Reinaldo Azevedo

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Opinião

Bolsonaro cola a caminhão de Milei. Ou: Mito só ganha quando o Brasil perde

É absolutamente patético esse esforço de Jair Bolsonaro para pegar carona na vitória de Javier Milei. É bem verdade que o jornalismo de ficção ajuda um tantinho quando começa a imaginar relações de causalidade onde não há nem mesmo correlações. Vamos ver?

Atenção, gente! Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Equador, Paraguai e Uruguai são hoje governados pela direita... Ao grupo, vai se juntar a Argentina. É mesmo? Sabem o que isso quer dizer, leitoras e leitores? Absolutamente nada! Caso decidam examinar o conteúdo de cada um dos programas nos respectivos países, quando existem, constatarão que a falta da vizinhança de ideias é ainda maior do que a de vizinhança geográfica.

Se pedissem o meu juízo clínico e amador, eu diria que Nayib Bukele, de El Salvador, e Milei poderiam ser postos numa mesma ala, se isso não representasse risco para ambos — ainda que pudessem ser tratados com a mesma droga. Certos analistas, tudo indica, expressam a crença que se tinha sobre os urubus em passado remoto, segundo a qual as fêmeas da ave eram inseminadas pelo vento... Até onde acompanho, o ar em movimento não conduz ideias nem sêmen de urubu. Isso tudo é uma bobagem danada.

Se o governo argentino não fosse desastroso e desastrado, Sergio Massa ou quem fosse indicado pelo peronismo teria vencido. Por que se pode afirmá-lo com certa tranquilidade? Mesmo com uma inflação de 143% em 12 meses (até outubro), o candidato oficial obteve 44,3% dos votos, o que evidencia, note-se, o medo que o dito "libertário" provoca.

Mais: os números do primeiro turno apontam que, na verdade, o doidão arrebatou menos de um terço dos votantes (29,98%). O resto foi garantido no segundo pela adesão da direita tradicional à sua candidatura e pela agudização da crise econômica.

Há mais, já escrevi nesta coluna — o que foi admitido até por um membro da campanha do doidivanas: ele foi humilhado no debate final pelo oponente. Ocorre que a repulsa de parte considerável da sociedade à ruindade econômica e administrativa em curso levou à solidariedade com o pior para ver se o troço melhora. Não é um raciocínio dos mais inteligentes, mas é humanamente compreensível quando se tem inflação de 143%.

Os bolsonaristas comemoram porque sabem que as simpatias de Lula e de parte considerável de sua equipe, dado o que se tem, pendiam para o peronista — o mal menor. Mas isso tem menos a ver com ideologia do que com um certo apreço pelo mundo real. O homem que venceu a eleição pode ser apenas um farsante que finge demência. Convenham: o problema está menos na sua performance tresloucada do que no seu dito "programa", que reunia um conjunto impressionante de asneiras.

Reunia? No passado? Nada, ou quase nada, sobreviveu na reta final, a não ser a insistência na promessa de extinguir o Banco Central, atrelada à dolarização. Só poderia fazê-lo com a concordância do Congresso, onde tem meia-dúzia de gatos pingados: 8 dos 72 senadores e 37 dos 257 deputados. É ver para crer. Outros delírios já ficaram para trás. Foi o preço que teve de pagar para ter o apoio de parte das "castas" — leia-se: Maurício Macri e Patrícia Bullrich.

Insista-se na questão: "Por que a alegria bolsonarista?" Eu sei lá... Tudo o que os "patriotas" imaginam que chateie Lula costuma lhes provocar uma felicidade incontida. Padecem de uma espécie de "lulodependência" para entrar no mundo do gozo... metafísico, suponho.

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Chegou-me há pouco uma dessas vozes das trevas, a dizer que o "projeto de Lula" do acordo Mercosul-União Europeia já tinha naufragado... "Projeto de Lula?" O Brasil mais tem contratempos com seus parceiros de bloco do que satisfação. Em números de 2022, este país representava 72% do PIB dessa integração. Se o acordo se desfizesse e se cada país fosse cuidar de seus interesses em negociações bilaterais, dá para inferir que não seriamos nós, os "macaquitos", os mais prejudicados...

Ademais, convenham: olhem para as, por assim dizer, postulações dos "discípulos do capitão" e para as de seu mais novo astro além-fronteiras. A chamada "pauta de costumes" está longe do ser o eixo das sandices do desgrenhado, mas é central por aqui, junto a extremistas nativos.

No dia seguinte à vitória, o eleito fez o que dele se esperava: prometeu uma onda de privatizações, o que mexeu com os mercados — e não é difícil provocar tal reação. A questão é transformar tudo o que disse em realidade, encarregando-se, ao mesmo tempo, de minorar as dificuldades da população, que padece, sim, com inflação nas alturas, mas com uma taxa de desemprego relativamente baixa: 6,2% — no Brasil, é de 7,8%. A depender dos movimentos que faça, o mau ator ainda junta o muito ruim ao pior.

"E qual pode ser o efeito da vitória do espalhafatoso nas disputas eleitorais no Brasil, Reinaldo?" O mesmo que tem o voo da borboleta na eclosão da Terceira Guerra Mundial. Em princípio, tudo o que há no mundo está, de algum jeito, conectado. Vai da imaginação de cada um...

"Ah, mas Bolsonaro conversou com o vitorioso e deve comparecer à sua posse, em companhia de Valdemar Costa Neto!" Bem feito para os três! Lula, que se saiba, optou por não ir, uma decisão acertada, dado o vomitório de que foi alvo. E sem pedido de desculpas. Sim, elas são devidas e não desonram ninguém. Mas atenção, senhores do Planalto: não faz sentido cobrá-las!

O Brasil tem de manter relações institucionais com a Argentina. São do interesse de ambos. E pronto. O resto é conversa mole. E termino recomendando: quanto menos comentários figuras do governo fizeram sobre postulantes a cargos eletivos em outros países, melhor! "É que, depois de Milei, pode vir Trump nos EUA..." E daí? Se e quando isso for um problema nosso, que tenha a resposta adequada.

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Mas e a carona, Reinaldo? No dia 15 de novembro, os bolsonaristas convocaram protestos em 13 capitais. Em São Paulo, conseguiram reunir cem pessoas. Restou a esses bravos obter algum prazer de empréstimo nem que seja apelando ao vizinho. O Biltre se colou ao "caminhão" de Milei. Chegou a lhe dizer que está prestes a torcer pela seleção argentina nesta terça, no Maracanã.

Se o Brasil perde, Bolsonaro ganha; se o Brasil ganha, Bolsonaro perde. Tem sido assim desde 2018.

Bolsonaro cola a caminhão de Milei. Ou: Mito só ganha quando o Brasil perde.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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