Mandato no STF? O preço da destruição da democracia é a eterna militância
Um erro é um erro é um erro. E não há modo de ser um acerto. E, com frequência, não se trata de erro, mas de má-fé ou má consciência.
A fixação de um mandato para ministro do Supremo está nessa categoria. Não é, em si, nenhum bicho-papão. O problema está nas circunstâncias. Escrevi há pouco um texto em que afirmei: "O preço da destruição da democracia é a eterna militância". E há, sim, pessoas fanaticamente dedicadas a alcançar esse objetivo.
Não contarão com a minha ajuda.
Não contarão com o meu silêncio.
Não contarão com a minha covardia.
Não contarão com a minha displicência.
Não contarão nem mesmo com as minhas idiossincrasias para gostar ou não gostar disso ou daquilo.
Nesse particular, eu também me torno um militante. Mas, ao contrário daquele, saio em defesa da democracia.
Avanço com uma metáfora ou com um raciocínio alegórico até bastante simples. Se eu estivesse num navio, o que espero que não aconteça nem cedo nem nunca — acho que sou muito neurótico para isso —, não veria nada de errado em que se fizesse uma separação de pessoas por afinidade de pensamento. Pelo menos de gosto musical. Confessem que vocês também já tiveram alguns delírios autocráticos com esses que tocam bem alto a sua música predileta e ruim na praia, com aquele aparelhinho, sei lá como chama, que o diabo inventou... Assim é na vida, não? Tendemos a nos juntar com pessoas em razão de afinidades. Por que eu haveria de ficar confinado, em alto mar, de onde não posso escapar, não sou o albatroz, cercado de gente desagradável ou aborrecida?
Mas e se o troço começasse literalmente a fazer água ou a adernar? E se fosse necessário juntar as pessoas em um canto para aprumar a embarcação? Bem, aí eu me juntaria mesmo aos chatos. Se ficar amontoado com gente que detesto é o preço de evitar o naufrágio, lá vamos nós. Assim é a vida. Assim é a política. As forças que podem nos destruir a todos se torna a inimiga da hora — quiçá de longas horas... Há momentos em que a responsabilidade pede passagem à convicção.
ABSURDO
O STF foi ocupado e depredado por vagabundos não faz nem nove meses. Como afirmei ontem no programa "O É da Coisa", há uma possibilidade razoável, leitor, de que eu e você não tenhamos tido o destino de mais de 700 mil brasileiros que morreram de Covid porque os magistrados impediram que um fanfarrão da morte impusesse a sua política de homicídio em massa. Foram eles também a tornar viável o início da vacinação no país. A ele se devem inquéritos que se tornaram a barreira de contenção ao golpismo e a responsabilização daqueles que ousaram conspirar contra a democracia.
Não considero nem mesmo aceitável que se debata neste momento — e nada tenho contra a que se examine a questão no futuro — a proposta de se estabelecer um mandato para o tribunal, ainda que só alcançasse futuros indicados. E olhem que nem tenho ideia do seu perfil porque não sei se Lula se reelege, se um nome apoiado por ele se sagraria vencedor, se aparece uma alternativa democrática de corte liberal ou se os miasmas da destruição empestarão nosso futuro. Não estou numa aposta de cavalos...
É lamentável que a ideia surja no debate fantasiada de uma forma de "pacificação", como se fosse, de fato, o Supremo a criar dificuldades para o país. Tal absurdo se dá sob o olhar complacente, quando não entusiasmado, de lideranças do Congresso que veem na inciativa uma forma de acenar aos reacionários — aquela gente batuta que paparicou golpistas; que tentou "compreender" os seus motivos; que tratou o ataque como uma expressão legítima, talvez um tantinho exagerada, da vontade popular.
JÁ DISCORDEI E MUITO
Já discordei de decisões da Corte muitas vezes. Considero, por exemplo, que, se ele tivesse sido mais atento e mais ágil, as práticas criminosas da Lava Jato, a cada dia mais evidentes, não teriam prosperado. E é até provável que a besta não tivesse sido acordada do fundo do pântano. Se os membros da corte tivessem tempo de duração, poderia ser diferente? Nada indica. A depender do tempo, futuras vagas no Supremo seriam negociadas já na formação da chapa presidencial.
Há gente de que gosto e de que não gosto que esposa a tese. O ministro Flávio Dino (Justiça), cotado ele próprio para ser um dos 11, apresentou uma PEC em 2009 que estabelece um período de 11 anos. Em excelente entrevista ao podcast "Reconversa", voltou a defender a medida. Em 2019, foi a vez de o senador Plínio Valério (PSDB-AM) apresentar o seu texto. No caso, ele propõe um período de oito anos. Nesta segunda, ao lado de Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo na Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, afirmou:
"Bom, essa é uma tese que eu já defendi publicamente. Continuo a defender. Acho que seria bom para o Poder Judiciário, para a Suprema Corte do nosso país. Seria bom para a sociedade brasileira termos uma limitação do mandato de ministro do Supremo. Agora que já resolverá a segunda vaga de responsabilidade do presidente Lula, eu acho que preenchida essa vaga, é o momento de nós iniciamos essa discussão no Senado Federal e buscarmos a elevação da idade mínima para ingresso no Supremo Tribunal Federal, a fixação de mandato na Suprema Corte, no tempo também que dê estabilidade jurídica até pra formação da jurisprudência do país. Essa é uma tese aplicada em outros países do mundo. É uma tese defendida por diversos segmentos, inclusive por ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, e eu acho que é uma tese possível de ser debatida e discutida no Senado Federal".
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Quero receberVamos lá: tentem provar que um mandato aumentaria a segurança jurídica, quando, por óbvio, o país ficaria mais sujeito a solavancos de jurisprudência. Tentem convencer a lógica elementar de que não teríamos um grupo muito mais sujeito a injunções de natureza partidária. A depender do tempo e da manutenção do Presidencialismo com reeleição, a Casa passaria a ser, também ela, um território da disputa.
Pacheco fala ainda em elevar a idade mínima para a indicação. E tudo ficaria igual no caso dos candidatos à Presidência da República? Isso faz mesmo sentido? Uma pessoa poderia governar o país aos 35, mas não integrar um colegiado? Cesare Beccaria publicou "Dos Delitos e das Penas" quando tinha 26...
E OS OUTROS TRIBUNAIS?
E as demais instâncias e esferas da Justiça, que também dependem de indicação, não de concurso? Os ministros do STJ, por exemplo, seguiriam se aposentando aos 75, assim como desembargadores estaduais e federais? Sob qual argumento? Se a renovação -- ou que nome tenha -- passa a ser um valor importante no colegiado que dá a palavra final sobre a Constituição, o que justificaria a manutenção da regra nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais?
"Ah, mas aí seria instabilidade demais..." É mesmo? Debater este assunto nestes dias — quando ainda há marcas da depredação nas respectivas sedes dos Três Poderes e quando o STF está mandando golpistas para a cadeia — é um flerte inequívoco com aqueles que o veem não como um guardião da democracia, mas como um empecilho a propósitos bem pouco republicanos. Se, no entanto, a coisa prosperar, ou vale para todos os tribunais passíveis de indicação ou se está diante da marca escancarada da retaliação e do desvio de finalidade. Um Poder estaria agindo, claramente, com o propósito de aumentar o seu controle sobre o outro. A PEC é inconstitucional desde a partida.
Por que não limitar a 16 anos a permanência de deputados e senadores no Congresso? Seria uma renovação e tanto da política, não é mesmo? Em tempo: eu me oporia. Há quem confunda mudança com instabilidade. Não é o meu caso. O preço da destruição da democracia é a eterna militância. E há, sim, pessoas fanaticamente dedicadas a alcançar esse objetivo. Outras se juntam à turma por erro, distração, preguiça, burrice, oportunismo ou covardia.
"Ah, Reinaldo! Mas que título é aquele acima? O mandato destruiria a democracia?" Dada a conjuntura, seria uma piscadela para os depredadores da ordem democrática. E eu não flerto com fascistoides. "Nem para salvar o navio?" São eles o risco de naufrágio.
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