BC frustra fanáticos do carlo-zambellismo monetário com corte de 0,5 ponto
Eita! Sempre há aquele momento, que deve ser bem 0,5 ponto constrangedor, vexaminoso mesmo, em que o chefe da ortodoxia diz aos discípulos que lhe adulam os países baixos que eles estão errados por... excesso de ortodoxia. Isso não quer dizer que os fanáticos vão aprender alguma coisa com a experiência. Vamos a uma metáfora bem atual, embora ela seja um tantinho "disgusting"? Há a hora em que até um Jair Bolsonaro diz a Carla Zambelli que ela exagerou.
É o que se tem com a redução de 0,5 ponto na Selic, decidida pelo Copom por um placar de 5 a 4, estando Roberto Campos Neto entre os majoritários. Entenda-se: a metade queria apenas 0,25 ponto. Os outros quatro, 0,5. Como o presidente vota por último, ele desempatou a peleja.
O colunismo do "carlo-zambellismo" monetário ("oh metáfora ativa", escreveu o poeta) não estava para conversa: 0,25 ponto já estava de bom tamanho. Procurei saber as razões técnicas de tal defesa. Afinal, não sou economista, né? Os que são ou atuam nessa área, pensei, hão de me explicar por que a taxa não pode cair modesto meio pontinho.
Ninguém se dava ao trabalho. Partiam para o terreno do terraplanismo monetário. A síntese do argumento poderia ser esta: "Ah, é que, assim, o BC demonstra que ele pretende ser prudente e não vai flertar com a inflação..." Mas com qual? Com a deflação de junho e julho, por exemplo?
Assim como a direita mística bolsonarista ignora as conquistas óbvias desse governo nas áreas econômica e social, restringindo-se ao berreiro ideológico — a exemplo do que se vê na CPI do MST e na CPMI do golpe —, essa direita econômica, ou que nome tenha, cismou que Lula viria para arrombar os cofres públicos; que conduziria o país ao caos; que os juros seriam a única barreira de contenção. Anteviram desastres decorrentes já da PEC da Transição e depois do arcabouço fiscal. Erraram todas.
Como o início, ainda que tardio, do ciclo de queda dos juros se mostrou inevitável, mesmo sem passar o facão nos gastos, como recomendavam os valentes (e nunca se perguntaram se o Congresso toparia fazê-lo), então escolheram uma nova trincheira de curto prazo: "Meio ponto não! Só 0,25, ou estaremos diante da evidência de que o governo passou a interferir no BC".
Interferir como? De fato, os dois diretores indicados por Lula — segundo as regras do jogo que estão em curso — votaram em favor do pequeno corte maior. Mas dois outros também o fizeram, para o desempate de Campos Neto.
Observem: o aspecto místico em torno do 0,25 se mostra evidente no próprio comunicado do BC. Por unanimidade — o que inclui os que escolheram a redução menor —, o Copom indicou que repetirá a dose nas reuniões seguintes.
Pergunta de lógica elementar: se, para essa turma, a Selic pode ter um corte 0,5 ponto daqui a 45 dias, por que não agora? Sou católico. Toda crença, por mais tomista que eu seja, tem um fundo místico: "É porque é; existe o mistério..." Quando, no entanto, se está a decidir taxa de juros, parece-me que se deve abdicar de uma religião sem Deus, apegando-se aos fatos: para começo de conversa, a deflação de junho e julho.
Mesmo com a queda maior, decidida agora, entre as escolhas possíveis, note-se: os juros reais se situam na casa dos 10%, o que é um escândalo em si, sem qualquer razão explicável. Mas vá lá... A realidade começou a se mexer.
"Rei, não entendi aquela metáfora do carlo-zambellismo..." Como se vê, há, vamos dizer, "analistas" que se mostraram mais realistas do que o rei, não é? — no caso, Campos Neto. Saíram com suas pistolas "técnicas", a fazer mira nos críticos dos juros, como se estes estivessem dispostos a destruir a Tradicional Família Monetarista... O presidente do BC dispensou sua companhia: "Vão ver os números, malucos!".
AS PREVISÕES
Uma pesquisa da XP Investimentos com gestores financeiros antevê uma Selic de 11,75% no fim do ano -- 1,5 ponto, portanto, abaixo dos agora 13,25%, congruente com o anúncio que fez o BC. Há mais três reuniões até o fim do ano: 19 e 20 de setembro; 31 de outubro e 1º de novembro e 12 e 13 de dezembro.
O que eu espero? Que um dia venhamos a ter juros reais decentes. Mesmo na perspectiva acima, ficarão em torno de 8%, o que continuará a ser uma aberração.
Em todo caso, fiquemos com o mal menor, pensa este católico. Mesmo com esse corte tão pequeno, o Copom contrariou os fanáticos do carlo-zambellismo monetário. No fim das contas, não deixa de ser uma boa notícia.
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