Bolsonaro nada explica ao STF e diz respeitar a Justiça 'ao menos por ora'
A defesa de Jair Bolsonaro quer um encontro pessoal com o ministro Alexandre de Moraes para, nas palavras de um dos advogados, "elucidar por completo toda e qualquer especulação fantasiosa" sobre o rolê na embaixada na Hungria entre os dias 12 e 14 de fevereiro. Ainda assim, sete defensores enviaram a Moraes, nesta quarta, as explicações para as "noites do pijama". Pois é... Lá está escrito que, "AO MENOS POR ORA", o ex-presidente não tem motivo para evidenciar "falta de respeito à Justiça".
Como sabem, "por ora" quer dizer "por enquanto", "por agora", "no momento"... É sério? E se for condenado, o que certamente não será do seu gosto? Bem, ele já fez um comício contra o STF e nem réu é ainda, né? Sigamos.
A íntegra do que chamam "petição" segue depois deste artigo. A turma que a redigiu empregou 4.421 toques (ignorados os espaços), e a gente não consegue saber por que o solerte "Mito" passou aqueles dois dias num prédio que fica a 20 minutos de sua casa em Brasília. Parece restar a sugestão, então, de que o real motivo só seria revelado ao ministro numa conversa pessoal.
Já evidenciei aqui ser uma tolice esse papo de que se estaria tentando criminalizar o que crime não é, a saber: dormir numa embaixada ou mesmo pedir refúgio ou asilo. Bobagem. O que a Justiça — Moraes — tem de decidir, depois de ouvida PGR, é se o comportamento e as escolhas do investigado ameaçam a aplicação da lei penal — vale dizer: se acenam para uma possibilidade de fuga, o que os defensores obviamente negam. Por ora ao menos?
Mas fiquemos atentos a uma questão básica: negar não corresponde a argumentar. E, nesse particular, a negativa redigida a 14 mãos alimenta dúvidas e suspeitas, em vez de dirimi-las.
De saída, o texto aponta a agenda nacional e internacional "muito ativa" do ex-presidente. Ok. Lembra viagem recente para a posse de Javier Milei na Argentina. Ok. Encarece o convite feito por Benyamin Netanyahu para visitar Israel. OK. Destaca, na sequência, a proximidade do "peticionário" com Viktor Orbán e seus aliados, com os quais trataria "de assuntos estratégicos de política internacional de interesse do setor conservador." Ok também. Já se foram 1.361 dos 4.421 toques e nada! Não há uma explicação razoável para a fugidinha.
E aí o texto dá um triplo salto carpado hermenêutico, seguido de um rodopio, e apela a uma conjunção conclusiva que maceta a lógica, a saber:
"São, portanto, equivocadas quaisquer conclusões decorrentes da matéria veiculada pelo jornal norte-americano, no sentido de que o ex-Presidente tinha interesse em alguma espécie de asilo diplomático, conclusão a que se chega bastando considerar a postura e atitude que sempre manteve em relação as investigações a ele dirigidas."
Que diabos faz ali aquele "portanto", como se o ato exótico fosse o corolário de alguma evidência ou verdade já demonstradas?
A ida à Argentina, com a prévia comunicação ao juízo, e o convite feito pelo governo israelense voltam a ser evocados, como se argumentos fossem, e já se consumiram 2.202 toques por nada!
É justo que vocês indaguem: "Mas é preciso que se conheça o motivo? Não é uma questão privada?" Sim, é preciso. Não, não é privada.
Na sequência, apela-se uma um novo "portanto", a saber:
"Não há, portanto, razões mínimas e nem mesmo cenário jurídico a justificar que se suponha algum tipo de movimento voltado a obter asilo em uma embaixada estrangeira ou que indiquem uma intenção de evadir-se das autoridades legais ou obstruir, de qualquer forma, a aplicação da lei penal."
Atenção para a pergunta: por que as ações pregressas de Bolsonaro deveriam nos levar a uma leitura benevolente de seus folguedos húngaros?
SALTO AINDA MAIS MIRABOLANTE
Jamais se esqueçam. Em nenhum momento o "peticionário" revela o que foi fazer no cafofo de Orbán quatro dias depois de ter retido seu passaporte. Vem, então, a diatribe que os signatários devem ter considerado a mais engenhosa de todas:
"Contrariando quaisquer insinuações infundadas sobre a intenção do Peticionário, temos o fato de que, dias antes da visita à embaixada, foi proferida decisão pelo Ilmo. Ministro Relator impondo medidas cautelares consistentes na apreensão do passaporte e a proibição de se ausentar do país, o que já indicava que a decretação de uma medida mais severa, como a prisão preventiva, não estava iminente.
Portanto, diante da ausência de preocupação com a prisão preventiva, é ilógico sugerir que a visita do Peticionário à embaixada de um país estrangeiro fosse um pedido de asilo ou uma tentativa de fuga. A própria imposição das recentes medidas cautelares tornava essa suposição altamente improvável e infundada."
Nem Daiane dos Santos no tempo em que dava piruetas e saía dançando "Brasileirinho" ousou ser tão ligeira. Como? Você pensava, leitor, que o fato de Bolsonaro passar dois dias numa embaixada, na sequência da retenção de seu passaporte — e, pois, da proibição de deixar o país — era um elemento forte o bastante para supor eventual pedido de refúgio? Pois se trata, segundo a justificativa apresentada, justamente do contrário! Isso seria, dizem, "ilógico".
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Quero receberEntendi. Talvez devamos concluir, então, que o "lógico" estaria no contrário, né? Pudesse ele deixar o país, com a devida documentação, e o "asilo de dois dias", aí sim, poderia indicar eventual intenção de se mandar... Já se foram até esse ponto 3.572 dos 4.421 toques, e não se sabe o que o valente foi fazer lá.
Eles prosseguem com dois parágrafos sobre o estatuto das embaixadas, um tanto atrapalhados porque não dizem a que vêm, e nada de explicação! Apela-se, então, a um advérbio, um "ademais" (além disso), para demonstrar — eu juro! — que o dito Capitão é um verdadeiro servo das leis, relevando a sua suposta "postura altamente colaborativa", contestando a necessidade das medidas cautelares em curso — e, mais ainda, de uma eventual prisão preventiva.
Os doutores sustentam ser "pujante no peito do peticionário", creiam, "o respeito e a crença pelo (sic) Estado Democrático e de Direito" e que, "AO MENOS POR ORA", ele "não tem qualquer razão para fazer qualquer movimento no sentido de dar a indevida sensação de desconfiança ou falta de respeito a ela". Pergunta inescapável: esse "ao menos por ora" quer dizer o quê? Caso deixe de acreditar, e creio que isso aconteceria diante de um resultado adverso, estão ele vai atuar para evitar o cumprimento da lei penal?
Ah, sim: antes das sete assinaturas, os doutores reclamam que lhes falta pleno acesso aos autos. Exceção feita à delação de Mauro Cid e a diligências ainda em curso, tudo lhes foi tornado disponível.
E pronto. E assim se consumiram 4.421 toques (sem espaço e sem as assinaturas) e nem Moraes nem nós ficamos sabendo o que o cara foi fazer na representação da Hungria. Tampouco o saberá a Procuradoria Geral da República, para quem o ministro enviou o documento.
"Mas é preciso que a gente saiba?". Sim, Bolsonaro é investigado por crimes muito graves. À diferença do que diz sua petição, a visita sem explicação conhecida pode indicar a disposição de evitar o cumprimento da lei penal. Ainda que ele diga que não faria isso. "AO MENOS POR ORA"...
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Segue a íntegra:
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO RELATOR DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ALEXANDRE DE MORAES
Ref.: Pet nº 12.377/DF JAIR MESSIAS BOLSONARO, já qualificado nos autos, por seus procuradores com procuração em anexo (doc. anexo), vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, em atenção ao r. despacho proferido no dia 25/03/2024, manifestar-se a respeito de reportagem publicada pelo The New York Times.
O ex-Presidente Jair Bolsonaro, ora Peticionário — como é de conhecimento público —, tem uma agenda de compromissos políticos, nacional e internacional, que, a despeito de não mais ser detentor de mandato, continua extremamente ativa, inclusive em relação a lideranças estrangeiras alinhadas com o perfil conservador.
A título de exemplo, esteve na posse do Presidente Javier Milei da Argentina — oportunidade em que peticionou perante este Juízo informando previamente da viagem — e recebeu, recentemente, o convite do Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para visitar o referido país, viagem que, hodiernamente, aguarda autorização desta Suprema Corte.
Nesse contexto, o Peticionário mantém a agenda política com o governo da Hungria, com quem tem notório alinhamento, razão porque sempre manteve interlocução próxima com as autoridades daquele país, tratando de assuntos estratégicos de política internacional de interesse do setor conservador.
São, portanto, equivocadas quaisquer conclusões decorrentes da matéria veiculada pelo jornal norte-americano, no sentido de que o ex-Presidente tinha interesse em alguma espécie de asilo diplomático, conclusão a que se chega bastando considerar a postura e atitude que sempre manteve em relação as investigações a ele dirigidas.
De fato, o Peticionário jamais deixou de comparecer a qualquer ato para qual foi intimado — e não foram poucos —, sendo conhecidos seus endereços em Brasília, assim como sua rotina profissional no Partido Liberal.
Para mais, conforme brevemente supramencionado, nas duas oportunidades de se ausentar do País, o Peticionário teve a devida cautela e diligência de prontamente comunicar ao Juízo. Na primeira, o ex-Presidente foi a Buenos Aires para cerimônia de posse de Javier Milei, a convite do próprio Presidente argentino, tendo informado previamente este Pretório Excelso, bem como juntado as passagens aéreas de ida e volta e o itinerário com os detalhes da viagem.
Na segunda e mais recente oportunidade, o Peticionário protocolou pedido — com meses de antecedência — solicitando autorização para aceitar o convite do Primeiro-Ministro de Israel para visitar o país com sua família.
Não há, portanto, razões mínimas e nem mesmo cenário jurídico a justificar que se suponha algum tipo de movimento voltado a obter asilo em uma embaixada estrangeira ou que indiquem uma intenção de evadir-se das autoridades legais ou obstruir, de qualquer forma, a aplicação da lei penal.
Contrariando quaisquer insinuações infundadas sobre a intenção do Peticionário, temos o fato de que, dias antes da visita à embaixada, foi proferida decisão pelo Ilmo. Ministro Relator impondo medidas cautelares consistentes na apreensão do passaporte e a proibição de se ausentar do país, o que já indicava que a decretação de uma medida mais severa, como a prisão preventiva, não estava iminente.
Portanto, diante da ausência de preocupação com a prisão preventiva, é ilógico sugerir que a visita do Peticionário à embaixada de um país estrangeiro fosse um pedido de asilo ou uma tentativa de fuga. A própria imposição das recentes medidas cautelares tornava essa suposição altamente improvável e infundada.
Igualmente crucial é a necessidade de se esclarecer que embaixadas estrangeiras, apesar de desfrutarem da inviolabilidade estipulada pela Convenção de Viena, não devem ser confundidas com território estrangeiro. A inviolabilidade visa a garantir que as missões diplomáticas possam conduzir suas operações sem obstáculos, mas não concede à embaixada uma separação territorial do país anfitrião.
Da mesma forma, a ausência da exigência de apresentação de passaporte para ingresso em uma representação diplomática é uma prática administrativa comum, destinada principalmente a facilitar o acesso dos visitantes e não implica uma renúncia à jurisdição ou soberania do país anfitrião.
Ademais, considerando a situação atual dos processos em andamento, a postura altamente colaborativa do Peticionário e a já gravosa e, porque não dizer, desnecessária determinação de medidas cautelares diversas da prisão, qual a razão para que se pudesse temer por uma improvável, reprovável e incabível segregação cautelar?
O respeito e a crença pelo Estado Democrático e de Direito é pujante no peito do Peticionário que, em que pesem as perseguições, segue acreditando na Justiça e consequentemente, ao menos por ora, não tem qualquer razão para fazer qualquer movimento no sentido de dar a indevida sensação de desconfiança ou falta de respeito a ela.
Por fim, sendo o que cabia informar, requer-se a juntada do instrumento de mandato anexo, bem como acesso imediato aos presentes autos com a consequente autorização para obtenção de cópia integral, de modo a viabilizar-se todas as demais práticas necessárias ao exercício da advocacia.
Termos em que, roga e aguarda deferimento.
Paulo Amador da Cunha Bueno
Daniel Bettamio Tesser
Fábio Wajngarten
Saulo Lopes Segall
Thais De Vasconcelos Guimarães
Clayton Edson Soares
Bianca Capalbo Gonçalves de Lima
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