Lira erra e arma confronto artificial com Padilha. Quer algo. O que será?
É claro que Arthur Lira (PP-AL) está se vendo menos poderoso do que antes. E olhem que eu nem acho que seja o caso. Não por enquanto. Sim, chegará o dia em que deixará de ser vice-rei do Brasil — agindo, às vezes, como o Todo-Poderoso. O Brasil acima de tudo, Deus acima de Todos, e Lira acima de Deus. Assim foi no governo Bolsonaro. Na gestão Lula — que não abre mão de governar o país para comer farofa e armar conspirações —, teve de conviver com o contraditório, coisa de que definitivamente não gosta.
A sua reação à indagação de jornalistas sobre ter saído enfraquecido na votação que decidiu manter Chiquinho Brazão na cadeia é destrambelhada, desarrozoada e típica de quem cometeu um erro de cálculo e precisa agora arranjar culpados. Afirmou nesta quinta em evento do agro no Paraná:
"Essa notícia hoje, que você está tentando verbalizar, porque os grandes jornais fizeram, foi vazada do governo e basicamente do ministro [Alexandre] Padilha, que é um desafeto, além de pessoal, incompetente. Não existe partidarização. Eu deixei bem claro que ontem a votação é de cunho individual; cada deputado é responsável pelo voto que deu. Não tem nada a ver".
Certamente tem uma reivindicação de algibeira. Nada como fabricar uma crise para tentar conquistá-la. Vamos ver o quê. Ele é macaco velho o suficiente para saber que jornalistas não compram mero opinionismo em "off". Em "on", como ele faz agora, aí sim: o troço rende. Eis aí: presidente da Câmara chama ministro de incompetente; este responde publicando um vídeo em que Lula o elogia... Volto ao ponto.
Ora, a imprensa noticiou ao longo da quarta-feira que aliados de Lira, em especial Elmar Nascimento (União-BA), estavam empenhados em esvaziar a sessão que apreciaria a prisão de Chiquinho Brazão. E foi o próprio pré-candidato à Presidência da Câmara a anunciar a disposição. Disse com toda as letras que entendia inexistir prisão preventiva para parlamentares etc. Ademais, todos sabem quando Lira está e quando não está empenhando numa causa.
Quando houve o pedido de vista para adiar a votação sobre a manutenção ou não da prisão de Brazão, no dia 16 de março, o chefão poderia ter apelado ao Regimento e levado a questão para plenário e pronto. E a decisão do STF teria sido referendada por maioria muito mais larga. Não o fez, flertou com patranha, e há quem queira que se deu, assim, um recado ao STF. Só 129 votaram contra a manutenção da prisão, é verdade. Mas apenas 277 a endossaram e só 435 marcaram presença. O próprio Elmar planta por aí que sua estratégia foi bem-sucedida. Acha que ausentes e colegas que votam contra a prisão são futuros eleitores seus.
E que se note: Elmar não agiu na surdina. Alardeou a sua posição e a sua estratégia. Houve discordantes no próprio União Brasil: 16 votaram para manter em cana o acusado de ter mandando matar Marielle Franco, operação em que morreu também o motorista Anderson Gomes.
E PADILHA COM ISSO?
Vamos lá: o que Padilha tem com isso? Lira teria reclamado do fato de que o ministro ter dito o que segue:
"Nós nos posicionamos desde a manhã e o governo orientou na CCJ pela manutenção da prisão. E mantém essa orientação".
Esperem. Não entendi. Lira quer proibir o governo de ter uma orientação em votações?
Fico com a impressão de que o presidente da Câmara foi surpreendido. Eu nem acho que ele saiu enfraquecido da votação — não por ora. Ele está destinado à fraqueza. Ainda que venha a fazer o seu sucessor na Câmara, todo mundo sabe que a fidelidade, nesses casos, costuma ser bastante faceira com novos amores. Continua, sim, muito poderoso, mas me parece que muitos parlamentares não quiseram pagar o preço ou da omissão ou da oposição à prisão. Até o PL resolveu recuar do fechamento de questão: sete votaram "sim"; cinco se abstiveram, e 12 não marcaram presença, ainda que a esmagadora maioria (71) tenha obedecido à orientação de se opor ao STF.
Bem, Lira agora está bravo e, fiel a seu estilo, promete retaliação: "Vai pegar fogo esta semana". E mais:
"É lamentável que integrantes do governo interessados na estabilidade da relação harmônica entre os Poderes fiquem plantando essas mentiras, essas notícias falsas que incomodam o Parlamento. E depois, quando o Parlamento reage, acham ruim".
Quais notícias falsas? Será mesmo que algum ministro palaciano precisou soprar os ouvidos dos jornalistas que Lira vislumbrou a possibilidade de não se alcançarem os 257 votos para manter Chiquinho Brazão preso e que ele próprio, que gosta de evitar confronto direto com o Supremo, vislumbrou na votação a possibilidade de um sinal amarelo para o tribunal? Foi um erro de cálculo. A estratégia não deu certo por 21 votos. Mas o descontentamento, como queria Elmar, seu amigão, ficou, sim, registrado nos números.
O "outro" ao qual Lira estava querendo mandar um recado não era o Planalto, mas o Supremo. Como a coisa deu parcialmente errado, ele resolveu não perder a viagem e comprar uma briga artificial com Padilha e com o governo. Vai cobrar um preço, como sempre. Vamos ver quanto e qual.
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