão:
"É uma coisa equivocada também que a imprensa fala sempre: 'É porque negociou com o Centrão, negociou com o Centrão!' A gente não negocia com o Centrão. O Centrão não é um partido político. O Centrão, ele se junta em função de determinadas coisas. Mas, habitualmente, você negocia com o partido. Então o partido quem é? O partido é o PT, é o PSB, é o PcdoB, é o PDT, é o MDB, é o PSD, é o União Brasil, é o Republicanos, é o PP. É com esses partidos que você negocia".

Muitos notaram, e com razão, que ele citou legendas que estão na base ou que têm ministérios e ao menos duas oficialmente na oposição: o Republicanos e o PP de Lira. O desejo de governar como uma frente é novo em Lula? Ele se elegeu por intermédio de uma, ainda que menos ampla. Na entrevista que concedeu a este jornalista no dia 1º de abril de 2021, afirmou que, se candidato fosse e caso eleito, procuraria, sim, diálogo com o Centrão porque formado por pessoas eleitas pelo povo.

ERRO BÁSICO
Infelizmente, também o jornalismo profissional se deixou contaminar por miasmas do bolsonarismo, ainda que na versão "extremismo de centro", no juízo que passou a fazer de Lula, tratando-o como um político atrasado, voltado ao passado, infenso às novas demandas da economia. Mais impressionante: comparava-se Lula de 2023 com o de 2003 e o de 2010 e se dizia: "Esse é outro, é o do rancor, o da vingança". O senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil do "Coiso", cansou de repetir essa ladainha em infindáveis entrevistas durante a campanha. E sempre anunciava a virada para a semana seguinte.

E aí se viu "o radical" entregar três ministérios ao União Brasil, três ao PSD e três ao MDB. O Planejamento ficou com a emedebista Simone Tebet. Seu vice é Geraldo Alckmin. Radicalismo? Sectarismo? "Oh, mas ele protesta contra os juros; ele fala em Estado interferindo no desenvolvimento!!!" Sério? Os nossos liberais libertinos só não reclamam quando o governo destina mais de R$ 440 bilhões ao Plano Safra. E tem mesmo de fazê-lo. Mas isso coincide com seu "liberalismo" radical?

O Lula do "atraso na economia" tem justamente na... economia três de suas maiores conquistas: arcabouço fiscal, reforma tributária e novo método para definir a meta de inflação.

LEMBRAM-SE DO LULA NO FIM?
Cumpre lembrar quantos textos se escreveram condenando o governo Lula antes de nascer, ainda em novembro do ano passado, quando, apenas eleito, o agora presidente começou a negociar a PEC da Transição. Ousados chegaram a lhe dar, ainda em fevereiro, mais umas três semanadas para se acertar. Ou viria o abismo. Os "extremistas de centro", pautados pelo bolsonarismo de mercado, chegaram a antever o impeachment!!! São os mesmos que acham que, agora, talvez seja até possível baixar em 0,25 a Selic em agosto? Só 0,25%? Trata-se de uma deflação da moralidade.

Sou míope e astigmático, com pitadas de hipermetropia, que a idade costuma trazer. Quando visito o doutor Samir Bechara, feitos todos os exames e tal, há sempre a hora de "esta ou esta?", testando lentes. Depois há ajustes de foco — o nome técnico deve ser outro. Quero enxergar o máximo dentro do meu possível. Infelizmente, não existe o Samir da análise política. Houvesse, e eu o indicaria como o caminho da cura. Ah, sim: para os males dos olhos propriamente, continuo a recomendar o doutor.

"ô, Reinaldo, então inexistem os cegos com capacidade de perceber o que está em curso?" É claro que sim! Observem que é só uma metáfora-convite para que os recalcitrantes ajustem o foco. Até porque essa gente enxerga, mas vê muito mal.