Crítica a Pimenta em cargo no RS é tola; esperavam um 'neutro' como Leite?
O governo escolheu Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social, como titular da chamada "autoridade federal" para a reconstrução do Rio Grande do Sul. Um oposicionista como o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), do mesmo partido de Eduardo Leite, governador do Estado, reclamou e disse que a decisão é uma "excrescência". É mesmo? Por quê? Pimenta é gaúcho e tem a confiança de Lula. Não custa lembrar que essa espécie de "Ministério Extraordinário" deve durar de quatro a seis meses e atuará como o braço e a voz do chefe do Executivo para a questão.
Então ficamos assim: o deputado tucano e oposicionista critica o presidente por ter escolhido para um cargo de confiança um aliado e ministro, que também é deputado, mas petista. Perceberam?
Não sei se Neves falava em nome de Leite. O governador tem sido um tanto rebarbativo ao tratar da formidável ajuda federal recebida pelo Estado. Em entrevista à BandNdws FM, na manhã de ontem, fez uma admissão não mais do que protocolar da ajuda. Ao tratar da suspensão do pagamento da dívida por três anos, por exemplo, disse ser um passo, mas voltou a defender a quitação, omitindo que, junto com a moratória do pagamento das parcelas do principal — um total de R$ 11 bilhões no período —, veio a supressão dos juros sobre o passivo de R$ 98 bilhões. São mais R$ 12 bilhões. E estes nunca mais voltarão aos cofres federais. O valor deve ser integralmente convertido à reconstrução do Estado.
Ao abordar a reclamação de alguns prefeitos, que cobram ajuda imediata, Leite omitiu que basta aos gestores municipais preencher um formulário, e o dinheiro será enviado. Já chegaram "na ponta" R$ 157 milhões da Defesa Civil e outros R$ 60 milhões da Saúde. Ocorre que, como admitiu o próprio governador, em muitos lugares, a água nem baixou, e os pedidos de recursos não foram enviados.
Lula editou ainda Medida Provisória que abre um crédito extraordinário de R$ 12,2 bilhões para que órgãos do governo possam usar em ações emergenciais de atendimento a municípios gaúchos. Considerando as antecipações de benefícios sociais e suspensão de pagamentos de impostos, chega-se ao valor de R$ 50,9 bilhões, parte com impacto no resultado primário das contas: R$ 7,7 bilhões. E há o custo, que ainda não está dimensionado, da gigantesca mobilização da máquina federal: 16 mil homens sob o comando das Forças Armadas, 100 da Força Nacional e quase 800 da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, com deslocamento de tanques, helicópteros, viaturas, navio... Estão em funcionamento 10 hospitais de campanha.
Não vai parar por aí: nesta quarta, o presidente volta ao Estado e deve anunciar um "voucher" de R$ 5.100 a famílias atingidas pela tragédia. Serão incluídas no Bolsa Família mais 20 mil pessoas.
"Lula jamais deveria ter escolhido um petista para ser a autoridade federal..." É? À parte o ódio ao partido, podem explicar por quê? Ideologia e preconceito político emburrecem. Leite, por acaso, deixou de ser tucano e seus escolhidos para gerir a crise foram obrigados a abjurar de suas convicções para fazer seu trabalho com isenção?
Alguém ousaria acusar o presidente de estar fazendo corpo mole ou de politizar a crise? Como Leite deixou claro na entrevista à rádio, ele próprio não sabe quanto dinheiro será necessário. O que ficou claro, aí sim, é que ele os cofres federais como a fonte inesgotável para algo cujo tamanho ele desconhece. Admita-se, no entanto: tudo está feito. Leite levou até agora o que pediu. A despeito de certa dificuldade até de pronunciar o nome "Lula".
"Mas por que ter uma autoridade federal? Para desautorizar o governador?" Questões dessa natureza, elas sim, traduzem uma politização perniciosa da tragédia. São muitos ministérios envolvidos na assistência ao Estado e na posterior reconstrução. Lula não poderá deslocar a Presidência para lá. Que tenha, pois, um canal direto com esse ministro extraordinário, que vai atuar em parceria com o governador. Essa pessoa poderia pertencer a qualquer legenda, menos ao PT?
VAMOS DEVAGAR
O governo federal está cumprindo o seu papel, mesmo enfrentando a canalha organizada nas redes e, lamento ter de escrever assim, a indisposição injustificável de parte considerável da imprensa.
Na entrevista concedida ontem à BandNews FM, Leite deu uma resposta absurda a uma questão formulada pela jornalista Sheila Magalhães. E é impressionante que loquazes colunistas tenham silenciado a respeito. Reproduzo:
SHEILA: Temos falado bastante sobre as doações. E queria ouvi-lo sobre qual é a maior necessidade, neste momento, da população. Temos falado muito, evidentemente, de água potável, mas qual é a real necessidade agora nos abrigos principalmente. A gente está falando de mais de 70.000 pessoas em abrigos. Qual é o tamanho da necessidade de construção de moradias? O senhor fala muito sobre a infraestrutura, mas, em relação a moradias, qual o tamanho, qual a dimensão do comprometimento?
LEITE: Sobre as doações, em primeiro lugar, [quero] agradecer toda a solidariedade do povo brasileiro, imensa, monumental solidariedade que a gente tem observado do povo brasileiro. E agradecer muito tudo o que estejam enviando ao Rio Grande do Sul. Estamos num grande esforço aqui, do ponto de vista de estrutura logística, para poder receber, processar e expedir essas doações no volume necessário. Aliás, um dos pontos que eu também pedi à nossa equipe, aqui, é que ajude a estruturar, na medida do possível, ferramentas e canais para que aquelas pessoas de outros locais que queiram fazer doações possam fazer essas doações, também, ajudando o comércio local, que está impactado. Porque, na verdade, quando você tem um volume tão grande de doações físicas chegando ao Estado, há um receio do que nós já observamos em outras situações, em outras circunstâncias, sobre o impacto que isso terá no comércio local, né?, que pode, na verdade... Você tem uma cidade que está impactada, o comércio que foi impactado também, e o reerguimento desse comércio fica dificultado na medida que você tem uma série de itens que estão vindo de outros lugares também do país. Então... Não quero aqui, pelo amor de Deus!, ser entendido como alguém que está desprezando isso; pelo contrário: [é] muito bem recebido, mas, inclusive, isso também gera uma preocupação aqui para nós sobre os impactos no comércio local, aqui do Rio Grande do Sul. E acho que há caminhos, que a tecnologia proporciona, para que a gente encontra a disposição das pessoas de doar e de ajudar com a necessidade local dos pequenos comerciantes, enfim, também de buscarem se reerguer de forma que todos estejam atendidos.
RETOMO
Sei lá que diabo de "estudo" ele encomendou e como pretende operar, mas as palavras fazem sentido. Sim, o governador está dizendo que o formidável movimento de doação de víveres prejudica o comércio local. Ainda que eu queira ignorar o viés obviamente político na resposta -- ele fala, afinal, também à sua clientela ideológica --, seu discurso é próprio de quem está mergulhado numa enorme confusão, quando menos, conceitual, a evidenciar a incapacidade de hierarquizar as necessidades e definir as urgências.
Sempre se entendeu que a ajuda emergencial era destinada aos muitos milhares que perderam suas casas, que se encontram em abrigos, sem condições de comprar comida, água, roupa... Em circunstâncias assim, todos conhecemos a "inflação do desastre": o preço do pouco que sobra a ser vendido dispara. Não é isso? Segundo o governador do Rio Grande do Sul, "o reerguimento desse comércio [local] fica dificultado na medida que tem um série de itens que estão vindo outros lugares também do país"...
Além da suspensão do envio dos itens, o que mais ele quer?
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Deve-se cobrar, sim, eficiência do governo federal na reconstrução do Rio Grande do Sul. Mas me parece notável -- e bastante ridículo -- que o governador seja tratado por aí como se fosse um cronista dos desastres e um mero reivindicador. O homem que faz cobranças sem limites ao governo federal chegou a ser aplaudido por se jactar de o PIX oficial para doações ter uma gestão privada, não pública. Por quê? É uma escolha do mesmo paradigma da máxima "doações dificultam o comercial local"?
Lula nomeia um ministro de Estado gaúcho, de sua confiança, para ser seus olhos e seus ouvidos na parte do custo da reconstrução do Rio Grande do Sul que cabe ao governo federal — o que não afeta a autoridade do governador — e toma pancada por isso. "Um petista! Onde já se viu!?"
Daria exemplo de desprendimento se escolhesse um adversário para a função? "Não, Reinaldo! Teria de ser alguém neutro!" Entendi. Neutro como Leite.
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