Jabuti na árvore 1: Os créditos do PIS/Cofins e os Cíceros da ignorância
Vamos lá, caro leitor. A palavra de ordem da hora é cortar a dotação orçamentária de Saúde e Educação. Dados os editoriais e textos que se escrevem a respeito, chega-se à Lua e se pode ambicionar uma parceria com Elon Musk, aquele..., até Marte. Antigamente, os reacionários citavam Cícero em editoriais. Hoje, fartam-se num exercício manual de autorreferência. E quase sempre erram no emprego dos pronomes oblíquos. É encantador...
Ainda me lembro do espetacular Flávio Di Giorgi, professor de latim da USP, a mangar de editoriais de certo então jornalão reacionário, que oferecia pílulas das "Catilinárias" a ignorantões truculentos, sempre a serviço de privilégios. Com voz tonitruante, o gênio brincava: "Não sabem o quanto não sabem..." Falo do comecinho dos 80. A taxa de analfabetismo moral por metro quadrado em certos ambientes cresceu na mesma proporção do enxugamento da mão de obra. Ou dos cérebros em obra.
Cícero que se dane! Os valentinhos de hoje perderam a mão e a cabeça. "Ah, o Senado devolveu a Medida Provisória de Haddad sobre PIS/Cofins. O Planalto não é mesmo de nada!"
É sério?
O governo editou uma Medida Provisória disciplinando o regime de não cumulatividade da contribuição para o PIS/Pasep e Cofins. Determinados setores, na prática, pagam o imposto mais de uma vez, o que gera créditos. Tais créditos, segundo a MP, só poderiam ser usados para compensar esses mesmos tributos e não mais para pagar qualquer imposto. Pesquisem a respeito. É matéria vasta. Também revogava dispositivos que previam ressarcimento em dinheiro do saldo credor dos chamados "créditos presumidos" por ocasião da compra de insumos.
Sim, eu sei. Parece conversa em javanês. E cumpre, reitero, que se leia bastante a respeito. Mas atenção! Há um fato absolutamente compreensível. Esse ressarcimento, por exemplo, é dinheiro que sai do caixa. Como lembrou o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, o custo, com essa modalidade, em 2019, era de R$ 5 bilhões. Em 2022, chegou a R$ 22 bilhões. Disse o titular da Fazenda na segunda:
"Há alguma coisa acontecendo que precisa ser esclarecida em relação à sistemática". E mais: "O que a Receita quer é fazer um sistema mais transparente, em que se possa, por meio de um sistema operacional, identificar se a compensação de crédito está sendo feita na forma da lei. Porque a impressão que dá é que isso não está acontecendo. Ou está acontecendo de forma indevida".
É claro que está acontecendo de forma indevida. Mas o poder dos setores que estão se aproveitando de maracutaia é gigantesco. "Maracutaia?" A menos que, em três anos de baixo crescimento — 2019 a 2022 —, os negócios tenham se multiplicado 4,4 vezes, os cofres públicos (ou "os brasileiros"), estão sendo lesados.
Os Cíceros de meia-tigela deram voz aos lobistas, que saíram vociferando contra o governo e ignoraram os números. Haddad fala a verdade? Se fala, então há algo de podre em Roma. Se mente, vamos cortar as mãos e a língua dele (metaforicamente falando...), como fizeram com as de Cícero...
E lembro que a MP do PIS/Cofins, devolvida por Rodrigo Pacheco, era a compensação encontrada para a inconstitucional e pornográfica desoneração dos tais 17 setores e das Prefeituras, que custa quase R$ 27 bilhões aos cofres públicos, sem que se tenha dito como se compensará o buraco. O STF determinou: é preciso achar um jeito. A Fazendo encontrou um ralo. Não serve? Agora o titular da Fazenda diz não ter alternativa. Alguém tem?
Ah, tem...
Os tarados estão de olho na Saúde e na Educação. E noto: eu nem me oponho à tese de que os recursos das duas áreas cresçam segundo as regras que regem a correção dos demais desembolsos. Mas como explicar o silêncio leniente diante de lobbies que, obviamente, estão usando o princípio da não cumulatividade PIS/Cofins para sonegar ou para receber recursos indevidos?
Pior: acusa-se um suposto "aumento da carga tributária". Como é? Então se aumenta a carga quando se combate a sonegação ou, com a devida vênia, o roubo de dinheiro público?
"Pare com isso, Reinaldo! Não percebe que somos contra o governo e queremos derrubá-lo?"
É claro que eu percebo.
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